Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu feminicídio

'Se a arma dele é a bala, a minha é o humor. Eu não vou parar', diz Lívia La Gatto

Ameaçada por fazer vídeos de humor, atriz afirma que seguirá lutando contra discursos misóginos nas redes

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A atriz e humorista Lívia La Gatto, 37, diz estar assustada com a repercussão que o seu nome alcançou nos últimos dias, desde que denunciou à polícia uma suposta ameaça de morte que recebeu após publicar vídeos de humor.

Nos conteúdos, Lívia faz uma sátira de discursos misóginos que têm sido difundidos nas redes sociais. "Você tem 24h para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso processo ou bala. Você escolhe", escreveu para ela o coach e influenciador Thiago Schutz. O nome dele não é citado nos vídeos, mas a humorista ironiza frases ditas por ele, além de aparecer caracterizada como um homem careca e de barba, similar ao aspecto físico de Schutz.

O coach Thiago Schutz e a atriz e humorista Lívia La Gatto - @manualredpill e @livialagatto no Instagram

Com mais de 300 mil seguidores nas redes sociais, o coach já disse que "homem foda não namora uma mulher que vai para balada sozinha" e que "um dos problemas da infelicidade feminina é que a mulher não quer servir".

Em conversa com a coluna, Lívia afirma que sente medo, sim, do que pode acontecer com ela, embora diga ter consciência de que é uma "mulher branca, privilegiada" que tem amparo de uma série de profissionais para se proteger. "Isso é atípico, não acontece com as mulheres ameaçadas", destaca.

"Quem está em perigo são as mulheres que convivem com esses homens", complementa. Apesar da insegurança, a atriz afirma que quer usar toda a visibilidade que ganhou diante da situação para debater o tema. "Se a arma dele é a bala, o chumbo, a minha arma é o humor. E eu não vou parar", diz ela à coluna.

Como atriz, Lívia La Gatto relata que vem trabalhando há anos desenvolvendo personagens e esquetes como forma de denunciar e expor grupos que alimentam discursos de ódio. "Em vez de gritar na porta dessa pessoa ou fazer um discurso, eu vou gravar um vídeo satírico, que é o que, artisticamente, eu sei fazer", pontua.

No caso envolvendo o coach, a humorista conta que ficou "horrorizada" ao tomar conhecimento do tipo de conteúdo produzido por Schutz e outros homens nas redes. Muitos desses coaches e influenciadores seguem a filosofia da "red pill", referência a uma cena do filme "Matrix" (1999), em que a pílula vermelha oferecida ao personagem Neo o despertar para os duros fatos do mundo real. Para esse público, homens seriam vítimas da sociedade, e as feministas "obscureceriam" a realidade.

"Eu fiquei assustada porque é um movimento que está tomando uma proporção grande. Muitos homens estão reproduzindo esse discurso de ódio livremente na internet. E o Instagram e o YouTube não fazem nada em relação a isso", diz. Procurados, o Instagram disse que não iria se manifestar. Já o YouTube não respondeu até a publicação deste texto.

Lívia afirma que muitas pessoas a questionam se ela não estaria dando palco para esse tipo de filosofia, com o que ela não concorda. "Visibilidade essas pessoas já têm. Agora, a gente precisa fazer barulho para que essas contas no Instagram sejam silenciadas, porque vão contra os direitos humanos", destaca. "Eles incitam o ódio, a violência contra toda e qualquer mulher que não seja submissa e que não esteja em 1810."

A humorista diz que a sua expectativa é a de que tudo o que está acontecendo neste momento sirva "para eles entenderem que são os opressores".

"O lado bom disso é que esses homens brancos, cisgêneros e héteros vejam que estão errados. É quase uma ação pedagógica dizer: 'É errado ameaçar de morte uma mulher que está denunciando o seu discurso misógino. Você está errado todo esse tempo'."

Na visão de Lívia, os homens sempre se "sentiram acima da lei". "Eles não são punidos. Quem é punida é a mulher, com a violência", afirma.

"O homem tem medo de que a mulher ria dele. A mulher tem medo de que o homem a mate. É essa a diferença", salienta. Ela complementa que quer encabeçar uma luta para aprovação de uma lei que criminalize a misoginia no Brasil.

Após Lívia divulgar a ameaça, Schutz disse em suas redes sociais que não tem porte de armas nem frequenta clube de tiros, e que não falou "bala" no sentido literal. "Não foi uma ameaça." Ele também afirmou que é humano e sente emoções. "Nunca tive a intenção de tirar a vida de ninguém."

Para a humorista, esse tipo de justificativa usada pelo coach pode ser perigosa. "O que me preocupa são essas outras mulheres que estão em casa com maridos que vão usar esse tipo de discurso de que 'perderam o controle e são humanos' quando elas se voltarem em algum momento contra ele", diz.

"Esse cara vai se sentir no direito de ameaçá-la de bala ou de fazer isso de fato, que é o que acontece no Brasil", argumenta.

Lívia afirma que ganhou mais de 100 mil seguidores no Instagram desde que o caso veio à tona —até esta quarta (1º), ela soma 265 mil fãs na rede. Embora a maioria das mensagens que afirma receber sejam de apoio, ela diz que há também, em menor número, ataques e ameaças. Além disso, amigos e personalidades que a defenderam também têm sido alvos de haters.

"Com toda essa repercussão, ao mesmo tempo em que eu me sinto muito amparada, eu vejo o quanto é urgente a gente falar sobre a misoginia", conclui.

Antes de se ver envolvida na atual polêmica, Lívia chamou atenção nas redes sociais durante a pandemia. Ao lado da amiga Renata Maciel, elas se destacaram ao publicarem vídeos com paródias musicais bem-humoradas e irônicas sobre política e a situação do país. O cantor Caetano Veloso passou a seguir a dupla, o que aumentou ainda mais a popularidade das comediantes.

Desde o ano passado, Lívia e Renata passaram a apresentar o "Aquela Dupla", que definem como show musical de comédia. Também seguem, juntas ou separadas, publicando esquetes de humor nas redes sociais.

A humorista não vem de uma família artística, mas conta que desde que se entende por gente já fazia comédia. Ela se lembra da primeira vez que subiu em um palco, aos 11 anos, e conseguiu arrancar risos da plateia. "Eu gostei daquela sensação de ter feito as pessoas se divertirem", relata.

Lívia fez faculdade de artes cênicas na USP e deu aulas de teatro por 11 anos em escolas da capital paulista, cidade onde nasceu, foi criada e vive.

Roteirista, ela fez parte da equipe que escreveu para a Amazon o especial Feliz Ano Novo de Novo, estrelado por Lázaro Ramos e Ingrid Guimarães —a atriz é uma de suas inspirações no meio artístico, ao lado de Heloisa Périssé, Grace Gianoukas e Regina Casé.

Para Lívia, essas comediantes são referências por encabeçarem um movimento que conseguiu mudar a cara do humor que era feito no Brasil até os anos 1990. "Era o auge do Casseta e Planeta, que era um programa machista", opina. "Na TV, a mulher era sempre colocada como a gostosa. Não podia ser bonita, gostosa e engraçada. O homem podia."

Essa transformação se dá, na análise dela, porque as mulheres remaram contra a maré "para estarem em cargos em que tenham poder para não serem mais objetificadas."

Lívia ressalta que vê o humor como uma ferramenta poderosa para falar de temas sérios. "Ao mesmo tempo que você ri daquilo, você começa a questionar o seu lugar na sociedade, os seus direitos, a fazer uma sátira do opressor e a mudar o que está acontecendo."

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