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Falta de empatia não é de bom tom, diz Ilana Kaplan, a mãe de Keila Mellman

Aos 55 anos, atriz fala sobre o fenômeno instantâneo de sua personagem, revisita trajetória e diz que morte de Paulo Gustavo escancara abandono e desgoverno

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Retrato da atriz Ilana Kaplan no teatro Opus, em São Paulo Marcus Leoni - 10.set.2018/Folhapress

Meio perua, meio socialite e arquiteta em processo de reinvenção. Foi assim que Ilana Kaplan decidiu debutar no mundo virtual enquanto não é possível voltar aos palcos de teatro, onde trilhou a maior parte dos 35 anos de sua carreira como atriz.

Pouco chegada a lives e a outras ferramentas exploradas em meio ao distanciamento social imposto pela Covid-19, Ilana concebeu Keilla Mellman, expert em decoração e etiqueta no ambiente digital. A fórmula inusitada se converteu no sonho de quem deseja ter um vídeo viral para chamar de seu: são mais de 3 milhões de visualizações, apenas no Instagram, em cinco esquetes publicados entre março e abril deste ano.

“Você tá na dúvida do que vai postar, se isso é de bom tom ou não é de bom tom? Escreve pra mim, boba”, explica a personagem de Ilana em um dos vídeos. Ela mesma lê as perguntas supostamente recebidas: “Olá, Keila, estou terminando uma quarentena exaustiva de 14 dias aqui no México e amanhã iremos todos para Miami tomar a vacina. Para comemorar, iremos para a Disney. Posso postar uma foto minha na frente do castelo da Cinderela dizendo ‘uma mulher vacinada não quer guerra com ninguém’?”.

Na resposta, a decoradora recorre ao que virou o seu bordão enquanto ajeita a franja postiça e esbanja um tom de voz condescendente: “Tu quer postar? Posta. É de bom tom? Não, não é de bom tom.”

A ironia sutil, então, é sucedida por uma quebra de expectativa, comum aos demais vídeos de Keila Mellman: “Você sabia que somente 13% da população foi vacinada? E que milhões de pessoas estão na expectativa de uma vacina da qual não se tem a menor perspectiva de quando vai chegar? Mesmo assim tu quer postar? Posta. É de bom tom? Não, não é de bom tom. Tu estás insistindo? Posta, mas não volta pro Brasil”, finaliza, com um sorriso largo.

O “tu” usado por Keila é também de Ilana, 55, nascida em Porto Alegre (RS). Na cidade natal, ela cursou artes cênicas e pedagogia voltada para pessoas com deficiência mental, mas não chegou a exercer essa última profissão. Sua primeira peça, “Passagem para Java”, foi um sucesso de público em 1986. “Eu pude, desde cedo, viver do meu trabalho como atriz”, conta.

A mudança definitiva para a cidade de São Paulo, onde tem passado esta quarentena, se deu em 1995. Desde então, Ilana Kaplan já esteve em cartaz com nomes como Paulo Autran, Glória Menezes, Jô Soares, João Falcão e Antonio Fagundes.

“Tive a felicidade de fazer muitos espetáculos, a grande maioria que foram de agrado do público. Acho que isso é mesmo uma sorte. Claro, somada ao meu trabalho —sou super rigorosa com o que faço—, mas tive a sorte de fazer espetáculos que eram o momento deles e estouraram”, afirma.

Ela também acredita que o sucesso instantâneo de Keila Mellman, cujos textos são escritos junto com sua irmã, Ana Kaplan, tenha sido propiciado pelo momento. “A piada e a ironia funcionaram porque esses clichês se repetem. ‘Estamos aqui devidamente testados’. Todo mundo no Ano Novo estava ‘devidamente testado’ [risos]”, diz sobre a passagem do ano, marcada por aglomerações, que antecedeu a segunda onda da epidemia no Brasil.

Antes do coronavírus chegar ao país, Ilana se preparava para uma temporada da peça “Baixa Terapia” no Rio de Janeiro. A adaptação da comédia argentina traz no elenco Antonio Fagundes, Mara Carvalho, Alexandra Martins, Fábio Espósito e Guilherme Magon. Desde 2017, quando estreou, ela já foi levada a Portugal e também aos Estados Unidos. “A gente ficou ininterruptamente em cartaz”, diz Ilana.

A atriz Ilana Kaplan se prepara para a reestreia da peça "Baixa Terapia", em São Paulo - Marlene Bergamo - 21.jan.2019/Folhapress

Em 2018, sua atuação em “Baixa Terapia” foi congratulada com o prêmio Shell. “Foi uma coisa linda”, relembra. “É muito raro um comediante ganhar um prêmio desse porte. O humor... As pessoas super se divertem, ele leva muito público, mas é engraçado como sempre a parte dramática é considerada mais séria. Não sei explicar isso. Acho que vem desde a Grécia, quando o humor era mais popular e a tragédia, mais erudita.”

A distinção da crítica entre humor e drama, no entanto, nunca fez com que a atriz pensasse em apostar em outro nicho. “É o que mais me dá prazer, eu amo fazer isso. A sensação coletiva da risada, quando a piada dá certo no teatro, é a mais deliciosa do mundo. Talvez só um roqueiro que lote um ginásio possa ter uma sensação maior.”

“Sempre tive essa verve cômica, acho que tem um pouco do meu judaísmo gaúcho nisso. É um autodeboche, né? É o Woody Allen que a gente carrega dentro da gente, é olhar para o cotidiano e fazer graça até da tragédia”, segue.

Ilana Kaplan diz se ver em um limbo diante da falta de perspectiva de retomada das exibições teatrais no país. “Nós fomos os primeiros a parar e provavelmente seremos os últimos a voltar, porque a gente faz uma arte que aglomera, que só vai poder voltar quando tiver a maior parte da população vacinada, inclusive nós.”

E destaca a necessidade do setor em obter apoios emergenciais enquanto for esse o cenário. “As pessoas não têm ideia da quantidade de gente que tem por trás de um filme pronto, de um musical pronto, de uma peça pronta. Figurinista, cenógrafo, iluminador, bilheteiro, porteiro, faxineiro. E todas as pessoas precisam ser ajudadas. A gente vive disso, mas não está podendo agora. A gente precisa que as pessoas olhem para nós.”

A atriz Ilana Kaplan durante cerimônia do VII Prêmio Aplauso Brasil de Teatro, no teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 29.jul.2019/Folhapress

Apesar da longeva e premiada carreira, Ilana Kaplan frequentemente encontra em suas publicações comentários de pessoas surpresas ao descobrirem que Keila Mellman é uma atuação, não uma pessoa de verdade. Há, ainda, quem pergunte a ela: “Você é a professora Matilde?”, em referência à personagem da atriz na versão mais recente da novela Carrossel, exibida pelo SBT em 2012.

“Acho isso maravilhoso. Alguém botou no Twitter uma foto minha puxando a orelha do Cirilo e dizendo: ‘Isso não é de bom tom’”, conta. “A cara da professora Matilde era outro personagem, o que me deixa feliz, porque é como se eu me transformasse em outra pessoa fisicamente.”

Uma alternativa encontrada por ela para que as pessoas a identificassem foi passar a escrever o endereço de seu perfil no Instagram, @ilana.kaplan, nos vídeos que vão ao ar —mas o fez de uma forma criativa. “Sou analógica, não sei colocar o meu próprio nome no meu vídeo”, diz, gargalhando. “Coloquei de próprio punho. Imprimi e botei atrás de mim nos livros, no banheiro, nos temperos da cozinha. Onde eu gravo, eu ponho. Como as pessoas acharam que a Keila era a Keila, coloquei. A mãe da Keila é a Ilana.”

Na televisão, a atriz já fez trabalhos como o quadro “Lá Vem História” do programa Rá-Tim-Bum, na TV Cultura, a novela “I Love Paraisópolis”, da Globo, e a série de humor “A Vila”, do Multishow, em que dividiu os estúdios com Paulo Gustavo. O ator morreu na última terça-feira (4), aos 42 anos de idade, em decorrência de complicações da Covid-19.

“Paulo Gustavo foi um talento único e gigantesco. Sua morte por Covid esfrega na nossa cara como estamos abandonados e desgovernados. Uma morte que poderia ter sido evitada. E assim segue o Brasil, cada dia mais triste”, afirma Ilana Kaplan.

“Estamos com problemas gravíssimos no Brasil, e ao mesmo tempo tem uma parcela de pessoas negando que isso exista e se divertindo, fazendo festa clandestina. É um acinte para os que estão levando a sério.”

“A gente tem que ficar alerta, olhar para o lado e pensar. A Keila veio muito mais por esse motivo do que por qualquer coisa. Não é para apontar o dedo, não é para cancelar, não é para dizer: ‘Fulana, olha aqui, você é uma babaca’. Não é essa a ideia, mas sim: ‘Fulana, pensa antes de postar. Não é o momento. Segura a onda’.”

O que não é de bom tom no Brasil de hoje? “Aí vai ser preciso mais cem páginas [de jornal]”, brinca. “Falta de empatia num momento como este definitivamente não é de bom tom. Colocar [nas redes] uma coisa que é uma ostentação, sem parar pra pensar que tem gente morrendo, que tem gente passando fome, que nós estamos sem vacina suficiente, que muita gente não foi informada que existem duas doses e só tomaram uma... Tudo isso não é de bom tom.”

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