Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Rita Lee

Rita Lee deixou cinebiografia, cadernos e diários que filhos vão revelar ao público

Beto e João falam da luta da mãe contra o câncer, compartilham memórias de infância e revelam projetos que vão expandir o legado dela

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Rita Lee segue viva. Não só no coração de seus milhões de fãs, mas também através de inúmeros projetos que estão sendo tocados por seus três filhos. O mais novo deles, Antonio, prefere não falar com a imprensa. Mas a coluna conversou com os mais velhos, Beto e João, em momentos diferentes. Ambos falaram da dor que sentem pela morte da mãe, mas também contaram como pretendem expandir o legado dela. E ainda compartilharam lembranças de infância, além da experiência de serem filhos de uma das mulheres mais famosas do Brasil.

Rita Lee com o marido Roberto de Carvalho e os filhos (da esq. para a dir.): João, Antonio e Beto - @joaoleemusic no Instagram

A primeira conversa foi com o primogênito, Beto, 46, por videoconferência. Ele é o pai de Izabella, 17, a neta mais velha de Rita e Roberto de Carvalho (o outro neto, Arthur, 5, é filho de Antonio).

Beto também é o único dos três filhos que se tornou músico profissional, apesar de todos tocarem instrumentos. Faz parte dos Titãs há sete anos, e já gravou três discos com a banda. Também prepara o show "Rita Lee por Beto Lee", que estreia em 8 de julho no Rio, no Qualistage, com a participação de Fernanda Abreu. Luiza Sonza é a convidada especial da apresentação na capital paulista, que acontece em 29 de julho no Vibra São Paulo. No dia 12 de agosto é a vez de Curitiba, no Teatro Guaíra.

"Ela nunca vai morrer no meu coração", afirma Beto. "Estou feliz porque consegui homenageá-la em vida. Agora, essa homenagem ganha uma nova dimensão".

Quando ele se deu conta de que sua mãe era Rita Lee? "Teve um momento muito louco, que eu até contei no programa do Serginho (Altas Horas, que fez um especial em homenagem a Rita em abril). Um dia, eu vi minha mãe na televisão e no sofá de casa ao mesmo tempo. Quando você é criança, não entende como isso é possível", conta Beto, dando risada.

"Uma vez, a gente estava de férias nos Estados Unidos, e uma horda de brasileiros colou na minha mãe. Não ficamos com medo, mas levamos um susto. Era um lugar onde ela podia andar livremente, entrar numa loja, pedir um café ou um suco, mas foi reconhecida pelos fãs. Então eu fui entendendo aos poucos o que é que ela fazia".


"Ela sempre foi muito receptiva com todo mundo. Nunca, nunca vi minha mãe negar um autógrafo ou ser mal-educada com nenhum fã. Ela sempre tratou todos com muito respeito, e às vezes até falava ‘parem de gastar dinheiro comigo!’".

"Quando meus pais estavam separados, eu fui morar com ela. E foi justo numa fase bem punk da minha adolescência, mais ou menos dos 15 aos 18 anos. Durante esse tempo, eu pude observar como é a personalidade de um adicto. Consegui entender minha mãe, sem julgá-la. Foram anos muito turbulentos, mas no final a nossa relação se fortaleceu. Isso foi muito importante para a minha formação".

"Apesar de toda a loucura que envolvia a família, minha mãe sempre foi uma pessoa responsável. Sempre pagou contas em dia. Nunca atrasava a [mensalidade da] escola. Mas ela precisava, às vezes, de um gancho para sair um pouco da realidade. Coisa que muita gente faz, né? Minha mãe sempre levou uma vida íntegra. Nunca passou a perna em ninguém."

"Ela era muito justa com os três filhos. O que valia para um, valia para os outros dois. Isso, de certa forma, não abalava meu senso de segurança quando eu era pequeno. Apesar de eu entender que, quando ela ficava loucona, era uma outra pessoa. Mas minha mãe era uma pessoa amável, carinhosa, sempre pronta para te dar conselhos e um alento."

"A vida dela sempre foi um livro aberto. Era muito honesta consigo mesma, sempre disposta a enfrentar as coisas e a tentar entender o por quê de tudo. O autodeboche era uma arma secreta dela, uma carta na manga. Ela sempre teve o poder de se autoesculachar. E viveu a vida de umas cem mulheres. Essa é a real."


"Meus irmãos e eu jogávamos futebol na sala, e quebrávamos vaso, abajur, tudo, para o ‘deleite’ do meu pai. Eu não era nem o mais pestinha dos três, mas tive uns momentos esquisitos. Fui a famosa criança-problema, mas deu tudo certo. Eu tô aqui. Tô tranquilo. Sou um cara legal, pode confiar."


"Meu pai me ensinou muito pouco [a tocar instrumentos]. Eu agradeço, porque tive que descobrir muita coisa sozinho na guitarra. Foi ótimo para o meu conhecimento pessoal e para a minha aprimoração. Claro que meu pai estava ali para resolver os mistérios da guitarra para mim, mas ele não era o cara que sentava e dizia ‘vamos ter uma aula hoje’. Não, ele falava ‘ó, a guitarra está ali, o amplificador está ali, os vinis estão ali, se vira. Qualquer coisa, eu estou ali’. Isso abriu a minha cabeça, absurdamente".


Beto se emociona ao lembrar dos últimos dias de Rita. "Minha mãe lutou até o fim. Ela não jogou a toalha. Foi uma guerreira, e de maneira bem estóica. Fazia os exames, as rotinas, cumpria o que tinha que cumprir. Deixou uma lição de força incrível para todos nós."


E desabafa: "Mesmo com os avanços, essa doença continua sendo brutal. Eu acho muito louco. Minha avó morreu de câncer em 1986. Estamos em 2023, e ainda não encontraram a cura."

Uma semana depois, a coluna conversou com João Lee, o Juca, 44, também por videoconferência. "Eu estou passando por uma fase plenamente triste", conta ele. "Nos meus grupos no WhatsApp, os amigos mandam piadas e vídeos engraçados de bichos. Nunca pensei que eu fosse sentir isso na vida: dar risada ao mesmo tempo em que estou super triste. É muito maluco".


"Você imagina o que é poder passar o dia inteiro conversando com aquela mente?", continua, se referindo à mãe. "Um privilégio, porque ela tinha uma sensibilidade, uma esperteza, uma cultura muito grandes. Era a peça central da engrenagem da nossa família. Perdemos essa figura, e ter que lidar com isso é muito esquisito. Não tem como se preparar".

Rita Lee era a única mulher em meio a quatro homens, o marido e os três filhos. "Uma completa inversão, porque, quando ela era nova, eram seis mulheres e um homem na mesma casa", acrescenta João. A família em que a cantora cresceu era formada pelo pai, Charles, a mãe, Romilda, três filhas —ela e as irmãs Mary e Virginia— e as agregadas Balu e Caru.


"Como filho, eu nunca tive muita noção de como as pessoas se conectavam com a Disneylândia que é Rita Lee. Porque é música, é moda, é maquiagem, é atitude. Quando ela lançou a primeira autobiografia, eu cheguei à Livraria Cultura do Conjunto Nacional com cinco horas de antecedência. Estavam previstos 400 autógrafos, mas já havia uma fila com mais de 25 mil pessoas, se estendendo por vários quarteirões. Fui conversar com algumas delas. Uns 80% eram jovens que não tinham nem 25 anos".


"Já li uma sete ou oito vezes a primeira autobiografia, e quero ler muitas vezes mais, porque sempre me aprofundo mais. Um dia, eu estava assistindo TV com ela. Olhei para o lado e tomei um susto, porque veio tudo junto. Aquela pessoa cujo livro eu tinha acabado de ler estava ali, do meu lado".

Quem era o mais rígido com os filhos, Rita ou Roberto? "Meu pai, sem dúvida. Minha mãe tinha o coração muito mole, era uma pessoa que tinha dificuldade para falar não. Mas às vezes a gente fazia birra e ela encarnava uma menina mais birrenta ainda, a Gumgum, para nos dar um choque." Gumgum era uma das muitas personas, como define Roberto de Carvalho, que de vez em quando "baixavam" em Rita, para a diversão de quem estivesse por perto.


A doença de Rita pegou a família de surpresa. "No final de 2020, ela escorregou num tapete no quarto e bateu o cantinho de uma costela numa cadeira, dando uma trincadinha. A gente então aproveitou para fazer um check-up completo: radiografia, tomografia, tudo. Não havia nada no pulmão". Quando foi descoberto, em abril de 2021, o tumor no pulmão esquerdo tinha 20 centímetros de diâmetro. Assim que soube, João se mudou de volta para a casa dos pais, em Cotia, na Grande São Paulo, e morou lá pelos dois anos seguintes.


Não é simples definir João profissionalmente. Ele, que cursou faculdade de administração de empresas e até trabalhou em banco, se diz do ramo do entretenimento. É DJ de música eletrônica há muitos anos, e produziu sozinho os três volumes de "Rita Lee & Roberto – Classix Remix", álbuns que trazem os grandes sucessos de seus pais remixados por diversos DJs brasileiros.

"Eu sempre gostei do lado ‘business’ da música. Quando eu era pequeno, pedia para o meu pai me levar em reunião na gravadora. Também adorava entrar no estúdio, que parecia uma nave espacial, com aqueles botões todos."


"Já fiz tudo o que você pode imaginar: projeto de captação, contabilidade, fluxo de caixa, planilhas. Nesse projeto dos remixes, fiz desde os contratos até a prestação de contas. Entreguei tudo pronto para gravadora lançar".

"A gente tem um cronograma de produtos [a serem lançados] muito grande", revela ele. Um desses produtos é uma cinebiografia de Rita Lee, cujo roteiro ela mesma escreveu. "Tem uns 85% prontos. Agora é só fazer um ajuste fino. Ela ainda deixou muitos cadernos. Tem uns só de tuítes, tem diários. A capacidade produtiva dela era inacreditável. Ninguém a segurava, não havia nada que a fizesse parar. Nem a doença conseguiu".


Um projeto inacabado é um livro infantil sobre o câncer. "Ela via crianças fazendo quimioterapia, e doou muitos livros infantis para o hospital. Queria fazer uma leitura com elas, mas não deu: a gente ainda estava no meio da pandemia. Aí o oncologista dela, o doutor Óren Smaletez, contou que não havia um material que explicasse para essa criançada o que é câncer e como é a batalha que elas vão enfrentar. Ele deu a ela essa missão, que agora eu quero levar adiante."

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