Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

Claudia Mello chega aos 70 como melhor garota-propaganda do método de ginástica que criou

Realizada e radiante, bailarina e professora comemora 50 anos de profissão ainda com alma de estudante

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A bailarina e professora de ginástica Claudia Mello, que está completando 70 anos de vida e 50 de profissão Hilton Ribeiro/Divulgação

Claudia Mello, uma das professoras de ginástica e dança mais completas do país, é um segredo bem guardado por gerações de alunas —e alguns alunos— que frequentam sua academia em São Paulo ou utilizam o seu método há décadas, faz 70 anos hoje, sendo 50 de profissão.

"Vou jantar com meus filhos, meus netos, meu marido e pronto", afirma ela, sobre os planos para a comemoração dupla. Quem a conhece bem tem toda razão de estar decepcionado. Afinal, a promessa era de uma festa para dançar.

Escritores, artistas, psicanalistas, médicos, intelectuais e jornalistas que frequentam religiosamente suas aulas na academia que leva seu nome na rua Fidalga, no bairro de Pinheiros, esperavam há anos por esta data.

Mas a vida deu seus solavancos e o plano acabou adiado. Não é que a Claudia passe um único dia sem dançar. Ou sem dar vazão ao bom humor que é uma de suas características mais marcantes e ao prazer que demonstra quando está rodeada de pessoas.

Mais especificamente, na frente de um grupo de alunos, ensinando um exercício ou um passo de dança de uma coreografia que ela mesma inventou.

A bailarina e professora de ginástica Claudia Mello, que está completando 70 anos de vida e 50 de profissão - Hilton Ribeiro/Divulgação

Claudia Mello é uma daquelas pessoas raras que a gente encontra e que faz da vida exatamente o que devia fazer. Ser professora de ginástica e dança é o que lhe dá mais prazer —e para o que tem evidente talento nato. Além de ser extremamente bem treinada e exercer seu dom com total dedicação, competência, conhecimento e criatividade.

Ninguém precisa dizer que Claudia parece mais jovem do que é, isso é óbvio para qualquer pessoa que cruze o olhar com ela. E não é isso que importa nem isso que ela promete com sua técnica. A ideia dela é muito mais profunda e abrangente. "O meu objetivo é tratar o corpo de uma maneira saudável. Claro que eu também tenho a intenção de deixar meus alunos mais bonitos, flexíveis, fortes e joviais, mas precisa respeitar o andar da carruagem, sabe?"

Ou seja, não é que ninguém deixe de envelhecer porque faz suas aulas de ginástica. Mas que a gente ganha uma ferramenta poderosa para enfrentar as limitações que o passar do tempo impõe, ah, isso ganha.

"O corpo foi feito para o movimento." Esse é um dos mantras da professora. "Ninguém precisa fazer crossfit, mas a gente tem que poder fazer crossfit se quiser. Ninguém precisa praticar parkour, mas se isso for te dar muita alegria, você tem que poder fazer parkour."

E é com a intenção de fazer com que seus alunos consigam se movimentar e levar a vida do jeito que bem entenderem que ela cria suas aulas, que seguem mais ou menos um roteiro, mas nunca se repetem.

Alongamento inicial, movimento das articulações do corpo todo, então um aquecimento dançado, seguido de exercícios com ou sem carga para os braços, as pernas, a bunda, a barriga. Sempre na única sala de aula da academia, um galpão reformado para servir da melhor maneira possível às suas invenções. Com piso especial para dançarinos, muitos materiais adaptados da fisioterapia, do pilates, pesos livres e parede toda espelhada.

"Gosto de trabalhar o corpo de maneira global. A gente tem que pensar no corpo inteiro, no espaço que nosso corpo ocupa, na distância que a gente se sente confortável em relação às outras pessoas. E gosto de sala de aula e de aulas coletivas, acho muito mais produtivo fazer uma aula coletiva que uma individual", diz.

A bailarina e professora de dança Claudia Mello com alunas, em 2004 - @claudia.mello.academia no Instagram

Escrevendo assim pode parecer que a técnica criada pela Claudia seja uma espécie de hidroginástica de clube para senhoras. E é o oposto disso. A intensidade dos exercícios é alta. Para aguentar os 75 minutos que duram cada aula é preciso preparo físico e mental.

"Os treinos são puxados, tem que fazer muita coisa difícil. Mas faço questão de que, antes de tudo, sejam agradáveis", diz. "E acho fundamental trabalhar com boa música, porque a música define a dinâmica do exercício."

Apesar da aula ser a mesma para todo mundo, Claudia o tempo todo faz adaptações e sugere alternativas para alunas que tenham alguma lesão, dificuldade com alguma postura ou mesmo estejam em um patamar diferente do resto da turma. "Não existe nenhum exercício que seja bom para todas as pessoas, isso é uma ficção", afirma.

Desde que começou a dar aulas de "dinâmica corporal", aos 20 anos, na academia de dança da professora Penha de Souza, com quem fez formação de dança moderna nos anos 1970, Claudia vem prestando muita atenção em todos os modismos que surgiram envolvendo o movimento do corpo, o físico considerado desejável em cada época e os estilos de exercícios.

"Quando eu comecei, tinha um preconceito enorme com o nome ‘ginástica’. A turma da dança, de que eu fazia parte, achava desprezível, por isso as aulas tinham esses nomes, ‘preparação corporal’, ‘dinâmica corporal’. Não existiam academias de ginástica, aparelhos em praças na cidade, ninguém nem praticava corrida, o que agora parece mais popular do que nunca", lembra.

"Nós, que éramos os alternativos, tínhamos muita curiosidade com a ioga e o tai chi, achávamos que essas técnicas orientais eram responsáveis por manter o corpo ativo por mais tempo, e quis conhecer os métodos."

A bailarina e professora de dança Claudia Mello durante aula ministrada por videoconferência, em 2021, em meio à crise sanitária da Covid-19. "Improvisando espaços para aula por Zoom", escreveu, ao compartilhar a foto em suas redes sociais - @claudia.mello.academia no Instagram

Claudia chegou a dar aulas de ioga, prática para a qual tinha uma habilidade natural por conta da força que adquiriu jogando vôlei na adolescência e da flexibilidade invejável que é parte sorte genética, parte fruto de muito alongamento feito durante toda a vida.

Outro mantra da professora é que "nós temos o corpo que a gente construiu". Ou seja, além do que a natureza nos reservou, a somatória de tudo o que aconteceu no curso das nossas vidas é o que determina o estado de nossas carcaças.

"E não existe uma separação entre o corpo, a mente e a psique", diz Claudia. "Pelo menos, não devia existir. Nós somos a soma dessas coisas", explica. "Mas a gente está vivendo um momento de grande desconexão entre o nosso espaço interno e o espaço externo, e uma maneira de a gente se conectar é fazer uma atividade física em que você precisa prestar atenção", afirma.

"Não vai fazer nenhum mal você ficar no celular para aguentar pedalar numa bicicleta ergométrica ou assistir a uma série no iPad enquanto corre na esteira, mas eu pessoalmente acho isso uma infelicidade", completa. "A gente precisa de conexão, e precisa de treino para isso. Qualquer treino, desde que seja prazeroso e que a gente faça com atenção."

Mas e quem detesta fazer qualquer tipo de exercício e só se sente bem comendo pipoca e chocolate, deitado no sofá na frente da TV? "Não existe isso. Quem pensa isso de si mesmo precisa procurar um outro caminho psíquico de construção de si, uma outra maneira de estar no mundo", diz.

A ginástica —e a dança— da Claudia é criada para a gente ser feliz, no final das contas. Para poder tomar posse do nosso corpo, dos nossos gestos, para poder fazer tudo que quisermos pelo maior tempo possível.

A bailarina e professora de ginástica Claudia Mello, que está completando 70 anos de vida e 50 de profissão - Hilton Ribeiro/Divulgação

A epidemia da obesidade e do sedentarismo são duas das maiores preocupações atuais dela, assim como de quase todos os médicos do mundo. Além das corcundas e dos pescoços constantemente apontados para baixo e as tendinites que não param de surgir nos cotovelos de quem passa horas e horas no celular, como grande parte das pessoas.

"Fazer ginástica duas vezes por semana é pouco para contrabalançar as seis horas diárias que as pessoas passam sentadas no escritório e depois outras tantas no celular", afirma. "É uma pena, e não vejo outra saída a não ser uma que venha da própria tecnologia, com computadores com telas ajustáveis, cadeiras, mesas, mouses que não machuquem tanto."

Ninguém vai conseguir parar o tempo, quem comer demais vai engordar, não existe a promessa de que os alunos da Claudia não tenham dores, lesões ou que, uma hora, cheguem ao limite. "Mas a gente tenta ao máximo", afirma a professora.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.