Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Eleições 2022

Atos bolsonaristas serão constantes, e reação inteligente é crucial para evitar radicalização, diz ex-CIDH

Paulo Abrão defende que expressões autoritárias sejam isoladas e direito a protestos pacíficos, preservado

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A maneira como o Brasil irá administrar as manifestações antidemocráticas empreendidas por bolsonaristas após o resultado das eleições será decisiva para evitar uma deterioração ainda maior da democracia no país, afirma o ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) Paulo Abrão.

Professor visitante da Brown University, nos Estados Unidos, e diretor-executivo do think tank brasileiro Washington Brazil Office, ele diz ver similaridades entre os episódios brasileiros envolvendo o processo eleitoral de 2022 e os protestos que assolaram a Nicarágua, em 2018, e a Bolívia, em 2019.

Paulo Abrão, ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, durante debate na ONU, em Genebra, na Suíça
Paulo Abrão, ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, durante debate na ONU, em Genebra, na Suíça - Eric Bridiers/U.S. Mission Photo/Divulgação

"Na Bolívia, os manifestantes que contestavam o resultado da eleição [de Evo Morales] atuaram de maneira coordenada com as forças policias, que acabaram se amotinando", lembra Abrão.

Evo presidia a Bolívia desde 2006 e disputou um quarto mandato em 2019. Acusações de fraude na eleição e a pressão das Forças Armadas e de movimentos populares, cujos protestos deixaram mortos e feridos pelo país, no entanto, forçaram sua renúncia em novembro daquele ano.

Dois dias depois de ele renunciar, Jeanine Áñez, então segunda vice-presidente do Senado boliviano, chegou ao poder em uma controversa manobra legislativa. Em junho deste ano, ela foi considerada culpada por ter organizado um golpe de Estado e condenada a dez anos de prisão.

No caso boliviano, mas também no nicaraguense, afirma Paulo Abrão, as forças de segurança optaram por abordagens violentas em detrimento da preservação dos direitos humanos, o que propiciou uma escalada da crise social e favoreceu a ruptura institucional. No Brasil, em caso de repetição, não seria diferente.

"O manejo inteligente dessas manifestações é crucial para evitar uma radicalização e uma ampliação dessa tentativa de desestabilização", afirma o ex-secretário-executivo da CIDH.

"Não devemos cair no erro de negar o direito à manifestação dentro das regras e das leis. Nós temos que saber isolar essas expressões autoritárias, respondê-las de acordo com a lei, mas cuidar para não criminalizar o direito à manifestação pacífica, porque isso tem consequências", continua.

Abrão sugere que uma eventual abordagem violenta contra manifestantes pode desencadear sentimentos de indignação e de solidariedade entre bolsonaristas e gerar reações ainda mais agressivas, aumentando a tensão no país. "Aqueles setores que estão participando de maneira espontânea, e muitas vezes ingênua, podem ser levados a uma adesão massiva do movimento", diz ele.

"A direita conservadora hoje tem base social, ampla, organizada e mobilizadora. Os protestos serão uma realidade constante, e isso não é necessariamente ruim. A questão é saber lidar democraticamente com eles. E por isso é tão importante aprender, com as experiências dos países da nossa região, que o mal manejo dessas crises resultaram em crises políticas e institucionais de muito longo prazo", afirma ainda.

Paulo Abrão integrou a missão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que documentou o conjunto de violações ocorridas na Bolívia em 2019 e denunciou a instalação de um governo autoritário no país.

À frente do Washington Brazil Office, nos últimos anos ele alertou para a adoção da cartilha do ex-presidente Donald Trump por Jair Bolsonaro (PL).

Abrão afirma que o norte-americano buscou descredibilizar o sistema eleitoral, abusou da desinformação na disputa pela reeleição e insuflou setores extremistas, muitas vezes armados, a atentar contra instituições democráticas. "Essas três realidades têm paralelo com o caso brasileiro", diz.

"Passadas as eleições nos Estados Unidos, o presidente Trump também foi ambíguo ao não reconhecer o resultado eleitoral com um duplo propósito. O primeiro, de manter ativa a sua base de seguidores para demonstrar uma certa força social. O segundo, como estratégia de impunidade nas diferentes ações judiciais que ele sabia que teria que enfrentar", afirma o diretor-executivo do WBO.

A grande questão que se impõe neste momento, pondera, é saber se no Brasil haverá consequências para aqueles que atentarem contra a democracia.

"Nos Estados Unidos, mais de 840 pessoas foram presas por participarem de um ato de obstrução de um processo democrático oficial. Um número significativo de manifestantes ainda está aguardando sentença, e o presidente Trump segue sendo investigado para que se identifique qual foi o seu grau de participação nessa tentativa de insurreição", afirma Abrão sobre a invasão do Capitólio em 2021.

"Na Bolívia, quando foi retomada a democracia e reinstalada a ordem constitucional, a presidente Jeanine Añez e outros de seus ministros, inclusive militares, hoje estão presos ou respondendo a processos pela ruptura democrática que viveram. Como ficará o Brasil?", finaliza.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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