Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Contra as barbaridades e mentiras de Bolsonaro, é urgente uma frente democrática

Minimizar a pandemia e vitimismo são características de líderes populistas

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Existem países que foram até o fundo do poço devido à incapacidade das forças políticas lúcidas evitarem que populistas malucos cheguem e permaneçam no poder, muitas vezes com apoio popular e de parte de suas elites, cometendo todo tipo de barbaridade.

O caso mais conhecido e exemplar foi a Alemanha nazista de Hitler, completamente destruída, com milhões de mortos, genocídios de minorias e grande sofrimento do povo. O mesmo aconteceu em circunstâncias diferentes no Camboja do Khmer Vermelho, entre outros governos autoritários que oprimiram o povo e destroçaram suas nações.

Muitos podem achar que esses casos estão distantes da realidade brasileira. Será? Quem acompanha o que está acontecendo no Brasil e ouviu o discurso do presidente Bolsonaro na ONU, na última terça-feira (22), não pode se negligenciar frente ao risco que estamos vivendo.

Estamos sendo governados por um presidente farsante, incompetente e alucinado, que explicitamente disse que seu objetivo é “destruir”; que a ditadura militar “devia ter matado 30 mil pessoas”; que quer armar a população; que tem base de apoio e relações próximas com milícias e forças de segurança; que flerta com regimes autoritários. E que não tem o melhor constrangimento em usar a mentira como instrumento para enganar a população e angariar apoio.

Não são apenas as fake news, difundidas por robôs ou apoiadores anônimos. É o próprio presidente mentindo descaradamente no plenário da ONU, frente a chefes de Estado e representantes de todos os países e aos olhos de todo o planeta. Sem nenhuma vergonha.

Como dizia Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Goebbels teve papel decisivo na adesão da sociedade alemã ao projeto nazista. Antissemita raivoso, ele foi o responsável por difundir a ideia de que o povo judeu era o inimigo a ser aniquilado.

A maioria dos alemães acreditou ou tinha medo de divergir. Agora, nos tempos das redes sociais, dos algoritmos do Facebook e das bolhas do Whatsapp, isso é muito mais fácil, como mostra o filme "O Dilema das Redes".

Apesar de ainda termos uma imprensa relativamente livre e crítica (até quando?), a estratégia bolsonarista está dando certo, tanto que o presidente está sendo apoiado por uma parcela considerável da população brasileira, malgrado a destruição que tem sido cometida em todas as áreas da gestão federal.

Pesquisa do Ibope mostrou que 40% dos brasileiros consideram o governo ótimo e bom e 29% consideram regular. Pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022 mostram que, nas condições atuais, o presidente se reelegeria. Essa avaliação, assim como o discurso na ONU, não guarda relação com a realidade do país.

O governo não tem nenhuma estratégia para sair da crise econômica e social que vive, agravada por uma pandemia, cujo enfrentamento foi negligenciado pelo presidente, que estimulou a desobediência ao isolamento social e demais recomendações da OMS. O novo coronavírus continua forte, apesar de um injustificado otimismo, matando quase 5 mil pessoas por semana e apontando para 200 mil mortes até o final do ano. Em Manaus, anuncia-se uma segunda onda.

Nem saúde, nem economia. Estima-se uma queda de 6% do PIB em 2020. O desemprego é o maior da história. Os investimento estrangeiros no país caíram 41% entre janeiro e agosto de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. O Brasil vai se tornando um pária na comunidade internacional por abandonar as políticas de proteção ambiental e de direitos humanos, o que afeta novos investimentos.

O negacionismo governamental não consegue esconder que as queimadas e o desmatamento cresceram 34% entre agosto de 2019 e julho de 2020, em relação ao ano anterior, e que um quarto do Pantanal foi destruído pelo fogo neste ano. Queimadas que tiveram origem em grandes fazendas que querem ampliar as pastagens, contando com o apoio velado do governo e o desmonte da fiscalização ambiental.

O Brasil caminha, a médio prazo, para a desertificação, o que afetará a própria agricultura. O desmatamento afeta o clima de todo o país, aumentando as secas e o risco de mais queimadas. As temperaturas e secura em São Paulo serão, nesta semana, as mais altas do ano, embora a primavera mal tenha começado.

Enquanto isso, o ministro Ricardo Salles, como revelou Ana Carolina Amaral neste domingo, vai passar três boiadas ambientais no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), revogando a necessidade de licenciamento ambiental para projetos de irrigação, liberando áreas de preservação de restinga e dos manguezais, respectivamente, para construção de hotéis à beira-mar e para a carcinicultura e facilitando a queima de poluentes em fornos de produção de cimento.

O que falar do ministério da Educação e da Secretaria da Cultura, vitais para a guerra cultural que os setores mais ideológicos do bolsonarismo querem promover, onde a cada seis meses os ministros são trocados, após algum ato desastrado e meses de retrocessos nas políticas?

A fragilização das políticas públicas, em muitos casos, atendem a interesses de setores representados no Congresso, onde o apoio ao presidente vai se consolidando, com a adesão do Centrão.

No STF, as investigações sobre o presidente e seus filhos se arrastam sem resultado, enquanto a aposentadoria do ministro Celso de Mello, ainda este ano, e do ministro Marco Aurélio, em 2021, apontam para um perfil mais conservador e aliado ao bolsonarismo.

Alguns acreditam que o fim do auxílio emergencial, o desemprego e a crise econômica afetará a popularidade do governo. É sempre ruim apostar no quanto pior, melhor. Não é o que se quer para o país.

Ademais, o governo, com a caneta na mão e a mentira na boca, tem instrumentos para reagir, ainda mais se as forças políticas que se opõe a esse projeto retrógrado continuarem desunidas e sem uma estratégia comum.

As dificuldades para se construir uma frente democrática e progressista, ampla, em torno de um projeto para tirar o país desse pântano, são evidentes. Disputas partidárias, personalismos, mágoas de confrontos antigos, divergências programáticas e ideológicas dominam a política brasileira, aguçadas desde o impeachment de Dilma, a condenação de Lula e as eleições de 2018.

O que está em jogo é o futuro do país, o que requer grandeza, muito diálogo e alguns estadistas. Isso está em falta. Se prevalecer a lógica da política miúda e dos personalismos, o país caminhará a passos largos para um desastre.


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Interrompo hoje a coluna por um breve período para me dedicar à campanha eleitoral. Vou concorrer a vereador em São Paulo, como representante do Coletivo + Direito a Cidade, que reúne sete ativistas, com experiência, diversidade e renovação. Frente à situação do país, não podemos nos abster de participar dos grandes desafios democráticos, na perspectiva de construir diálogos e fortalecer políticas públicas voltadas à inclusão social e urbana.

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