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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Cultura de Bolsonaro é conduzida por ressentidos, diz Gabriel Leone

Aos 28 anos, ator se prepara para estrear filme 'Eduardo e Mônica', comenta sobre próximos projetos e critica o governo federal: 'A arte no Brasil está ferida por conta da forma como vem sendo tratada'

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O ator Gabriel Leone, 28, diz que a música sempre esteve presente em sua vida —começando pelo seu próprio nome. Batizado em homenagem à canção "Gabriel", de Beto Guedes, ele conta que acabou escolhendo a profissão de ator por um "acidente" na adolescência por causa de um trabalho da escola envolvendo o cantor Cazuza.

"Tinha que construir uma peça sobre a década de 1980 no Brasil. E a minha turma resolveu contar a história do Cazuza. E eu, simplesmente por ser fã, me candidatei pro papel dele. Foi assim que começou, em uma apresentação para pais", diz, entre risos.

"Me senti extremamente confortável no palco. Era uma sensação muito grande de pertencimento àquele lugar. Logo depois, entrei para uma companhia de teatro e nunca mais parei", continua. "E eu tenho isso [a apresentação] filmado. Minha mãe gravou tudo", segue, soltando mais uma risada.

Gabriel Leone
O ator Gabriel Leone - João Arraes/Divulgação

Conhecido por papéis em projetos da Globo como "Verdades Secretas" e "Velho Chico" e, mais recentemente, por protagonizar a série "Dom", do Amazon Prime Video, Leone é filho de um analista de sistema aposentado do Ministério da Saúde e de uma arquiteta. Ele diz que cresceu em um ambiente "muito musical" e que começou a tocar violão aos 15 anos.

Desde então, a música seguiu acompanhando o ator em sua trajetória profissional. Além de ter participado de diversos musicais, interpretou o cantor Roberto Carlos no filme "Minha Fama de Mau" (2019), emprestou sua voz para a canção de abertura da série "Os Dias Eram Assim" (2017), da Globo, e participou do filme "Meu Álbum de Amores", com direção de Rafael Gomes e canções de Arnaldo Antunes e Odair José, que ainda não foi lançado.

Agora, se prepara para estrear a comédia romântica "Eduardo e Mônica", de René Sampaio, inspirada na canção homônima da banda Legião Urbana. O longa chega aos cinemas no dia 20 de janeiro.

"Cresci ouvindo Legião, Renato Russo. É a minha banda de rock favorita. E poder viver o personagem que saiu da cabeça do Renato é uma loucura, um privilégio e uma honra pra mim. ["Eduardo e Mônica"] Está no meu disco preferido deles ["Dois"]."

Leone conta que entende a responsabilidade de retratar uma canção tão conhecida e que se estabeleceu no imaginário das pessoas. "Tem uma expectativa muito alta. E me coloco nessa, inclusive, porque sou muito fã", segue. "Depois de muito trabalho, conseguimos chegar na essência da música, que é falar de amor."

Além de "Eduardo e Mônica", outros trabalhos do artista deverão ser lançados no cinema em 2022. Ele também participará de uma série sobre o bicentenário da Independência do Brasil, com direção de Luiz Fernando Carvalho, para a TV Cultura.

Atualmente, está no ar na novela "Um Lugar ao Sol", da Globo. E diz que poder voltar a trabalhar e a gravar o folhetim fez muito bem a ele. "Tenho total consciência do privilégio que foi poder voltar a atuar naquele momento. Eu, assim como todo mundo, não fiquei bem de cabeça [durante a pandemia da Covid]. E retornar foi muito importante pra mim. Me realinhou, me colocou de volta nos trilhos. Tenho um carinho enorme por essa novela porque foi esse reencontro com a minha profissão, com o meu ofício."

Vacinado contra a Covid, o ator diz que ficou a maior parte do tempo no Rio de Janeiro, onde nasceu, durante a pandemia. Ele conta que, logo no começo, sofreu uma crise de ansiedade. "Fiquei quase cinco noites sem dormir. E não era insônia. Era sem dormir porque estava passando mal. Do coração, da cabeça, de tudo. Voltei à terapia. Ali foi uma questão de emergência, de crise", diz.

"Foi um olhar para mim mesmo. Me encarar dessa maneira frágil. Foi muito forte e importante também. Foi um processo de autoconhecimento, que é doloroso, mas que traz um amadurecimento grande."

Crítico do presidente Jair Bolsonaro (PL), Leone afirma que "faltam adjetivos" para descrever a condução da pandemia pelo governo. "Genocida acima de tudo", diz. "Cada vez fica mais claro que se o governo tivesse feito só um pouquinho, só o básico, que era incentivar o uso de máscara e comprar a vacina no momento em que houve oportunidade lá atrás, muita gente não teria morrido."

"É um governo que optou pelo negacionismo desde o primeiro momento. E como se não bastasse o sofrimento das vidas perdidas, a tragédia por si só que é a pandemia, a gente ainda tinha que diariamente ver alguma piada, algum desrespeito, alguma desumanidade e ignorância do governo."

Gabriel Leone
O ator Gabriel Leone - João Arraes/Divulgação

O ator também critica a gestão de Bolsonaro na área da cultura. "É muito claro o projeto de combater a classe artística, porque é uma classe que por meio da arte tem a possibilidade de fazer refletir, questionar, apontar as questões da sociedade e gerar reflexões. Sempre foi assim e sempre vai ser. Os artistas são os primeiros a serem calados e atacados", diz.

"Na minha opinião, a [pasta da] cultura [sob Bolsonaro] foi e continua sendo conduzida por ressentidos. Pessoas que se sentem ressentidas artisticamente e que desenvolveram esse ódio pela própria classe", segue. "Tudo o que eles puderem fazer para atrapalhar, desvalorizar e diminuir a cultura brasileira, eles vão fazer."

"Fazer arte, especialmente no Brasil, é sinônimo de resistência. A gente sempre superou [as dificuldades] e tenho certeza que dessa vez também vamos sair mais fortes. É dolorido, claro. A arte no Brasil está ferida por conta da forma como vem sendo tratada. Mas eles vão passar e a gente vai permanecer aqui."

Com mais de 620 mil seguidores no Instagram, Leone diz que admira artistas que se posicionam politicamente nas redes, mas acredita que isso deve partir de cada um. "Em um momento em que informações falsas e manipuladas são disseminadas a torto e a direito nas redes sociais, temos essa oportunidade de nos posicionar. Acho que isso é um ouro nas mãos", segue.

O ator conversou com a coluna por chamada de vídeo, direto do apartamento de sua namorada, a também atriz Carla Salle, na capital paulista. Eles estão juntos há cerca de cinco anos. "O meu relacionamento só diz respeito a mim e a ela, sabe? E é assim que a gente lida e está dando certo", diz.

Na conversa, Leone estava caracterizado com a cor de cabelo de seu personagem no seriado "Dom", do Amazon Prime Video —só faltou a lente de contato azul. "Esse cabelo loiro nem é meu na verdade. É mega hair", diz, rindo.

A história é baseada em fatos reais. Nela, ele interpreta Pedro Dom, menino da zona sul carioca viciado em cocaína e especializado em assaltar casas de luxo, morto pela polícia em 2005, aos 23 anos. Lançada em junho de 2021, a primeira temporada da série se tornou o conteúdo brasileiro mais visto no mundo entre assinantes do serviço.

As gravações para a segunda temporada começaram em agosto no Uruguai. Ele ainda filmaria no Espírito Santo e no Rio de Janeiro —e diz que os novos capítulos devem estrear ainda em 2022.

Leone afirma que é o personagem mais desafiador de sua carreira, um "presente" do diretor Breno Silveira, e que se orgulha do resultado final. "Foi o processo mais livre da minha vida artisticamente falando. Meu texto não tinha praticamente nada escrito. Estava me abrindo muito mais para as situações, as circunstâncias."

"Por mais que a série tenha o pano de fundo da ação, conseguimos colocar em foco o cerne da história, que é justamente falar sobre as questões da dependência química no âmbito familiar e fazer um retrato das transformações sociais do Rio, principalmente com a chegada da cocaína", diz.

Um mês após a estreia na plataforma de streaming, Erika Grandinetti, uma das irmãs de Pedro Dom, publicou depoimento nas redes sobre insatisfações com a série. Ela escreveu que sua mãe não havia autorizado e nem concordava com a produção. E apontou o que considerava distorções na maneira de retratar a figura de seu pai e de sua mãe. Leone afirma que não teve contato com nenhum membro da família e que o relato da irmã "mexeu" com ele. "É um relato doloroso de uma irmã que perdeu um irmão daquela maneira. Mas é uma situação muito complicada", diz.

"Acredito que da mesma forma que a mãe do Pedro tinha o direito de não querer contar a história, o pai do Pedro tinha o direito de contar. Nós não tocamos nessa ferida dessa tragédia familiar para fazer só entretenimento ou para fazer só uma série de ação."

"A partir do feedback que eu tive, das mensagens que recebi sobre a importância de retratar a questão de dependência química, as questões sociais dentro do núcleo familiar, entendo a importância que a série teve. E isso mais do que nunca me motiva para continuar contando a história", finaliza.

Leone diz que desde o começo da carreira optou por não ter vínculo com nenhuma empresa —seus contratos são por obra. "Sempre tive muito claro que queria poder escolher os projetos de que eu iria participar, os personagens que iria fazer e com quem eu iria trabalhar. Queria ter as rédeas da carreira em minhas mãos", diz ele.

"Sempre me enxerguei dessa maneira, porque é como entendo a arte. De poder ir até onde o seu coração mandar, até onde os personagens envolvidos no trabalho vão te interessar e vão te acrescentar."

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