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Descrição de chapéu Folhajus

Barroso, do STF, afasta condenação contra Furacão 2000 por música 'Tapinha'

Presidente da corte diz que respeito à liberdade artística no funk faz parte do combate ao racismo

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O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, reformou uma condenação por danos morais aplicada à produtora de funk Furacão 2000 por causa da música "Tapinha".

Interpretada pelo grupo Bonde do Tigrão, a faixa apresenta os versos "Um tapinha eu vou te dar porque / Dói um tapinha não dói / Um tapinha não dói / Um tapinha não dói / Só um tapinha".

A ação foi movida pelo Ministério Público Federal, que afirmava que a composição teria causado danos morais difusos por ofender a dignidade das mulheres. Em outubro de 2015, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) chegou a condenar o grupo a pagar R$ 500 mil por causa do teor da letra.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, fala à imprensa desde o Salão Branco do Supremo, em Brasília - Pedro Ladeira - 29.set.2023/Folhapress

"Em uma sociedade igualitária ideal, as letras poderiam ser interpretadas como o livre exercício de preferências pessoais, de pedir ou não ao companheiro um 'tapa na cara', ou de concordar que 'um tapinha não dói'", dizia o acórdão, agora reformado.

"Entretanto, em uma sociedade em que as relações entre os gêneros são assimétricas, a mensagem das canções é a de que a mulher é inferior e subjugada ao homem (e gosta disso), que esse é o lugar (relacionada ao gênero) que ocupa no âmbito coletivo (inferioridade)", seguia.

Ao reformar o acórdão, Barroso afirma que o TRF-4 divergiu da jurisprudência firmada no Supremo sobre a liberdade de expressão artística. Para o ministro, ainda que o funk possa ser considerado de mal gosto ou ofensivo, ele também pode ser lido como uma expressão em defesa do empoderamento feminino.

Em um caso como esse, em que pode haver dúvidas sobre a licitude de um conteúdo artístico, a decisão deve pender a favor da liberdade de expressão, sustenta Barroso.

"A produção artística não pode ser interpretada de forma isolada do contexto em que alcançou sucesso e projeção. O funk, gênero musical nascido nas favelas do Rio de Janeiro, é constantemente alvo de preconceito, repressão e censura. O mesmo ocorreu no passado com outras manifestações culturais que se originaram na comunidade negra, como o samba, a capoeira e o rap", afirma o presidente do STF.

"Ainda que se possa considerar que as letras são controversas e sexualizadas, não se pode negar que o respeito à liberdade artística no funk é parte do movimento de combate ao racismo e preservação da cultura do povo negro no país", acrescenta.

O magistrado ainda diz que "Tapinha" já foi interpretada por artistas como Caetano Veloso e Fernanda Abreu, e defende que uma música composta em 2001 não pode ser analisada a partir das discussões estabelecidas na sociedade atualmente.

"Na época em que 'Tapinha' foi lançada, a possível ofensividade da letra não causou grande comoção pública. Pelo contrário: a produção artística logo se tornou um sucesso, inclusive em âmbito internacional", diz.

"Se o julgamento não considerar o contexto temporal em que a obra foi produzida, terá com o resultado a imposição de responsabilidade civil com base em critérios que ainda não estavam plenamente definidos ao tempo em que a música foi composta. Essa postura jurisdicional inibiria artistas de tratarem de temas controversos em suas obras, causando efeito silenciador indesejável para toda a sociedade", conclui.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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