Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Coronavírus

Já temos vacina para combater o coronavírus! O que falta para enfrentar o bolsonavírus?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Com a 2ª onda da pandemia ceifando mil brasileiros por dia e as imagens devastadoras de Manaus, a paciência se esgotou. A irritação e o esgotamento dos brasileiros com Bolsonaro e seu governo inepto chegou ao ápice.

As panelas voltaram. Da janela ouço os gritos: “Fora Bolsonaro”, ao mesmo tempo em que o uso emergencial de duas vacinas acaba de ser aprovado sem que o governo federal demonstre capacidade de coordenar uma eficaz campanha nacional de vacinação.

Criou-se um ambiente favorável à abertura de um processo de impeachment mas parece ser insuficiente para concretizá-lo.

Enquanto as perspectivas na esfera sanitária são positivas, mais pela competência do Butantã e da Fiocruz e da capacidade do SUS nos estados do que pela ação do Ministério da Saúde, no campo político não parece ter uma luz no fim do túnel, apesar de já ter ficado claro que o atual governo não tem condições de tirar o país do pântano em que se encontra.

Os crimes de responsabilidade de Bolsonaro, requisito para a abertura do processo de impeachment, são múltiplos e estão documentados. O presidente não cumpriu sua obrigação constitucional de zelar pela saúde pública. O Brasil, com 2,5% da população do planeta, tem cerca de 10% dos quase 2,1 milhões de óbitos por Covid 19.

Negacionista, ele desprezou as recomendações sanitárias, como o distanciamento e o uso de máscaras. Em meio à pandemia, promoveu aglomerações, algumas para desestabilizar as instituições, um crime contra a democracia.

Desconsiderou as vidas perdidas, zombou dos infectados e recomendou tratamentos sem comprovação que geram efeitos colaterais prejudiciais à saúde.

Desmontou o Ministério da Saúde, um dos mais estruturados da Esplanada, e nomeou um ministro sem requisitos para o cargo. Desinformou, difundiu mentiras e não promoveu nenhuma campanha educativa de prevenção à transmissão do vírus.

Estimulou a desobediência civil contra a quarentena. Ignorou que uma segunda onda estava chegando, acompanhado, nesse aspecto, por governadores e prefeitos. Para muitos, é um genocida que merecia uma espécie de Tribunal de Nuremberg.

O sufoco dos manauenses sem oxigênio e o fiasco da operação de trazer vacina da Índia são apenas a ponta do iceberg da ruína da estrutura federal da saúde, que deixou de exercer seu papel de planejamento e coordenação do SUS. Desestruturação que afeta todo o Estado brasileiro, como a fiscalização ambiental, que contribuiu para as maiores queimadas do Pantanal e da Amazônia nesse século. Outra ação criminosa do governo!

O espaço é curto para a lista interminável de crimes de responsabilidade, delitos administrativos e desrespeitos à Constituição praticados por Bolsonaro em dois anos de governo. Não é por falta de motivos que o presidente do Congresso ainda não pautou o impeachment. Então tá, como diria o presidente, porque isso não anda?

Não basta existirem fundamentações legais, a indignação e desejo da maioria da população. Um impeachment é uma construção política complexa, que além da viabilidade, requer a definição da sucessão e uma coesão em torno de um projeto de futuro, ainda que mínimo. E é ai que reside o problema do Brasil de hoje.

Os setores que rejeitam o bolsonarismo dificilmente conseguiriam se entender para construir uma saída para o pandemônio que estamos vivendo. E os que o apoiam mantém força suficiente para sustentá-lo, como escreveu Bruno Boghossian em sua coluna.

Um impeachment mal sucedido fortaleceria o presidente e ativar as forças de segurança que o apoiam, com consequências imprevisíveis.

Lançado pela oposição de esquerda, que detém cerca de 25% da Câmara, o impeachment apenas poderia avançar e obter a difícil adesão de 2/3 do Congresso Nacional se viesse a ter um desenho claro do “day after”. Quem vai assumir o governo, com que programa e que espaço será reservado para cada uma das forças políticas que apoiarem o processo. No Brasil de 2021, ao contrário de 1992 e 2016 (impeachment de Collor e Dilma), essa equação está longe de estar resolvida.

Salvo no caso de uma muito improvável insurreição popular, um impeachment requer uma verdadeira conspiração entre a maioria do Congresso e o futuro detentor do poder. O sucessor direto de Bolsonaro é o general Mourão, muito diferente de Itamar e de Temer, vices que eram velhas raposas com longa trajetória partidária e parlamentar.

Mourão é um personagem estranho à política e uma verdadeira incógnita. Não é confiável a nenhuma das forças que se opõe a Bolsonaro, apesar de ter ensaiado aqui e acolá gestos de civilidade, declarações sensatas e alguma independência em relação ao chefe. A cassação da chapa pelo TSE, que levaria a eleição do novo presidente para o Congresso, ainda está fora das cogitações.

Por outro lado, é difícil imaginar alguma coesão programática dentre a oposição de centro esquerda e os setores liberais que eventualmente poderiam se opor a Bolsonaro, como Rodrigo Maia.

Algo como a “ponte para o futuro” de Temer, que foi um pacto pela implementação das chamadas reformas neoliberais, em torno do qual a oposição de então e boa parte da base do governo Dilma se uniu para destituí-la.

Embora Bolsonaro não estivesse nos planos desses setores neoliberais que lideraram a “ponte para o futuro”, eles apoiaram sua eleição e o governo adotou esse programa, que vem sendo implementado de forma precária e lenta, mas continuamente. Haveria alguma perspectiva de convergência entre esses setores liberais, insatisfeitos com o bolsonarismo e a centro-esquerda que se opõe ao desmonte do estado?

Parece difícil, embora a pandemia tenha enfraquecido a concepção de estado mínimo até mesmo entre muitos neoliberais. Isso se revelou no crescente apoio ao SUS e à renda básica de cidadania, na valorização da ciência apoiada por agencias públicas de fomento e no fortalecimento dos institutos de pesquisa estatais como a Fiocruz e o Butantã, que inclusive estava ameaçado de privatização.

A conjuntura muda com rapidez. A percepção de que esse governo não tem uma estratégia nem condições de tirar o país da crise vem crescendo. Com Biden, a pressão internacional vai aumentar. E o fim do auxílio emergencial, com a crescente miséria, pode levar o país a uma onda de saques e revoltas populares, como ocorreu no Chile.

O quadro não é ainda favorável ao impeachment, mas quem sabe se descobre uma vacina contra o bolsonavirus. Às vezes, a invenção na política é mais difícil do que na ciência.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.