Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Se ainda existe amor em São Paulo, por que só a Paulista Aberta está fechada?

Comércio e serviços estão funcionando, inclusive academias, cinemas, bares e restaurantes

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Quem circula por São Paulo tem a sensação de que a cidade não está mais mergulhada em uma terrível pandemia, apesar dos óbitos por Covid-19 estarem em níveis elevados e das vacinas, dia sim, dia não, estarem em falta nos postos de saúde.

As ruas estão cheias de gente. Todos os setores do comércio e serviços estão funcionando, inclusive academias, cinemas, bares e restaurantes. E a Paulista Aberta?

Embora, a gestão Bruno Covas tenha retardado ao máximo em 2020 a reabertura dos parques que, injustificavelmente, só foram abertos ao público meses depois dos shoppings, agora eles também estão recebendo as pessoas.

Como mostrei na coluna de 22/6/2020 (Bruno Covas: por que os shoppings estão abertos e os parques fechados?), citando pesquisas realizadas em várias partes do mundo, o risco de contaminação por Covid-19 em espaços abertos e ventilados, como parques, praças e ruas, se não houver aglomeração e se as pessoas usarem máscaras, é ínfimo e muito menor do que em ambientes fechados.

O Minhocão, nos sábados e domingos ensolarados, se transformou em uma verdadeira praia paulistana e está todo mundo feliz por lá, cheio de gente e sem nenhuma aglomeração.

Espaço híbrido, via expressa nos dias úteis e área de lazer nos finais de semana, o elevado passou por tamanha metamorfose que nos dá uma tênue esperança de que São Paulo tem jeito. Durante a pandemia, a prefeitura promoveu melhorias, como a instalação de bancos, mobiliário urbano e escadas que, apesar do seu discutível design, deram algum conforto aos usuários.

Como fazem os cariocas na orla da praia, milhares de paulistanos andam, correr, pedalam, patinam, tomam sol, namoram e se exercitam ao ar livre no outrora elevado viário que ao invés do horizonte marinho da cidade maravilhosa tem a paisagem colorida dos grafites da pauliceia desvairada.

Ali, por alguns momentos, temos a sensação de que ainda “existe amor em São Paulo”, frase que capitaneou, na década passada, a forte mobilização em defesa da mobilidade ativa e da utilização do espaço público pelas pessoas e que gerou também a ideia da Paulista Aberta.

Sensação, é bem verdade, que logo se esvai ao observar a miséria no entorno. É só descer do parque efêmero do Minhocão para presenciar, nos seus baixios, a face cruel da cidade onde a população em situação de rua, multiplicada pela pandemia e descaso do poder publico, se esconde do frio, da chuva e da insensibilidade humana. Ali ecoa a canção do Criolo:

Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever

Que uma gestão tucana não sabe bem cuidar dos pobres é quase um consenso. Já a decisão de manter a Paulista fechada para as pessoas, mesmo após shoppings, lojas, salões de beleza, academias, museus, cinemas e parques terem sido reabertos, não tem lógica, fora, talvez, um desejo oculto de manter o espaço viário exclusivamente para os automóveis. Estaria a gestão usando a pandemia para apagar uma marca importante de um outro modo de ocupar a cidade?

A Paulista Aberta se tornou um espaço de lazer, recreação, esporte, sociabilidade e cultura dos paulistanos de todas as classes sociais, raças e regiões da cidade, inclusive da classe média alta que vive no seu entorno. Assim como o Minhocão se tornou a praia dos paulistanos, a Paulista Aberta tinha virado a verdadeira ágora de São Paulo.

Seu fechamento, em 2015, aos veículos motorizados foi uma conquista dos setores da sociedade, como os coletivos de pedestres, que lutam por uma cidade aberta, humana e solidária.

A Paulista Aberta foi simbólica da opção da gestão Haddad por uma cidade para pessoas, conceito desenvolvido pelo arquiteto dinamarquês Jan Gehl, que gerou medidas como restringir e racionalizar o uso do automóvel, reduzir a velocidade da mobilidade motorizada, implantar uma rede cicloviária, qualificar os espaços públicos e articulá-los com a cultura.

O sucesso da iniciativa, implantada pela primeira vez na festa cultural de inauguração da ciclovia da Paulista, criou as condições para a criação do Programa Ruas Abertas, proposto pela Lei 16.607/2016, de minha autoria, que estendeu a proposta para as 31 subprefeituras.

Sem ter o privilégio de uma segunda moradia na praia ou no campo, de viver em uma casa com quintal ou de habitar um apartamento grande com varandas, a maioria das famílias paulistanas está exausta após um ano e quatro meses de confinamento. Elas precisam de espaços públicos abertos onde possam, com segurança sanitária, levar as crianças para brincar, tomar sol, caminhar, se exercitar.

Nessa perspectiva, a retomada da Paulista Aberta e do Programa Ruas Abertas é urgente. Evidentemente, eventos culturais que geram aglomeração, como a música ao vivo, não podem ser permitidos enquanto durar a pandemia. A experiência do Minhocão mostra que as ruas abertas podem ser ocupadas pelas pessoas sem riscos.

Talvez não seja mera coincidência que os únicos espaços públicos que ainda não foram reabertos sejam a Praça Pôr do Sol, cercada pela prefeitura com tapumes e alambrados, e a Paulista Aberta. O convívio de diferentes segmentos sociais que elas propiciam se contrapõe a lógica de cidades segregadas.

Prefeito, manda abrir a Paulista para as pessoas nos domingos e tirar as cercas da Praça Pôr do Sol. São Paulo precisa de Mais amor, por favor.

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