Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Coronavírus

Pandemia acelera enquanto Bolsonaro e Doria se enfrentam por vacina

É preciso debater medidas mais restritivas para reduzir a circulação do vírus

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A inacreditável disputa em torno da vacina do novo coronavírus, onde assuntos de saúde pública e de desenvolvimento científico, que deveriam ser tratados por profissionais, são debatidos na esfera política, como um espetáculo midiático e eleitoral, está obscurecendo a necessidade de enfrentar com urgência a pandemia, que vive um momento de forte recrudescimento.

A vacinação em massa da população, mesmo se bem planejada e executada (improvável no atual desgoverno, vide o plano apresentado por Bolsonaro ao STF), não gerará resultados práticos a curto prazo, período em que será necessário conter a explosão da crise sanitária e social.

O cronograma apresentado pelo governador Doria, que ainda depende dos resultados da fase 3 dos testes da Coronavac, prevê que a vacinação da população prioritária (idosos, indígenas, quilombolas e profissionais da saúde, totalizando 9 milhões de pessoas, ou 20% dos habitantes de São Paulo) apenas será concluída em 22 de março, ou seja, em cem dias. Pela atual média diária, iriam a óbitos, nesse prazo, nada menos que 65 mil brasileiros!

Já a imunização dos demais segmentos da população paulista deverá se estender até, no mínimo, o final de 2021. No restante do país, com maior dificuldade logística, os prazos serão mais alongados.

Embora não prioritários, os segmentos com até 60 anos representam 27% dos mortos por Covid 19, somando até o momento 49 mil das 181,4 mil pessoas que perderam a vida, segundo os dados subestimados dos governos. Informações do último mês revelaram que o percentual dos óbitos entre os mais jovens vem crescendo.

Ademais, o negacionismo, estimulado pelo presidente, afeta parte considerável da população e prejudicará o processo de vacinação. Segundo o Datafolha, apenas 73% da população quer se vacinar e somente 47% aceita tomar o Coronavac, fármaco produzido na China e testado e fabricado em parceria com o Instituto Butantã.

Em outras circunstancias políticas, frente à importância de se imunizar a população, seria o caso de se discutir a obrigatoriedade da vacinação. No contexto político brasileiro, frente ao conflito que a proposta geraria, essa hipótese está descartada, o que deverá reduzir a eficiência do imunizante.

Ou seja, mesmo em um improvável cenário otimista, levaremos no mínimo um ano para voltar àquilo que se considera “normalidade”. No entanto, a publicização e debate em torno da perspectiva de vacinação tem levado a população a minimizar a gravidade do momento.

A flexibilização precoce da quarentena e das medidas de isolamento, defendida por Bolsonaro e adotadas pelos governos subnacionais, antes do arrefecimento efetivo da pandemia, está mostrando suas consequências.

Os dados atestam uma forte aceleração no país, com um aumento na circulação do vírus e enorme impacto sobre os serviços de saúde. Em várias cidades, como no Rio de Janeiro, os hospitais estão próximos do colapso, com filas de espera para internação.

A média móvel de mortes diária dos últimos sete dias foi de 643, com um aumento de 23% em relação à média de 14 dias atrás. Já a média móvel diária de casos foi de 43.414 novos diagnósticos, com uma variação de +25% em relação a registrada há duas semanas. O número está próximo do recorde brasileiro (46.393 casos por dia), registrado em 27 de julho, no auge da pandemia.

De acordo com o consórcio de veículos de imprensa, a partir de dados das secretarias estaduais de saúde, esse quadro de crescimento está disseminado pelo país, com aceleração em 18 unidades da federação, de norte a sul. O crescimento atinge 150% no Rio Grande do Norte, 93% na Paraíba, 90% no Mato Grosso do Sul e 46% no Rio Grande do Sul.

A omissão dos governos durante o período eleitoral, quando já se observava um aumento considerável dos casos, adiou a adoção de medidas de restrição à circulação. A mobilidade das pessoas está próxima à verificada antes da quarentena.

Por outro lado, a ideia de que a vacinação está próxima, aliada à exaustão do isolamento e necessidade de sobrevivência, afeta o comportamento social, gerando uma falsa sensação de alivio.

Isso pode ser observado nas ruas de São Paulo, onde é comum grupos de pessoas estarem sem máscaras conversando e bebendo, ou em áreas comerciais, como na 25 de Março e Brás, onde milhares de pessoas tem se aglomerado sem nenhum distanciamento social.

Apenas após o 2º turno das eleições os governos tomaram algumas medidas de contenção, que, além de estarem atrasadas, são insuficientes. É previsível que a situação continue se agravando até o Natal.

Frente ao recrudescimento da pandemia, é necessário debater a aplicação de medidas mais restritivas para reduzir drasticamente a circulação do vírus. Isso certamente terá implicações econômicas e sociais, tanto aos trabalhadores como para o comercio e pequenas empresas.

Os governos precisam propor e debater novas medidas de proteção social. A interrupção do auxílio emergencial terá forte impacto. Setores econômicos, como o de bares, restaurantes e a área cultural, não sobreviverão a novas medidas restritivas sem um apoio governamental mais efetivo.

O Congresso, que na primeira onda conseguiu criar consenso em relação à pandemia, está envolvido e dividido na eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Pouco se pode esperar do governo federal, em aberto conflito com estados.

Frente a gravidade da situação, inexiste um ambiente político para um amplo debate público capaz de construir propostas para enfrentar essa nova onda do Covid 19. Em um mês, chegaremos a 200 mil mortos. Sem um entendimento político e medidas eficazes, ainda em 2021, atingiremos os 300 mil.

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