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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Tenho aflição de a esquerda ficar se 'autoamando', diz Maria Ribeiro

Aos 45 anos, atriz fala sobre seu documentário gravado durante as eleições de 2018, afirma que a democracia é uma instituição tão frágil quanto o casamento e revela que pretende raspar seus cabelos para nova montagem da peça 'Pós-F'

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Retrato da atriz e diretora Maria Ribeiro Manuel Aguas/Divulgação

Maria Ribeiro, 45, e Jair Bolsonaro, 66, não teriam nada em comum se não fosse o casamento. Ele usa o matrimônio como metáfora para romper e selar pactos políticos. Ela, para falar da democracia e dizer “não” ao presidente.

Foi com um vestido de noiva que a atriz atravessou uma avenida Paulista (SP) verde e amarela em outubro de 2018, em meio a uma manifestação popular em apoio ao então candidato à Presidência da República pelo PSL. Sua passagem pela via foi registrada em vídeo e é uma das primeiras cenas de “Outubro”, documentário que chegou à TV neste ano e que é dirigido por Maria.

“Eu tinha essa experiência de alguém que vinha de uma separação pessoal e que estava vendo o meu país se separar”, diz ela sobre a escolha do casamento como figura de linguagem. O vestido usado na ocasião foi o mesmo com que ela subiu ao altar com o ator Caio Blat, de quem se separou em 2017 após onze anos de união.

“A democracia é frágil, vulnerável, ela depende dos meios de comunicação e das narrativas. Foi uma analogia talvez mais barata, mas o que eu quis dizer é que o casamento também é muito frágil. É uma coisa de que você tem que ficar cuidando o tempo inteiro. Em nome do casamento, em nome da democracia, às vezes passa um caminhão em cima de você. O casamento tira o pior das pessoas, se você não cuidar. Você perde a cerimônia.”

“Estamos numa democracia, e o Bolsonaro está solto e é presidente do Brasil”, segue. “E o [presidente da Câmara] Arthur Lira não aceita o pedido de impeachment. É tudo ‘democrático’ onde a gente está.”

Retrato da atriz e diretora Maria Ribeiro - Manuel Aguas/Divulgação

Maria conta que gravou seu filme sem roteiro e na “porra-louquice”, decidindo que iria documentar o processo eleitoral com apenas uma semana de antecedência do segundo turno —que naquele ano foi disputado entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad (PT). “Quando eu fiz o ‘Outubro’, achava que a gente estava vivendo o fim do mundo [risos]. E foi piorando. O fim do mundo está sendo redefinido diariamente.”

O longa reúne figuras como a psicanalista Maria Rita Kehl, o poeta Sérgio Vaz, a atriz Martha Nowill, o professor de filosofia Marcos Nobre e o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e explora suas reflexões sobre a virada política de 2018. Todos os entrevistados, assim como Maria Ribeiro, rejeitam qualquer enlace com Bolsonaro.

“Eu estava vivendo uma coisa horrorosa, mas estava bem acompanhada. Acho que a eleição do Bolsonaro já serviu um pouco para você saber quem é a sua turma. A pandemia foi a peneira da peneira. Eu falei: ‘Estou com uma turma que é legal. Eu estou na merda, mas estou na merda bem acompanhada’.”

Maria conta que atravessou os últimos meses sob a crise da Covid-19 se guiando pela máxima de que “a gente tem que gostar de tudo o que acontece”, que diz ter aprendido com o músico Jorge Mautner.

“É muito difícil gostar de tudo o que acontece. Ao mesmo tempo, é muito inteligente porque não tem outro jeito, então você pega e dá a mão para a roubada.”

“Quando as pessoas falam ‘e aí, tudo bem?’, ‘tudo bem na medida em que o Brasil…’, eu já pulo essa parte. Eu estou bem, não posso usar esse tíquete. É uma merda? É uma merda. Mas não vai mudar a merda eu me identificar com ela, pelo contrário. Uma das coisas mais legais de se estar bem é poder ajudar quem não está.”

Maria Ribeiro clicada por Bob Wolfenson
Maria Ribeiro em foto de Bob Wolfenson - Bob Wolfenson/Divulgação

No último mês, Maria participou das gravações da segunda temporada da série “Desalma”, produção de terror do Globoplay. “Eu descanso muito sendo atriz, esqueço quem sou eu”, conta. Ela também estrelará um filme do Canal Brasil ao lado de Alexandre Nero, sem data para vir a público.

A atriz ainda tem conciliado os roteiros cinematográficos com a escrita de um livro que será publicado pela Companhia das Letras, intitulado “Desromance”, em que mistura o autobiográfico com a ficção. “Eu, muitas vezes, não sei onde mais estou falando a verdade, onde estou mentindo para enganar as pessoas”, brinca.

Na próxima segunda (9), ela lançará o podcast “Isso Não É Noronha”, em que discutirá variedades com personalidades.

Também está em seu horizonte uma nova montagem do espetáculo “Pós-F”, inspirado em obra da escritora Fernanda Young (1970-2019). A peça traz uma seleção dos relatos autobiográficos que Young reuniu no livro “Pós-F: Para Além do Masculino e Feminino”.

A primeira apresentação de “Pós-F” foi dirigida por Mika Lins e transmitida virtualmente em setembro do ano passado. Para a próxima temporada, Maria já tem novos planos: “Eu quero realmente raspar a cabeça, quero ficar o mais próximo possível dela [Fernanda]”, diz.

“A gente teve uma amizade muito intensa. Ao mesmo tempo, eu me ressinto de a gente nunca ter brigado, por exemplo. Eu penso: ‘Se eu fosse amiga de verdade, a gente teria tido um desentendimento, e a gente não teve’. Então agora eu me desentendo com ela sozinha. Eu mesma fico de mal com ela e faço as pazes, tudo sem ela saber”, fala, aos risos, sobre sua relação póstuma com a escritora.

Aos 45 anos de idade, a atriz diz que se leva menos a sério do que aos 20. “Sou muito mais feliz comigo hoje do que eu era. Acho tudo bom: gosto de acordar, gosto de lutar, gosto de viajar, gosto de voltar para casa”, afirma. “Eu não fico pensando muito em quem eu sou, eu realmente vivo.”

E conta que gosta da vida de solteira. “Fiquei casada com o Paulo [Betti] por nove anos e com o Caio, onze. É muito lindo ser casada, e também é maravilhoso não ser [risos]. Eu tive um mergulho nas minhas amigas e nos meus amigos, depois que separei, que não tinha tido antes. E também tive namorados que eu nunca tinha tido. Vivi uma ‘solteirice’ mais velha e conheci gente muito interessante.”

Apesar do otimismo ao falar de sua vida pessoal, Maria adota outro tom ao ser perguntada sobre o futuro. “Estou com esperança, mas aí eu ouço declarações como a do Luciano Huck… Caraca, não acredito. Não faz isso comigo, Luciano!”, completa.

Recentemente, o apresentador da TV Globo descartou sua candidatura à Presidência e revelou não se arrepender de ter votado em branco em 2018. “Não ter lado agora é ter lado. Você está assinando embaixo de um genocídio, de uma desumanidade. É surreal”, diz a atriz.

“Eu tenho um pouco de aflição da esquerda, da gente ficar falando para si e se ‘autoamando’”, diz. Ela faz um mea culpa sobre as ações que em 2018 ficaram conhecidas como “vira voto” —“porra, a gente tem que ir para a periferia”— e aposta em diálogos horizontais e sem ironia para conquistar eleitores para o seu lado.

Retrato da atriz e diretora Maria Ribeiro - Manuel Aguas/Divulgação

“Não estou a fim de zoar a Juliana Paes. Eu fico triste pela Juliana Paes porque acho que significa muito”, exemplifica. Juliana figurou entre os assuntos mais comentados das redes sociais em junho deste ano após publicar vídeo em que afirmava não aprovar “os ideais arrogantes de extrema direita nem os delírios comunistas da extrema esquerda”.

“Quero que as pessoas vejam que isso é inacreditável. Que tudo bem se o PT fez merda, o PT é só mais um partido, existe um jogo político. Ou a gente sai desse lugar da lacração ou então... 2022 está aí”, diz Maria.

“É realmente querer se comunicar com todo mundo, de uma forma que não seja condescendente. Falar de verdade, entendendo como o Bolsonaro tem muito mais de Brasil do que a gente gostaria que ele tivesse, porque é um fato. Não adianta a gente falar ‘ah, foi um acidente’. O Brasil é isso aqui também. O Brasil são essas pessoas que estavam abandonadas.”

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