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'Na minha idade, mostrar o peito é uma transgressão', diz Grace Gianoukas

Atriz revela conselho que recebeu de Dercy Gonçalves, a quem encarna no teatro

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A atriz Grace Gianoukas no teatro Opus Frei Caneca, na capital paulista

A atriz Grace Gianoukas no teatro Opus Frei Caneca, na capital paulista Bruno Santos/Folhapress

Grace Gianoukas já teve grandes sucessos ao longo de mais de 40 anos de carreira. Gaúcha da cidade de Rio Grande e radicada em São Paulo desde o início da década de 1980, ela marcou a história do teatro paulistano com o espetáculo "Terça Insana", uma coleção de esquetes humorísticos que mudava toda semana. Surgido em 2001, o formato teve vários elencos e alguns derivados. Ficou quase 20 anos em cartaz, em temporadas intermitentes, e pode voltar a qualquer momento.

A atriz também tem no currículo o seriado infantil Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, e participações marcantes em novelas da Globo. Uma delas foi como a megera Teodora, na segunda versão de "Haja Coração", de 2016. Apesar de morrer logo no começo da trama, a personagem acabou "ressuscitando", por ter caído nas graças do público.

No momento, Grace atravessa mais uma boa fase. Em janeiro, estreou o monólogo "Nasci para Ser Dercy", de Kiko Rieser, que lotou o Teatro Itália durante dois meses e agora está em cartaz nas tardes de sábado, no Teatro Opus Frei Caneca, até 22 de abril. No segundo semestre, a atriz deve partir em turnê com a peça pelo Brasil.

O texto de Rieser foi escrito sob encomenda de Fafy Siqueira, que interpretou a Dercy Gonçalves madura na minissérie "Dercy de Verdade", exibida pela Globo em 2012. A ideia era marcar os 15 anos da morte de Dercy, ocorrida em 2008. Mas Fafy acabou abrindo mão do projeto. O autor então o enviou para a atriz Ilana Kaplan, que achou que Grace seria mais indicada para o papel.

"Quando o Kiko Rieser me procurou, eu já fui avisando: não sou imitadora", afirma Grace. "Mas aí eu li o texto da peça, e achei interessante. O Kiko tem um olhar humano, que vai muito além do óbvio que sempre colaram na Dercy: a velha louca que fala palavrão."

Grace começou os trabalhos pela personagem Vera Finarelli que, no espetáculo, é uma atriz que se revolta com o texto cheio de clichês de um teste para o papel de Dercy Gonçalves. "A Vera é próxima do meu universo. Depois fui buscar a Dolores. E só então eu construí a Dercy, para proteger a Dolores."

Dolores Gonçalves Costa nasceu em 1907 em Santa Maria Madalena, na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Foi criada pela irmã mais velha, depois que a mãe abandonou as filhas. O pai era violento, e a futura Dercy cresceu tendo as divas do cinema mudo como referências femininas.

A atriz Grace Gianoukas encena o monólogo “Nasci para Ser Dercy” no Teatro Opus Frei Caneca
A atriz Grace Gianoukas encena o monólogo “Nasci para Ser Dercy” no Teatro Opus Frei Caneca - Bruno Santos/Folhapress

"Ela se pintava, cortava o cabelo bem curto, imitava [a atriz] Theda Bara. Tinha um lado rebelde, e não demorou para ficar mal falada na cidade. Mas, naquela época, bastava você sair na rua usando batom para ser chamada de prostituta."

Grace conta que viu dois espetáculos de Dercy Gonçalves, a quem conheceu pessoalmente. "No final dos anos 1980, o [extinto] Jornal da Tarde chamou algumas atrizes para irem vê-la no teatro e, depois, bater um papo com ela sobre comédia. Eu estava nesse pacote. E foi incrível, porque a Dercy falou uma coisa muito interessante: "Meninas, não deixem que explorem o corpo de vocês. Esperem para botar os peitos de fora na minha idade. Aí, sim, é transgressor".

"Eu revi muitas entrevistas da Dercy para estudar o jeito dela. Reparei que, sempre que ela ia falar de uma coisa pessoal, um pouco dolorida, pegava uma estola, ou mexia no colar, para se proteger. A persona Dercy a gente já conhece. Eu queria ver quem era a Dolores, a pessoa por trás disso."

"Num dos três ‘Roda Viva’ [programa da TV Cultura] de que participou, Dercy conta que foi estuprada aos 70 anos de idade pelo diretor de um jornal de Londrina. Mas conta de uma maneira engraçada, meio que para se defender: ‘Ah, não precisava dessa violência! Se ele me pedisse, eu dava’. Os entrevistadores desabam em gargalhadas. Hoje, isso seria totalmente inadequado", diz Grace.

Dercy era uma contradição ambulante. Falava muitos palavrões, mas repetia em entrevistas que não gostava de sexo. "Ela nunca aprendeu a transar direito", conclui Grace. "Deve ter tido poucos orgasmos. Nasceu numa geração em que os homens não estavam preocupados em dar prazer às mulheres. Na vida pessoal, ela era muito moralista. E foi assim que criou a filha única, Dercimar."

Grace quer resgatar a memória de Dercy Gonçalves, pois já existe toda uma geração de adultos que não a conheceu. E também honrar o legado dessa pioneira do teatro nacional.

"A garotada de hoje não inventou o stand-up. Jô Soares já fazia, José Vasconcellos já fazia. Junto com eles, e com Oscarito, Grande Otelo, essa turma toda, Dercy criou um estilo brasileiro de fazer comédia. Ela abriu caminho para todas nós, atrizes. E ainda ampliou o que uma mulher pode fazer no teatro, porque também foi autora, diretora e empresária de si mesma."

"Nasci para Ser Dercy" é só uma das peças em que Grace Gianoukas está atuando no momento. A outra é "O Que Faremos com Walter?", também em cartaz no Teatro Opus Frei Caneca, de sexta a domingo.

Escrita pelos argentinos Enrique Díez e Juan José Campanella, o cineasta de "O Segredo de Seus Olhos", a comédia gira em torno de um grupo de moradores de um condomínio que quer demitir o zelador idoso. No elenco estão nomes como Elias Andreato, Norma Blum e Marcello Airoldi, sob a direção de Jorge Farjalla.

"Eu adoro ver o Farjalla trabalhando. Ele concebe todo um universo. A experiência de me doar completamente para um diretor, deixar que ele me molde, é uma coisa muito desafiadora e maravilhosa. O ego fica lá fora."

Grace é descendente de gregos por parte de pai, mas não entende a língua de seus antepassados. "Depois que meu avô paterno morreu, quando eu tinha uns três anos de idade, não se falou mais grego lá em casa", conta ela. "Há alguns anos, fui visitar umas primas na Grécia, na ilha de Andros, e elas queriam arranjar um marido grego para mim", diz, rindo.

Casada há 16 anos com o produtor Paulo Marcel Almeida, Grace tem um único filho, o veterinário Nikolas, de 32 anos, fruto de um relacionamento anterior. Hoje, o casal mora numa casa no bairro paulistano da Pompeia. É onde funciona o escritório de Paulo e Grace mantém seu acervo, que ela aproveitou para organizar durante a pandemia.

Mas não parou de trabalhar, pelo contrário. Fez a voz de Bordosa no longa em animação "Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente", de Cesar Cabral, baseado nos quadrinhos de Angeli. Participou das segundas temporadas da sitcom "Auto Posto", para a plataforma Paramount+, e do reality de comédia "LOL – Se Rir, Já Era", para o Amazon Prime Video.

Também acaba de rodar o longa "Mulheres de Negócios", de Anna Muylaert, junto com Irene Ravache, Ítala Nandi, Louise Cardoso, Cristina Pereira, Maria Bopp e Katiuscia Canoro. E se prepara para rodar o média-metragem "Call Center", de Rogério Boo. Os muitos convites ajudaram Grace a superar um período sombrio.

"Durante o governo Bolsonaro, fui perdendo minha esperança no ser humano. A minha geração lutou pelas eleições diretas. A gente nunca imaginou essa regressão. Foi me dando um desencanto, eu me senti tão inadequada... Foram anos muito difíceis. Mas, como sempre acontece quando a coisa fica muito ruim, o underground volta com tudo."

E a rebeldia também. No último segundo de "Nasci para Ser Dercy", logo antes de as luzes se apagarem, Grace exibe um seio para a plateia, emulando o atrevimento de Dercy Gonçalves.

É difícil mostrar o peito aos 59 anos de idade? "Não tenho problema com meu corpo, mesmo estando gorda, com celulite. O corpo é só uma capa. Isso precisa ser normalizado, a sensualidade existe em todas as idades. E eu não mostro o peito na peça para ser sensual. É por transgressão mesmo."

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