Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Nunca levei garrafada de evangélico, mas já levei de bicha na Parada', diz Tiago Pavinatto

Recém-saído da Jovem Pan News, apresentador coleciona polêmicas, diz que a direita não é homofóbica e ataca tanto Lula como Bolsonaro

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O apresentador Tiago Pavinatto Divulgação

Na última terça-feira (22), Tiago Pavinatto se exaltou enquanto ancorava o programa Linha de Frente, da Jovem Pan News. O alvo de sua fúria era o desembargador Airton Vieira (TJ-SP), que inocentou um fazendeiro de 76 anos da acusação de ter estuprado uma menina de 13 anos.

Pavinatto xingou Vieira de "tarado", e acrescentou que pode dar problema "chamar de vagabundo um magistrado que chama uma menina de vagabunda". Meia hora depois, com o noticiário ainda no ar, o apresentador informou que estava recebendo mensagens da direção da emissora para se retratar junto ao desembargador, mas que não iria fazê-lo.

Naquela mesma noite, a Jovem Pan News soltou uma nota informando que tanto Pavinatto como o comentarista Rodolfo Muniz haviam sido desligados da emissora. Mais tarde, o apresentador postou no Twitter que não foi bem assim. "Não fui demitido", diz a publicação. "Disse, com paz de espírito, que preferia perder o contrato a perder a decência."

Contatado pela coluna na manhã de quarta (23), Pavinatto deu mais detalhes sobre sua saída. "Eu procurei o Marcelo Carvalho [diretor vice-presidente da rádio Jovem Pan] para agradecer e entregar em mãos meu crachá. Ele não teve a hombridade de me receber, e depois o veado sou eu."

Tiago Pavinatto agora se junta à longa lista de apresentadores que deixaram a Jovem Pan News desde o final de 2022, que inclui nomes como Augusto Nunes, Rodrigo Constantino, Ana Paula Henkel e Adrilles Jorge. Alguns se afastaram por iniciativa própria, outros foram demitidos por já estarem sendo processados por divulgarem notícias falsas.

Além do mais, a eleição de Lula (PT) forçou a Jovem Pan News a fazer mais mudanças internas e a tentar amenizar o tom de confronto. Nesta nova conjuntura política, o canal teme perder a concessão e ser obrigado a sair do ar.

Há cerca de um ano na emissora, Pavinatto era o atual campeão de audiência da Jovem Pan News. A entrevista abaixo foi feita antes de sua saída do canal. Talvez ele não fique muito tempo longe das câmeras: contou que já foi abordado por uma emissora de TV aberta, e que deve gravar lá o piloto de um programa mais voltado para o mundo jurídico do que o político.

Eu o conheci em 2008, e somos amigos até hoje. Marcamos um encontro num sábado à tarde, num restaurante na mesma quadra do prédio da Jovem Pan, na avenida Paulista. Ao longo da conversa de mais de duas horas —que Pavinatto abriu com uma longa preleção sobre São Paulo, o santo, não a cidade—, diversos clientes do local vieram cumprimentá-lo, dizendo que se sentem representados por ele.

O apresentador não esconde um lado místico, mas não sabe definir qual é sua religião. "Eu tenho uma profunda admiração positiva pelo politeísmo 'raiz', e uma profunda admiração, que talvez seja negativa, pela genialidade de Paulo de Tarso [o santo]. Mas só vou à missa quando estou na Itália."

"Percebi que eu era gay aos 11 anos de idade. Nunca transei com mulher. Saí do armário para a minha família aos 22, ainda na faculdade. Mas eu já era independente, pois ganhava muito bem como estagiário num escritório de advocacia. Não vou ouvir da minha família o que eu devo ou não fazer", relatou Pavinatto em nosso encontro.

"Uma vez, me perguntaram e eu respondi, e acharam ruim. Voltei a falar com meus pais quase um ano depois. Hoje a minha relação com eles é boa. Tenho um irmão mais novo e dois sobrinhos que eu adoro, mas nenhuma vontade de ter filho. Sou igual ao Brás Cubas de Machado de Assis: não deixarei a ninguém o gene da minha infelicidade.".

Pavinatto conta que se afastou de muitos amigos. "Quando você ultrapassa o patamar [financeiro] em que algumas pessoas estão, elas passam a falar mal de você. E aí, começa a circular todo tipo de coisa. ‘Ah, ele trafica droga. Ele é estelionatário’. Porra, advocacia dá muito dinheiro! E eu era um dos melhores advogados da minha época. Sempre fui um dos melhores alunos da classe. Fiz mestrado, fiz doutorado. Mas agora eu larguei a advocacia para fazer audiovisual."

A militância política tem sido uma constante em sua vida. "Eu me filiei ao PSDB em 2006 e ajudei a fundar o Diversidade Tucana, o primeiro diretório LGBT+ de todos os partidos do Brasil."

"O Renan Santos, que fundou o MBL, foi meu colega de faculdade. Em 2014, ele me contou que estava montando um grupo de direita, e que queria alguém para bater na militância gay de esquerda. Aí eu entrei para o MBL, mas saí depois do impeachment da Dilma Rousseff."

"Em 2019, senti uma vocação política em mim. Me reaproximei do MBL, me filiei ao Patriota e concorri a vereador nas eleições de 2020. Fui eleito suplente. Mas acho humilhante pedir voto. E ter que mentir, prometer coisas que um vereador não pode cumprir... Não sou mais amigo do Renan, mas acho o [deputado federal] Kim Kataguiri um sujeito sensacional. Hoje eu quero distância do MBL."

Segundo ele, há alguns anos o movimento pró-direitos igualitários não tinha rótulos. "Era uma coisa assim, ‘eu pago meus impostos, eu quero os meus direitos’. Mas lá por 2010 começou um processo de ‘jeanwillyzação’ do movimento. A ultra-rotulação da militância. ‘Ah, você é um gay branco, não sabe o que uma trans sofre. Mas uma trans branca não sabe o que uma trans preta sofre. Uma trans preta não sabe o que uma trans preta nordestina sofre’. E aí você passa a categorizar tudo em escaninhos, e joga fora toda a luta da militância de antes."

"Quando a pandemia começou, eu fiquei deprimido por meses. Não saía de casa, não comia, não tomava banho. Comecei a estudar, porque eu queria escrever um tratado sobre liberdade religiosa. Em seis meses, li mais de 300 livros. Aí lancei 'Estética da Estupidez'. E então a produtora Movieland me convidou para participar de uma série documental chamada 'Investigação Criminal', sobre crimes perversos."

"Um dia, a Jovem Pan News pediu um programa à produtora, para completar a grade do canal. E fomos eu e a Carla Albuquerque, sócia da Movieland, apresentar À Prova de Bala. Estreamos em junho de 2022, às 16h, um horário que dava traço. E a audiência começou a subir. Em julho, já fomos para as 20h."

"Em agosto, o canal me convidou a participar do Linha de Frente, como comentarista. Comecei a ir de vez em quando, e também ao Pânico. No final do ano passado, virei um dos âncoras do Linha de Frente. Em janeiro deste ano, com a saída do Augusto Nunes, também comecei a apresentar o Pingos nos Is." Ele contou que, então, ficava no ar de segunda a sexta, das 14 às 20 horas, e de vez em quando ainda dava plantão nos finais de semana.

Em dezembro passado, Pavinatto foi suspenso por duas semanas pelo canal, depois de fazer caretas durante a transmissão ao vivo da diplomação do presidente Lula (PT). Mastigou a ponta de uma caneta, rasgou uma folha de papel, levou dois dedos à boca. "Achei que eu não ia voltar mais", desabafa.

Em maio de 2023, protagonizou outra polêmica. Ao comentar a notícia de que Flávio Dino havia ordenado uma ação contra narcotraficantes na Amazônia, o apresentador insinuou que o ministro da Justiça teria vínculos com o crime organizado, por não determinar uma ação semelhante no Rio de Janeiro. E ainda cobrou de Dino explicações sobre as visitas do ministro ao Complexo da Maré, onde estariam instalados os líderes do narcotráfico carioca.

"Dino não responde aos emails da nossa redação. Não explica por que vai à Maré e, logo em seguida, faz reunião com o Aloizio Mercadante [presidente do BNDES] e o José Múcio [ministro da Defesa] para a retirada de narco-garimpeiros do Amazonas. Por que o mesmo projeto não é apresentado contra os traficantes cariocas? Eu não posso conjecturar que há algo errado aí?."

Dino visitou a Maré a convite de uma ONG, e disse que jamais deixará de ir a comunidades pobres, pois elas são também as destinatárias das políticas de segurança pública. Definiu como "esdrúxula" a tentativa de associar a visita a um encontro com criminosos.

Aponto que Pavinatto pode estar incorrendo no que os americanos chamam de "whataboutism": para criticar alguém que está fazendo algo positivo, destaca-se algo que esta pessoa deixou de fazer. Ele refuta a ideia, e reforça que nunca acusou Dino de nada —fez apenas uma conjectura.

O fato é que a tal conjectura proporcionou a ele mais um puxão de orelhas da cúpula da Jovem Pan, que anda preocupada em não melindrar o atual governo. O apresentador também se tornou alvo de um processo movido pela Advocacia-Geral da União (AGU). E, em meados de junho, foi chamado a Brasília para conversar com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que foi seu professor na faculdade de Direito do Largo de São Francisco. "Foi uma boa conversa", afirma Pavinatto, sem entrar em detalhes.

E o que ele acha dos Sleeping Giants, o perfil no Twitter que incentiva patrocinadores a desmonetizarem a Jovem Pan News? "São uns criminosos. O que eles fazem é extorsão. Porque você pode falar mal de um meio de comunicação, pode apontar falhas, mas não pode extorquir."

Levanto que os Sleeping Giants não estão exigindo dinheiro de ninguém, ao que Pavinatto retruca: "É uma extorsão bastante sui generis. Falam para o anunciante, ‘nós temos um mapeamento de quem consome a sua marca, e vamos acabar com ela se você puser dinheiro na Jovem Pan’. Isso não é boicote. É ameaça."

Pavinatto é declaradamente de direita e diz achar que o governo Lula é fascista. Nem por isto defende o ex-presidente Bolsonaro. "Eu o processei, porque ele disse que a vacina contra a Covid-19 poderia causar Aids. Não deu em nada. A PGR [Procuradoria-Geral da República] sumiu com este processo".

Também é crítico à tentativa de golpe de estado ocorrida em 8 de janeiro passado. "Quem é o imbecil que quer derrubar um governo indo para a Praça dos Três Poderes quando não tem um parlamentar lá, um ministro do STF, nem mesmo o presidente? Alguém me explica a imbecilidade dessa gente?."

"Agora, por que a investigação desses atos não é pública? Por que tiveram que esperar vazar o vídeo que mostra a inação do general Gonçalves Dias naquele domingo? Por que os presos em flagrante não tiveram direito à audiência de custódia dentro de 24 horas, como prevê a lei processual penal? Qualquer traficante ou estuprador que não tiver essa audiência tem que ser posto em liberdade."

Tiago Pavinatto já tem sete livros publicados. O mais recente, "Da Silva: a Grande Fake News da Esquerda", pretende desconstruir os mitos sobre o cangaceiro Lampião que teriam sido elaborados por historiadores esquerdistas, e já é um best-seller. Um oitavo livro, "Tratado de Proteção à Diversidade", voltado ao público acadêmico, deve ser lançado em setembro.

Mesmo sendo gay assumido e não muito discreto, Pavinatto conta que recebe poucas mensagens homofóbicas em suas redes sociais. "Nesses últimos meses, se foram 10, foram muitas. Em meio a mais de 100 mil mensagens... Algumas são muito lindas, do tipo ‘eu não aceitava o meu filho, mas depois de assistir você, voltei a ter uma boa relação com ele’."

"Ninguém é mais homofóbico do que a militância LGBTQIA+. Fui a um camarote na última Parada do Orgulho, aqui em São Paulo, e me jogaram uma garrafa de cerveja na cabeça. Eu nunca levei garrafada de evangélico, mas já levei de uma bicha na Parada."

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