Atletas de parkour usam manobras para apagar luzes em Paris em meio a crise energética

Praticantes alegam ajudar a combater poluição luminosa e crise do clima e recebem apoio de autoridades francesas

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Constant Méheut
Paris | The New York Times

Depois de dar alguns passos para trás e começar a correr, Hadj Benhalima dispara em direção ao prédio, empurra a parede com o pé, impulsiona o corpo para cima e estica o braço. No auge do salto, desliga um interruptor, a mais de 3 metros do chão. Ouve-se um clique, e as luzes fortes de uma barbearia próxima se apagam. "Oooh", seus amigos aplaudem, quando o jovem magro de 21 anos pousa na calçada.

Era a segunda placa de loja que ele havia desligado numa recente incursão noturna pelos bairros nobres de Paris. Muitas outras se seguiriam, com ele saltando e dando cambalhotas pela cidade.

Kevin Ha reaches for a light switch outside a Rolex shop on the Champs-Élysées in Paris, Sept. 23, 2022. Young athletes in French cities are practicing the sport of Parkour ? which consists of running, climbing and jumping over urban obstacles ? to turn off shop signs at night in an effort to fight light pollution. (Mauricio Lima/The New York Times)
Atleta de parkous Kevin Ha desliga interruptor de luz do lado de fora de uma loja Rolex na Champs-Élysées, em Paris - Mauricio Lima - 23.set.22/The New York Times

Nos últimos dois anos, grupos de jovens atletas praticantes de parkour –esporte que consiste em correr, escalar e saltar sobre obstáculos urbanos– circulam por grandes cidades francesas apagando letreiros de lojas à noite, para tentar combater a poluição luminosa e economizar energia.

Vídeos de suas façanhas, mostrando acrobatas que parecem o Homem-Aranha agarrados a fachadas de pedra e bordas de sacadas antes de mergulhar as ruas na escuridão ao tocar um interruptor elevado, são populares nas redes sociais.

Mas as chamadas operações "lights off" (apagar as luzes) ganharam mais repercussão nos últimos meses, com a França adotando esforços de conservação de energia para enfrentar o estrangulamento do gás na Europa pela Rússia. Paris, a "cidade luz", é o alvo preferido. Enquanto monumentos históricos agora escurecem mais cedo do que o normal, muitas placas de lojas continuam acesas a noite toda.

"Cada um pode contribuir à sua maneira", diz Kevin Ha, líder do coletivo On The Spot Parkour, com cerca de 20 membros. "Colocamos nossas habilidades físicas em bom uso."

Várias vezes por mês, Ha e seus companheiros podem ser encontrados saltando por Paris, em busca de placas de publicidade sobre toldos ou nomes de lojas iluminados. Eles procuram os pequenos interruptores de emergência instalados do lado de fora das lojas, a 3 ou 4 metros de altura, que em geral controlam apenas as placas externas —não as vitrines que banham o interior das lojas em luz ostensiva.

Áreas elegantes como a avenida Champs-Élysées são o playground ideal. Descendo a via, eles desligam as placas das lojas de luxo uma a uma, acertando seus alvos como atiradores.

"Clique." Louis Vuitton. "Clique." Longchamp. "Clique." Rolex.

Embora escalar a propriedade alheia para apagar luzes possa parecer uma forma de invasão, os atletas de parkour –vigilantes não violentos, para alguns– insistem que a atividade apenas impõe regras raramente respeitadas. Mais de uma década atrás, a Prefeitura de Paris emitiu ordens exigindo que lojas desliguem luminosos e vitrines da 1h às 6h, mas a portaria é amplamente ignorada, com poucas consequências.

"Por dez anos não houve acompanhamento, controle ou sanção", diz Anne-Marie Ducroux, chefe da Associação Nacional para a Proteção do Céu e do Ambiente Noturno, que há muito faz lobby para ampliar os esforços contra a poluição luminosa.

É por isso que os membros do On The Spot tomaram o assunto nas próprias mãos. O grupo muitas vezes segue para o chamado bairro do Triângulo Dourado, epicentro do luxo francês no oeste de Paris, onde elegantes edifícios da era Haussmann com fachadas de cor creme se alinham.

Fazer cumprir as ordens no lugar das autoridades certamente entra numa área jurídica cinzenta. Mas o grupo afirma que todos os policiais que encontram nas rondas aprovam a iniciativa –desde que não cause danos. E eles têm o apoio da Câmara Municipal.

"Eles estão certos em agir", diz Dan Lert, vice-prefeito de Paris responsável pelo ambiente. "É também graças a eles que vamos acabar com esses hábitos chocantes."

Dali Debabeche, outro membro do On The Spot, afirma que essas missões noturnas permitiram que ele aprimorasse suas habilidades no parkour enquanto "enviava uma mensagem" sobre proteção ambiental. "Dois coelhos em uma cajadada só."

Ha, 30, conta que o coletivo foi inspirado no Wizzy Gang, da cidade de Rennes. O vídeo de uma dessas performances no Instagram, em 2020, teve mais de 700 mil visualizações. Logo iniciativas semelhantes surgiram. "Somos uma geração que sofre o impacto do aquecimento global", diz Mathieu Brulard, 27, da Wizzy Gang. "Não acredito mais que a solução virá de líderes políticos." Para ele, essas patrulhas são apenas o exemplo mais recente de uma geração mais jovem pronta para agir.

Cidades menores na França devem cumprir decretos de desligamento de luzes emitidos pelo governo semelhantes ao de Paris. Regras que, segundo as autoridades, poderiam economizar eletricidade suficiente para abastecer 750 mil residências todos os anos.

Em uma recente expedição noturna do On The Spot, as ruas brilhavam com letreiros deslumbrantes. "Ótimo", disse Benhalima, com clara empolgação. Ao ver a placa reluzente de um banco onde ele tem conta, correu para subir numa calha e desligá-la. "Meu favorito", disse, com um sorriso.

Ao final do passeio, às 3h30, eles apagaram quase 40 placas.

Muitas das lojas-alvo não responderam à reportagem sobre o parkour. As demais disseram que suas placas estavam iluminadas à noite devido a problemas com os sistemas de controle automático. Alguns funcionários afirmaram desconhecer os decretos e questionaram a legalidade da atividade do grupo.

O movimento talvez nunca tenha sido mais relevante do que hoje, com a França se movendo em direção ao que o presidente Emmanuel Macron chamou de nova era de "sobriedade" energética.

As autoridades de Paris começaram recentemente a apagar as luzes ornamentais de monumentos mais cedo, como parte de um plano para reduzir o uso de energia em 10% neste inverno. O governo também publicou um decreto padronizando regras de apagamento de luzes de letreiros publicitários em toda a França: eles devem ser desligados da 1h às 6h, e a violação é punível com multa de € 1.500 (R$ 7.650).

Ducroux diz que a nova regra não tem a ambição necessária na atual crise. Mas Ha afirma que notou que algumas lojas pararam de deixar as luzes acesas depois que seu grupo as apagou. Ele espera que outras sigam o exemplo. "Pelo menos vou dormir melhor."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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