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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Wanderléa diz que não namorou com Roberto Carlos porque via ele de touca no camarim

Sucesso na Jovem Guarda ao lado de Roberto e Erasmo, cantora lança agora álbum só com chorinhos

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A cantora Wanderléa em sua casa na região dos Jardins, em São Paulo

A cantora Wanderléa em sua casa na região dos Jardins, em São Paulo Marlene Bergamo/Folhapress

"Eu amo novidade, tudo que é diferente me motiva", diz Wanderléa, que recebeu a coluna, a fotógrafa Marlene Bergamo e a equipe do TV Folha em sua casa, nos Jardins, em São Paulo, em uma tarde divertida, emotiva e musical na última segunda-feira (24). E muito descontraída.

A assessoria do Selo Sesc, que produziu o álbum "Wanderléa Canta Choros", que será lançado em CD e nas plataformas de streaming no próximo dia 12, fez várias restrições a respeito do quanto de sua casa poderíamos mostrar e impôs um embargo na parte mais especial da entrevista gravada em vídeo, quando Wanderléa cantou um trecho de "Brasileirinho", sem nenhum preparo nem acompanhamento.

Uma pena. Foi um privilégio e uma surpresa ouvir a cantora fazendo o que faz melhor na vida. E como canta bem. E como é evidente o quanto se diverte com isso.

Tentamos muito convencer a assessoria que mostrar Wanderléa cantando "Brasileirinho" à capela ia valer mais que mil entrevistas em que ela fala a respeito do projeto, de como o ritmo a remete à sua infância em Minas Gerais, onde nasceu em 5 de junho de 1944 e onde começou a se apresentar cantando choros com a banda Regional do Canhoto antes dos dez anos de idade.

A cantora Wanderléa em sua casa nos Jardins, em São Paulo
A cantora Wanderléa em sua casa nos Jardins, em São Paulo - Marlene Bergamo/Folhapress

Perdemos essa batalha. Seria a cereja do bolo, mas não é que o bolo vai ficar sem graça sem essa parte. Longe disso.

Durante todo o tempo em que a equipe passou em sua casa, Wanderléa parecia completamente desarmada e disposta a qualquer aventura. Nos mostrou detalhes do apartamento, comprado e reformado por ela em 1967. Com diferentes alturas na sala, a mesa de jantar fica num nível mais baixo e tem banco de alvenaria. As paredes internas têm um acabamento que remete às casas de Barcelona, sem ângulos retos e com um volume diferente das paredes retas.

As portas e os corredores são todos arredondados em cima, e uma cristaleira na sala guarda as várias bonecas feitas em sua homenagem, todas de minissaia e bota até o joelho, além de longos cabelos loiros. E muitos presentes recebidos de fãs. A janela da sala, que dá para a rua e para a construção de um prédio que nos fez interromper algumas vezes a gravação, está coberta por um pano pintado por sua filha Yasmim.

Wanderléa tinha acabado de receber o CD novo quando chegamos. A direção de arte é de Yasmim, que mora com o marido e duas filhas pequenas em Roterdã, na Holanda. Foi ela, aliás, quem sugeriu à mãe que gravasse um álbum só de chorinhos.

"Minha filha dá aulas de arte para crianças e meu genro dá aulas de música lá na Holanda. Eles vieram para o Brasil, e minha filha precisava de um pandeiro. Quando saiu para comprar, encontrou a [pandeirista e pesquisadora de música popular brasileira] Roberta Valente. Ficaram conversando, e quando Yasmim voltou para casa, me deu essa ideia", contou.

"Eu nunca imaginei fazer um disco inteiro só de chorinho, mas adorei a ideia, levei para o Luiz Nogueira, do Selo Sesc, que levou para o Danilo Miranda, diretor do Sesc-SP, que achou a ideia maravilhosa e juntou uma equipe incrível." A mixagem de som ficou a cargo de seu marido, o músico uruguaio Lalo Califórnia, com quem está casada desde 1981 —mas há muitos anos em casas separadas.

Sua outra filha, Jadde, que também é sua assistente, acompanhou a entrevista e fez questão que publicássemos a data do lançamento da primeira música do CD, "Delicado", na próxima sexta (5), e dos dois primeiros shows, dias 20 e 21 de maio, no Sesc Pinheiros.

Com essa missão cumprida, os dados do novo trabalho todos aí, diligentemente publicados, chegou, finalmente, a hora com que eu sonhei por anos e anos: conversar com Wanderléa sobre outros assuntos. Fofocas da Jovem Guarda, os figurinos ousados que ela usava antes que todo mundo, a batalha que uma parte dos músicos de MPB travou contra a introdução da guitarra elétrica, sua colaboração com Raul Seixas, que dizia que ela era a maior roqueira do Brasil, o namoro (ou era amizade?) com Roberto Carlos. A lista de perguntas era enorme.

Essas histórias eu ouvia ainda adolescente de um amigo ator, gaúcho, bem mais velho que eu e que era tão, mas tão apaixonado por ela que fez da arte de interpretar Wanderléa, em várias edições de um show de boate criado por ele nos anos 1980, a espinha dorsal de sua carreira artística. O nome dele era Renato Kramer, e ele infelizmente morreu em decorrência de um acidente doméstico em dezembro de 2020, aos 64 anos.

A origem libanesa da cantora, que tinha o apelido de Ternurinha nos anos 1960, é bastante conhecida. Seu nome completo é Wanderléa Charlup Boere Salim. Seu pai, Antônio Salim, era filho de libaneses, um homem rígido e muito presente na vida dos 13 filhos que teve com dona Odette.

Dos 13, apenas sete sobreviveram. Dona Odette perdeu dois pares de gêmeos e dois filhos muito pequenos, Wanderlí e Wanderlã. Wanderley, Wanderlene, Wanderbele, Wanderbil, Wanderte e Wanderlô foram os irmãos com quem Wanderléa cresceu, parte em Governador Valadares, em Minas, depois na zona norte do Rio de Janeiro e em seguida em Lavras, outra cidade mineira em que a família ocupava duas casas vizinhas.

"Minha mãe foi minha primeira influência, ela cantava o tempo todo em casa", conta Wanderléa. Filha única de um português sanfoneiro, dona Odette também tinha o sonho de ser cantora profissional. Mas depois da morte de seu pai, na explosão de uma mina, sua mãe, a avó de Wanderléa, a proibiu de se apresentar, dizendo que palco não era "lugar de moça direita".

Ele [Roberto Carlos] era um gatinho, rolou uma paquera, mas foi só isso. O Erasmo também era um gato, e vivia fazendo juras de amor, mas não tinha condição

Wanderléa

cantora

Wanderléa sofreu o mesmo tipo de preconceito por parte de seu pai. "Enquanto eu era criança, ele achava bonitinho eu gostar de cantar, deixava que eu me apresentasse em programas de rádio", lembra a cantora, que participou de um concurso infantil cujo prêmio era um contrato com a gravadora CBS, e ganhou.

"Na hora de assinar o contrato, meu pai ficou nervoso e decidiu proibir que eu cantasse porque ia atrapalhar os meus estudos". Wanderléa parou de se apresentar, mas como tinha ganhado o concurso, estava contratada pela gravadora. "E uma hora eles começaram a procurar uma cantora adolescente para formar uma dupla com o Roberto Carlos, que estava se destacando como cantor de rock, ritmo que estava chegando no Brasil. E lembraram de mim."

O pai nunca desistiu de lutar contra a determinação da filha de quebrar as regras da casa e da sociedade da época, mas alertou que a menina, baixinha e magrela, não iria aguentar o ritmo de uma carreira artística. "Mas a primeira música que eu gravei estourou no Brasil inteiro, ele não teve como lutar contra tudo aquilo que aconteceu na minha vida."

E como aconteceu coisa na vida de Wanderléa. Primeiro, a história com Roberto Carlos não é da grande paixão platônica na qual muita gente acredita até hoje. "Ele era um gatinho, rolou uma paquera, mas foi só isso. O Erasmo também era um gato, e vivia fazendo juras de amor, mas não tinha condição, não dava para levar eles a sério, eu via os dois fazendo touca no camarim, acabava com qualquer clima."

A Jovem Guarda não foi exatamente um movimento cultural, não tinha nenhuma grande filosofia por trás. Esse nome, aliás, foi criado por um time de publicitários contratados para dar um upgrade na programação da TV Record. E saiu de uma frase do revolucionário e teórico político russo Vladimir Lenin (1870-1924), que escreveu "o futuro pertence à jovem guarda, porque a velha está ultrapassada".

Era para ser apenas o título de um programa de TV, criado para veicular – e faturar em cima – de uma turma de gente muito jovem que estava fazendo sucesso cantando rock. O programa era apresentado por Wanderléa, Roberto e Erasmo, os precursores dessa onda, que teve nomes como Ronnie Von, Jerry Adriani, Vanusa, Waldirene, Jorge Ben Jor, Tim Maia, Golden Boys, Renato e seus Blue Caps, Os Incríveis.

"A gente nunca pensou em nada, só queria ser feliz. A TV Record nos cedeu aquele espaço e ficávamos lá nos divertindo, brincando de criar", diz Wanderléa. Os figurinos que a cantora usava eram criados por ela e por um de seus irmãos, Bill, e produzidos por um costureiro. As botas também eram feitas sob medida e eram desenhadas por eles, não existiam no mercado.

"Quando surgiu a Mary Quant [designer britânica que criou a minissaia nos anos 1960], com aquelas saias um pouco acima do joelho, eu achei legal e tal. Mas aí eu vi o filme 'Barbarella', com a Jane Fonda, em que ela usava roupas mil vezes mais curtas e pensei na hora: ‘É assim que eu quero’."

Wanderléa fez muito sucesso, ganhou muito dinheiro, viveu grandes amores, mas também teve grandes tristezas. Ela estava noiva do namorado da adolescência, Zé Renato, filho do apresentador de TV e produtor musical Chacrinha, quando ele sofreu um acidente de carro e ficou paraplégico. Por decisão dele, os dois acabaram rompendo o relacionamento.

Em 1984, Leonardo, seu primeiro filho com o músico uruguaio Lalo Correia (hoje Lalo Califórnia), caiu na piscina da casa em que viviam e morreu afogado, com dois anos de idade. Seu irmão mais próximo, Bill, que fazia seus figurinos, morreu em decorrência da Aids em 1994. No final do ano passado, um dos seus grandes parceiros de vida, Erasmo Carlos, morreu aos 81 anos.

"Para viver é preciso ter muita coragem", me diz Wanderléa quando pergunto como superou esses fatos tão trágicos. "Mas eu acredito que a nossa vocação, a vocação da raça humana, é a paz e o amor."

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