Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Coronavírus

Doria precisa enfrentar os bolsonaristas e, baseado na ciência, adotar um rígido lockdown

Goverador de SP tem enorme responsabilidade e não pode titubear, apesar das ameaças que sofre

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Em um país onde Bolsonaro é presidente, quem tem um olho é rei, como diz a expressão popular. Mas, frente gravidade da segunda onda da pandemia e a agressividade da P1, a variante brasileira, precisamos de líderes que tenham dois olhos. É isso que se espera, nesse momento de extrema gravidade, dos governadores, especialmente de João Doria (PSDB), que administra o maior estado do país.

Pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisa de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP e Conectas Direitos Humanos, coordenada pela professora Deisy Vetura, que analisou 3.049 normas relativas à Covid emitidas pelo governo federal, revelou a “existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro”.

Certas atitudes de Bolsonaro, que muitos apontam como incompetência, são interpretadas pelo estudo como deliberadas. De um presidente que já disse que a ditadura deveria ter assassinado 30 mil brasileiros, tudo pode se esperar.

Falta de planejamento e de interesse na compra das vacinas, manifestações contrárias ao isolamento, negação da gravidade da doença, desprezo pelos mortos e promoção de aglomerações, mesmo depois de 265 mil óbitos, são evidências de que o presidente promove um genocídio.

Esses crimes de responsabilidade deveriam gerar um processo de impeachment, não fossem as dificuldades políticas de remover o presidente, que tratei na coluna de 17 de janeiro.

Nessa conjuntura, a esperança é os governadores assumirem medidas corajosas, unificadas e articuladas, com o apoio dos setores lúcidos da sociedade, para enfrentar a agressividade da P1, mesmo que isso possa desgastá-los com alguns segmentos retrógrados, afetar alguns setores da economia ou que possam desgostar o presidente.

As duas cartas assinadas por vários governadores, criticando a gestão federal da pandemia e buscando uma articulação para adquirir vacinas e adotar de critérios unificados para o isolamento é um avanço, mas precisamos mais. Se o governo federal não age, os governadores precisam tomar a dianteira.

A P1, a variante de Manaus, que tem sido chamada no exterior de “brasileira”, é, segundo estudo da Fiocruz, divulgado por Atila Iamarino, uma cepa perigosíssima que, em comparação com o vírus original, é mais letal, de 1,4 a 2 vezes mais transmissível, tem uma carga viral dez vezes maior, afeta mais fortemente os jovens e requer maior tempo de internação.

Ademais, a P1 pode contaminar novamente entre 25% e 61% dos que já foram infectados pela Covid 19 e que já estariam protegidos. Isso significa nem os 9,7 milhões já infectados e recuperados estão imunes à nova variante.

Por negligência do governo federal, que deveria ter isolado fisicamente a Amazonas, como sugeri na coluna de 1 de fevereiro a P1 se disseminou pelo país, o que explica a explosão da pandemia em quase todos os estados ao mesmo tempo.

É urgente interromper drasticamente a circulação do P1. Se o acréscimo de óbitos verificado em Manaus na pandemia, 425 por 100 mil habitantes (mais da metade em 2021, decorrente da P1) for projetado para o Brasil, poderíamos alcançar a marca de 900 mil óbitos em alguns meses!

A situação é de extrema gravidade. A média da última semana foi de 66 mil casos e 1.495 óbitos, respectivamente 42% e 39% superiores à média semanal máxima da primeira onda, alcançada no final do mês de julho. O sistema de saúde está colapsado em vários estados, com longas filas esperas para internação, afetando também os acometidos por outras enfermidades.

Em São Paulo, onde a situação ainda não é tão desesperadora como em outros estados, o número de novas internações na última semana subiu 18,3%. Hospitais de ponta privados, como o Einstein e o Sírio, não têm mais leitos disponíveis. Ao que tudo indica, o colapso é uma questão de tempo.

Cientistas ouvidos pelo New York Times e The Guardian alertam que o avanço da doença no Brasil se tornou uma ameaça global. Para o neurocirurgião Miguel Nicolelis, “se o vírus se transmitir nos níveis em que está se proliferando no Brasil, se abre a porta para a ocorrência de novas mutações e o aparecimento de variantes ainda mais letais”. Para o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, “o Brasil deve adotar medidas de saúde pública agressivas, enquanto, ao mesmo tempo, distribui vacinas”.

Apesar desses alertas, a população brasileira não se deu conta da gravidade da situação, por falta de informação, negacionismo federal, falta de estratégia de governos do Estado e prefeituras, necessidade econômica, cansaço e hábitos culturais. Estamos em um momento trágico e as pessoas continuam organizando festas clandestinas, aglomerações, comemorações esportivas e encontros familiares.

Nesse contexto, o governador Doria tem enorme responsabilidade e não pode titubear, apesar das ameaças que sofre dos bolsonaristas, assim como outros governadores e prefeitos quando tomam medidas sanitárias corretas, baseadas na ciência. Ele deve ter a coragem do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, que decretou um lockdown radical quando verificou os estragos feitos pela P1. Não pode se intimidar por manifestações irresponsáveis como a desse domingo em frente à sua casa, onde as pessoas se aglomeraram sem máscaras.

Doria foi importante na defesa da vacina, frente ao negacionismo do presidente, assim como adotou medidas corretas de isolamento social no início da pandemia, em março de 2020, quando determinou o fechamento do comercio não essencial, escolas, igrejas e outros serviços em São Paulo. Mas nem sempre o governador parece apoiar e acreditar na ciência, quando outros interesses políticos estão em jogo.

Em plena pandemia, enquanto saudava o Instituto Butantã, que lhe permitiu participar do ato da aplicação da primeira vacina no Brasil, propôs cortar 30% do orçamento da Fapesp, órgão de fomento à pesquisa do Estado, que inclusive apoiou os testes da Coronavac. E ainda tentou, no famigerado PL 529, confiscar os fundos de reserva das universidades públicas e da FAPESP.

Agora, em um momento da maior gravidade, contrariou as recomendações do Comitê Cientifico e, de maneira injustificável, retirou as igrejas e as escolas, dois verdadeiros “covidários”, das restrições da Fase Vermelha, adotada tardiamente. Enquanto, em março de 2020, apelou aos dirigentes de igrejas para que compreendesse a gravidade e “fizessem seus cultos e encontros virtualmente", agora liberou os cultos presenciais para agradar o eleitorado evangélico.

A adoção de um lockdown nacional de 21 dias, como recomendou Nicolelis e vários outros cientistas, parece ser uma necessidade inescapável, se quisermos evitar uma tragédia ainda maior. Uma medida extrema é necessária para que a população possa tomar consciência do risco que estamos sofrendo.

Essa medida não virá do governo federal. Cabe aos governadores agirem de forma unificada. Mas para isso, eles precisam fazer a lição de casa. Doria, em primeiro lugar, precisa atender as recomendações da ciência e proibir cultos presenciais e fechar as escolas, caminhando em direção ao um necessário lockdown.

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