Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Estou indo para a guerra e vou batalhar para que o brasileiro volte ao cinema', diz Ingrid Guimarães

Atriz afirma depositar todas as suas fichas no sucesso do longa 'Minha Irmã e Eu', que estreia na próxima quinta (28), e critica tratamento dado a filmes brasileiros de comédia

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Ingrid Guimarães e Tatá Werneck não guardam qualquer relação de parentesco, mas por semanas a fio viveram como se assim o fosse. Juntas para gravar o longa "Minha Irmã e Eu", as atrizes dividiram o set de filmagens, quilômetros rodados nas estradas de Goiás, a cama de hotel e até mesmo as preces endereçadas a Deus, recitadas antes de dormir.

A atriz Ingrid Guimarães - Vinícius Mochizuki/Divulgação

"A Tatá não dorme sozinha, ela não gosta, então todos os dias ela tomava o banho dela e ia para a minha cama, lá em Goiânia. E eu ficava esperando ela vir. Numa hora, até dei uma chave e falei: ‘Entra na hora que você quiser’. Ela é tão pequena que nem atrapalha na hora de dormir. Só que ela é muito religiosa. Menina, as orações dela não acabam!", conta Ingrid, que é católica não praticante.

"Ela rezava, rezava, rezava, e eu: ‘Já tá bom, Tatá?’. Ela respondia: ‘Só mais uma’. Era baixinho, só que você não conseguia dormir. No final, estávamos eu e ela rezando", relembra a atriz, aos risos. "Ela tem essa coisa de ter um pouco de medo, de não dirigir na estrada… É bem irmã mais nova."

Dirigido por Susana Garcia, que assina aquele que ainda é o filme nacional com a maior bilheteria do país, "Minha Mãe É uma Peça 3", o longa com Ingrid e Tatá entra em cartaz na quinta (28). Ele traz a história de Mirian e Mirelly, duas irmãs nascidas no interior goiano que têm personalidades e trajetórias de vida distintas e precisam se reencontrar.

Se as diferenças entre as duas surgem como ponto de partida para a trama ficcional, elas também se fazem presentes no plano real. "Eu e Tatá somos comediantes opostas. Eu vim mais do teatro, a Tatá vem de uma escola da rapidez, da fala, do improviso, da internet. Eu sou um pouco mais cartesiana e sigo o texto, apesar de adorar improvisar. Mas ela não tem nenhum take que faça igual ao outro. Ela é mais caótica, no bom sentido", diz Ingrid.

A atriz, que está apostando todas as suas fichas no novo trabalho, não esconde a pretensão nem a confiança de que poderá atrair milhares —ou milhões, por que não?— às salas de cinema com "Minha Irmã e Eu". "Foi tudo minimamente pensado para ser um filme que pega o Brasil profundo", afirma Ingrid à coluna.

"A gente está seguindo toda a cartilha [de uma produção nacional de sucesso]. Esse filme é uma tentativa não só minha, mas de toda uma classe artística, de trazer o público de volta para as salas. A verdade é que voltou o teatro, voltaram os shows, e o público ainda não voltou grandemente a frequentar a sala de cinema para ver filme brasileiro."

"Estou indo para a guerra. O que eu puder fazer para o cinema voltar a ser um programa que o brasileiro gosta de fazer, eu vou fazer. Estou vendo isso como uma guerrilha", enfatiza, para que não haja dúvidas sobre o seu comprometimento.

"É um programa caro, eu tenho essa consciência. Tem o estacionamento, tem a pipoca, tem o jantar. Mas as pessoas se acostumaram muito a ver coisas no streaming. A gente tem que batalhar por esse ato, pelo hábito de rir em conjunto."

Para além da empreitada marcada pela tentativa de capturar o grande público, essa é a primeira vez em que Ingrid atuou não só em frente às câmeras, mas também na produção e na escrita do roteiro de uma mesma obra. "Eu surtei. Eu, com certeza, surtei", brinca, ao falar do acúmulo de tarefas.

"Foi um desafio porque acabei me envolvendo muito com os problemas de produção. A gente adiou muito o filme, marcamos duas vezes para começar e chegamos a fazer a pré-produção, mas tinha a pandemia [de Covid-19]. E é um road movie, você depende muito do tempo. O céu de Goiânia é lindo, mas caía muito rápido. Nós gravamos no interior de Goiás, em Pirenópolis, e era época de chuva. Não foi fácil."

"Mas é um filme muito popular e amoroso. Eu tenho certeza que sua mãe e sua tia vão amar. Minha mãe chorou horrores", diz, entusiasmada.

Moradora do Rio de Janeiro nascida e criada em Goiânia, ela conta que muitos elementos de sua história familiar e de seu passado no Centro-Oeste ajudaram a construir a narrativa. "Tem duas frases que eu coloquei no filme e que dizem muito sobre a minha história: ‘Não importa para onde você vai, importa de onde você vem’. E ‘quando você se perde na vida, olhe de onde você vem, que lá você vai encontrar o seu alicerce’."

Além do conforto encontrado em suas raízes e nos vínculos familiares, a atriz diz ver em suas amizades femininas e nas relações de irmandade geradas por elas outra importante base de sustentação. E afirma ser uma das tantas mulheres que se identificaram com a reflexão de que a amizade feminina pode ser o novo amor romântico, feita pela psicanalista e socióloga Ingrid Gerolimich à revista Tpm.

"Ter amigas é mais que um alento ou companhia na solidão. É estratégico para a nossa existência. São elas que nos salvam de relacionamentos abusivos, ajudam se ficamos doentes, acolhem nossa tristeza, acreditam em nós e em nossos sonhos quando já deixamos de acreditar e ainda fazem a melhor curadoria de memes para nos fazer rir", afirmou a psicanalista, em publicação que viralizou nas redes sociais neste mês.

"Para muita gente, a amizade não ocupa esse espaço. Na minha vida, ocupa", afirma Ingrid. Ela diz manter há 35 anos um vínculo muito próximo com um grupo de amigas, tido por ela como sua "tropa de choque" particular. "A gente se fala todo dia, desde reposição hormonal até sobre o filho que fez merda, uma aconselha a outra, compartilha vídeos, fala sobre pele, malhação."

Fui uma das primeiras a protagonizar os filmes de comédia, que eram vistos como filmes de ‘mulherzinha’. A minha categoria era muito minimizada até dentro do próprio cinema

Ingrid Guimarães

atriz

Em sua versão no WhatsApp, recentemente o grupo passou a existir sob a alcunha de "Gatas Maduras Gostosas", conta a atriz. "Uma das nossas amigas se apaixonou aos 49 anos e casou aos 50. Vieram todas [para o Rio de Janeiro], e a gente fez o final de semana na casa da minha irmã só com mulheres de 50 anos. Botei um post no Instagram falando disso, com uma foto nossa de biquíni. Foi a maior coisa, um monte de gente me escrevendo."

A atriz de 51 anos diz estar ciente da pressão social que recai sobre as mulheres conforme os anos vão se passando —e afirma querer usar, cada vez mais, seu alcance e sua visibilidade para desmistificar temas ligados ao envelhecimento.

"Tenho ouvido muitas mulheres falando para mim: ‘Você me inspira, você me inspira’. E aí eu comecei a falar de coisas que eu realmente estava vivendo. Falando, eu me entendo. Rindo de mim, melhora pra mim e melhora para os outros."

"Penso muito em fazer um projeto público sobre reposição hormonal. Tenho conversado com minhas médicas e estou pensando em como fazer isso", conta Ingrid.

"Você começa a sentir aquele calor, a ficar mal-humorada, a não se reconhecer. A mulher que tem mais estresse, muitas vezes entra na menopausa antes —eu entrei na menopausa antes do que minha irmã, que é mais velha do que eu e tem uma vida mais tranquila."

"Nessa fase, você vai ter que se cuidar mais, vai ter que comer melhor, fazer ginástica, cuidar mais da sua calma, dormir bem. Tudo isso atrapalha a menopausa. E aí eu fico pensando em uma mulher que trabalha dez horas por dia limpando, lavando, passando, e ainda tem que cuidar do filho, fazer jantar. Como é que é ela na menopausa? Quem é que cuida dessa mulher?"

Ao passo em que sente que os olhares de outras pessoas mudaram após sua chegada aos 50 anos, Ingrid diz fazer questão de se reafirmar como uma pessoa no auge de sua potência criativa, apta interpretar papéis de mulheres que sejam protagonistas de suas narrativas.

"Comecei a aproveitar que estou na Amazon [a plataforma de streaming] para falar: ‘Quero fazer personagens que sejam da minha idade’."

"Quantas vezes eu estive numa mesa e falaram assim: ‘Você já tem 50? Não, mas nem parece’. E o ‘nem parece’ soava como ‘fica tranquila que você não parece velha’. Aquilo começou a mexer comigo."

Por outro lado, conta, a nova idade trouxe um desprendimento que a atriz ainda não tinha vivenciado em suas décadas de vida anteriores. "O ‘foda-se’ é muito bom. Com a maturidade, você vai aprendendo a falar ‘dane-se’. Antigamente, você falava assim: ‘Cara, a pessoa acha que eu sou assim. Eu tenho que provar para ela que eu sou legal’. Quando você vai envelhecendo, você fala: ‘Cara, deixa ela achar’. Você já sabe muito bem quem você é. E o que você é, é muito forte, tem uma força imensa."

Neste ano, Ingrid viu seus mais de 35 anos de carreira no teatro, na televisão e no cinema serem coroados pelo troféu Cidade de Gramado, concedido pelo Festival de Cinema de Gramado. Em edições anteriores, a distinção foi entregue a nomes como Eva Wilma, Wagner Moura, Rodrigo Santoro, Tony Ramos, Antonio Pitanga e Denise Fraga.

"Suas obras, como a trilogia ‘De Pernas Pro Ar’ (2010-2019) e ‘Fala Sério, Mãe’ (2017), renderam-lhe a alcunha de atriz brasileira mais vista nos cinemas do século. Antes dela, apenas duas outras mulheres chegaram tão longe: Xuxa e Sônia Braga", destacou o festival.

"Pode parecer bobagem para algumas pessoas, mas para mim foi muito importante. Eu não vou dizer ‘ai, foi legal’. Não, foi muito importante. Eu fui uma das primeiras mulheres a protagonizar os filmes de comédia, que eram vistos como filmes de ‘mulherzinha’. A minha categoria era muito minimizada até dentro do próprio cinema."

"Meus filmes não ganharam muitos prêmios, e eu acho que tem filmes muito bons. Acho mesmo", diz ela, que em mais de 35 anos de carreira nunca tinha sido indicada a um prêmio em Gramado. "Acho que ‘Loucas pra Casar’ tem um roteiro incrível, acho que ‘De Pernas pro Ar 2’ é muito bom, o ‘De Pernas pro Ar 3’ é bem filmado pra caramba. É um filme que não perde em nada para um monte de longa dramático."

"As pessoas simplesmente não têm olhar [para produções nacionais de comédia]. E tem uma coisa brasileira de você não valorizar os seus, que é muito triste. Existiu, durante uma época, uma coisa de os filmes dramáticos meio que ficarem falando mal da gente."

Eu compreendo que tem muito mais salas para filmes de comédia do que para os filmes autorais, que também merecem o seu espaço. Só que a nossa briga não é contra a gente mesmo. A nossa briga é com o gringo", afirma, lembrando números estratosféricos de bilheterias como a do norte-americano "Barbie" no Brasil.

Para além do lançamento de "Minha Irmã e Eu", Ingrid fechará 2023 com o longa "O Primeiro Natal do Mundo", protagonizado por ela e por Lázaro Ramos e recém-chegado ao Amazon Prime Video. "Esse filme com o Lázaro é tão lindo. Ele não perde em nada para filme de Natal americano", diz.

O enredo conta a história de uma família que precisa recriar o Natal depois de a celebração desaparecer da Terra —algo como o que ocorre em "Yesterday", filme em que se imagina um mundo contemporâneo em que os Beatles nunca existiram.

"É dificílimo você explicar para um brasileiro por que a gente come aquelas comidas secas, por que o Papai Noel usa aquela roupa. O conceito natalino é muito americano, né? Até o pinheiro você não consegue entender o porquê, com aquela nevezinha de mentira", diz.

Para o próximo ano, a atriz, que agora volta às suas raízes como escritora de roteiros, prepara uma produção original Amazon inteiramente de sua autoria. As gravações devem começar ainda no primeiro semestre de 2024.

"Este ano de 2023 foi muito importante para o meu trabalho, mas, ao mesmo tempo, acho que trabalhei além do que eu gostaria, no sentido físico. Foi um ano em que eu lidei com a menopausa, lidei com as mudanças no meu corpo, lidei com os 50", diz a atriz.

"Ao mesmo tempo, me vejo num lugar de enorme gratidão e privilégio. Foi um ano em que eu voltei a escrever, que é uma coisa que eu fazia no início da carreira e para a qual não tinha mais tempo. Foi um ano em que fui muito dona da minha história."

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