Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Era uma metralhadora giratória contra todo mundo, diz vereadora atacada com spray de pimenta no Recife

Liana Cirne afirma que ação da PM no sábado (29) foi planejada e inflamou os ânimos para o próximo ato

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Uma semana após ser atacada com spray de pimenta por policiais militares durante protesto contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Recife, a vereadora Liana Cirne (PT-PE) afirma que, apesar da repercussão nacional do episódio, ela não tem sido ouvida.

“Isso é muito entristecedor. Sou entrevistada sobre a opinião do coronel fulano, do tenente ciclano, do candidato que teve 'x' votos. É muito triste que o que eu penso e o que eu interpreto não tenha sido perguntado por ninguém”, diz.

No sábado (29), a manifestação pacífica na capital pernambucana foi encerrada violentamente por policiais do pelotão de choque com bombas de gás lacrimogêneo e tiros de balas de borracha. Além da investida contra a parlamentar, dois homens que não participavam do protesto perderam a visão de um dos olhos em decorrência da ação.

Liana Cirne mostra sua carteira funcional de vereadora à polícia, no Recife, antes de ser alvo de spray de pimenta - Malu Aquino - 29.mai.2021/@lianacirne no Instagram

Por causa do episódio, Cirne foi alvo de uma notícia-crime apresentada pelo movimento conservador Pernambuco no Rumo Certo ao Ministério Público do estado. O grupo afirma que a petista “se utilizou do cargo de vereadora para dar ‘carteirada’ e impedir a ação da Polícia Militar”.

A vereadora diz ver a representação como um “disparate”. “São homens destituídos de coragem, de moral, e querem se autopromover porque o gesto que fiz ganhou notoriedade", afirma. A ação foi considerada improcedente e indeferida pelo MP. O órgão reconheceu que Cirne "foi violentamente agredida por policiais militares".

Liana Cirne, que é professora de direito licenciada na Universidade Federal de Pernambuco, conta que seguia a orientação de seu partido de não ir ao ato —e só o fez porque se dispôs a prestar assessoria jurídica aos participantes.

Apesar da repressão policial que marcou a manifestação, ela acredita que a realização de um novo protesto pelo impeachment de Bolsonaro no Recife, programado para 19 de junho, será mais seguro.

“No lugar de arrefecer, aplacar os ânimos, a violência policial provocou o oposto”, diz. “Acho que aqui em Pernambuco vai ser um dos lugares do Brasil em que a manifestação vai ser mais forte. Acredito que, depois do que ocorreu, as manifestações vão transcorrer com muita segurança, do jeito que elas estavam ocorrendo antes da ação policial.”

O Governo de Pernambuco, sob gestão Paulo Câmara (PSB), disse que a operação não foi autorizada. Até o momento, porém, não explicou quem deu a ordem para o ataque.

Leia, abaixo, o depoimento da vereadora Liana Cirne à coluna.

“Eu não estava no ato, é bem fácil perceber isso porque eu estava de salto alto e vestido tubinho. Fui prestar assistência jurídica, sou professora de direito há 25 anos.

Até meio-dia, tudo transcorria muito bem. As pessoas estavam caminhando em fila indiana, com máscara e distanciamento social, tudo muito ordeiro. Ao meio-dia, o telefone começou a tocar no meu gabinete. ‘As pessoas estão jogando bomba’ [disseram]. Então coloquei a minha roupa e fui até o local onde havia mais denúncias de violência, na agência dos Correios da Guararapes.

No caminho, me deparei com o vídeo das pessoas correndo na ponte Princesa Isabel. Pessoas desesperadas pedindo socorro, o barulho de tiros de borracha, a sirene. Na hora, a tensão é muito grande. Eu desci do carro e saí caminhando no sentido contrário da multidão, já com a carteira em riste, me identificando como vereadora.

Eles estavam realmente atirando para atingir as pessoas. Era uma metralhadora giratória, era contra todo mundo. Por isso atingiu duas pessoas que não estavam na manifestação. Na verdade, atingiu muito mais, mas o caso deles ganhou notoriedade, assim como o meu.

A viatura não conseguia passar por mim porque tinha um ônibus do lado. Ela só conseguiria se tivesse passado por cima de mim. Muita gente diz que deveria ter passado.

Eu fiquei em frente à viatura, [no momento em que foi registrada] aquela foto que viralizou. Esperei 30 segundos, aproximadamente, e me dirigi para conversar.

O policial que veio disparar o jato de spray de pimenta no meu rosto era o que estava atirando [com balas de borracha contra os manifestantes] mais enraivecido. Fui falar com ele: "Pare de atirar, eles não representam nenhum risco. Esse procedimento está errado. Quero sua identificação funcional, vou abrir um procedimento disciplinar”. Ele disparou [o spray] quando eu falei isso.

Estão me acusando de ter ofendido os policiais. Isso é um disparate. Por mais que você tenha coragem, o medo é muito grande. Eles estavam armados, irascíveis. O que eu fiz nos termos da lei qualquer cidadão pode fazer. Qualquer cidadão pode impedir que um ilícito seja praticado, a ação policial era flagrantemente ilícita.

A impressão que dá é que colocaram o rosto da gente no fogo, os olhos em especial. Cheguei em casa às 21h da noite, fui lavar os cabelos. Eu não sabia [como proceder], a água queimou todo o meu rosto de novo. Passei seis demãos de xampu pra poder tirar bem.

A vereadora Liana Cirne exibe sua carteira funcional de vereadora danificada pelo spray de pimenta - @lianacirne no Instagram

Sou muito crítica à exoneração do comandante. Em seu lugar, foi nomeado aquele que era diretor do planejamento da polícia. Ora, houve um planejamento, isso eu tenho certeza absoluta. As ações não foram espontâneas e descontroladas, elas obedeceram a um comando, sim.

O governador me assegurou que a ordem não tinha partido do Palácio do Campo das Princesas [sede do governo]. Mas então nós precisamos de ações mais enérgicas. Se existe um bolsonarismo no seio da polícia, ele precisa ser desmontado, e não com meras exonerações simbólicas. Isso não vai trazer de volta os olhos do Daniel, os olhos do Jonas.

O meu gesto [de parar em frente à viatura] só ecoou porque na verdade ele transformou em imagem um desejo coletivo. Que é o desejo de enfrentar o autoritarismo."

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