Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nabil Bonduki
Descrição de chapéu

O melhor e o pior do Brasil são os brasileiros

Manifestações de egoísmo e intolerância são frequentes, mas elas não representam o todo

Generalizar comportamentos em um país com 209 milhões de habitantes, com tanta diversidade étnica, religiosa, ideológica e de orientação sexual e desigualdades socioeconômicas e regionais, gera uma visão distorcida sobre os brasileiros. 

Por isso, causou desconforto a coluna de Mariliz Pereira Jorge “O pior do Brasil é o brasileiro”. Manifestações de egoísmo e intolerância são frequentes, mas elas não representam o todo; o Brasil está repleto de bons exemplos da cidadania.

Quem, em um país em que a maioria é semianalfabeta, está no limite da pobreza e não tem carro, pode esnobar um turista, recusando-se a dar uma informação em inglês, conhecendo a língua, comprar as duas últimas bandejas de tomates a R$ 10 o quilo ou completar o tanque, já parcialmente cheio, em meio à crise de combustível?

As situações relatadas por Mariliz são reais, mas vêm de um segmento social privilegiado e mesquinho, que quer tirar vantagens de tudo e ver as “pessoas diferenciadas” longe de casa, como alguns paulistanos que lutaram contra uma estação de metrô no seu bairro. Mas o Brasil é muito mais que isso. 

Não se trata, de forma alguma, de enaltecer o já superado mito do “homem cordial”, conceito que Sérgio Buarque de Holanda e Ribeiro Couto desenvolveram nos anos 1930 e que serviu para escamotear o racismo e a opressão de classe no país. 

Mas são inúmeros os exemplos de solidariedade e tolerância, assim como as ações coletivas e de voluntariado, sobretudo entre os mais pobres, mas também na classe média, como coletivos que cuidam de praças ou de hortas urbanas. 

Na moradia popular, a ajuda mútua é imensa. Segundo o Censo, quase 4,5 milhões de famílias vivem em domicílios cedidos, como cômodos nos fundos dos lotes, lajes sobre as casas ou a cessão de parte da própria moradia. 

Nesta última situação, há 1,8 milhão de famílias, que só não estão na rua porque o proprietário abre mão do exíguo espaço que dispõe para dividi-lo com quem não tem alternativa.

A maioria das moradias populares resulta de um processo de ajuda mútua, sem o apoio do Estado ou do mercado. Familiares, amigos e conterrâneos se reúnem para autoconstruir as casas, ação coletiva que explica porque 73% dos domicílios do país são próprios, ainda que precários.

O egoísmo, a intolerância e o individualismo crescentes de alguns brasileiros precisam ser combatidos e contrapostos ao que há de melhor, que é a capacidade do povo de encontrar, mesmo na adversidade, soluções coletivas para seus problemas. 

Superar a baixa estima que tomou conta do país e aproveitar o que existe de melhor nos brasileiros é uma das saídas para reagir à crise que vivemos.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.