Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

São Paulo poderá ter um dos maiores circuitos de salas públicas de cinema do mundo

Circuito SPCine chega a quase 10 mil assentos espalhados pela cidade, com sessões gratuitas

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Foi no Cine Bijou que fiz minha iniciação em cinema. Na adolescência, nos anos 1970, a pequena sala de cadeiras vermelhas da praça Roosevelt era a única onde eu podia assistir filmes proibidos para menores de 18 anos. Filmes que eram chamados "de arte", em contraposição às superproduções de Hollywood.

A censura da ditadura, quando não vetava a exibição de um filme com algum conteúdo crítico ou libertário, o classificava como impróprio para menores. Para contornar a proibição, minha pequena turma de rebeldes do Colégio Dante Alighieri falsificava a data de nascimento na caderneta de estudante. Delito amador, que não passaria em uma avaliação séria.

Mas os simpáticos bilheteiros do Bijou nunca pediam documento ou, quando pediam, faziam vista grossa. Pude assim fazer minha formação cultural assistindo a Fellini, Godard, Bergman, Antonioni, De Sica, Rossellini, Costa-Gavras, Truffaut, Glauber. Foi ali que assisti "Os Cafajestes", de Rui Guerra, com Norma Bengell no primeiro nu frontal do cinema brasileiro.

Excitado, vi duas vezes um filme inglês (não lembro o nome), onde estudantes indignados com a disciplina rigorosa de uma escola tradicional, como a nossa, promoveram uma revolta. Oxigênio puro para quem tinha que cantar o hino nacional com o braço levantado no pátio do Dante e, às vezes, era suspenso porque achavam que o cabelo estava comprido demais!

No aniversário de São Paulo, após 24 anos fechado, o Cine Bijou reabriu, em uma bela iniciativa do Satyros. Notícia emocionante, sobretudo para quem o frequentou naqueles tempos e considera a sobrevivência dos cinemas de rua essencial para a vida urbana e o povoamento do espaço público de uma metrópole.

Mas o que deu um sabor especial para essa reinauguração foi anúncio quase simultâneo, feito pela prefeitura, da abertura de mais dez salas da rede de cinemas do Circuito SPCine na periferia de São Paulo, que infelizmente não mereceu o mesmo destaque na mídia.

Aos 77 lugares do pequeno Bijou, irão se somar os cerca de 3.000 das dez novas salas que, em conjunto com as 20 em funcionamento desde 2016, alcançarão cerca de 10 mil cadeiras em cinemas públicos e gratuitos, em regiões onde inexistiam salas.

A ousadia da criação da SPCine —empresa municipal de cinema e audiovisual—, da formulação da proposta do circuito de salas de cinema e de muitas outras contribuições que o órgão vem dando ao audiovisual em São Paulo estão detalhadas no livro "Depois da Última Sessão de Cinema", organizado por Fábio Maleronka e Alfredo Manevy, que foi seu primeiro presidente.

Quando propusemos, na gestão Haddad, esta rede de salas públicas, sob administração da recém-criada SPCine, empresa vinculada à Secretaria de Cultura, o objetivo era garantir a todas e todos, independentemente de classe, raça, renda e local de moradia, com prioridade para a periferia, o direito à experiência de assistir filmes em tela grande, com equipamento de projeção e som de primeira qualidade.

Um direito cultural que tem sido negado à maioria: 54% dos brasileiros nunca assistiram a um filme em cinema e 93% dos municípios do país não têm uma única sala. Apenas 383 das 5.568 cidades brasileiras têm cinemas. Cerca de um terço estão no estado de São Paulo, mas 18 dos 39 municípios da mais próspera região metropolitana do país não têm nenhuma sala.

Em 2015, quando planejamos o Circuito SPCine, cerca de 40% dos paulistanos não frequentou nem uma vez sequer uma sala de cinema. Estas estavam concentradas nos shopping centers e na região da avenida Paulista, cobrando preços proibitivos para a imensa maioria da população.

A criação do Circuito SPCine iniciou uma mudança nesse panorama. Teatros já existentes em 15 Centros Educacionais Unificados (CEUs) e cinco centros culturais, foram adaptados com a instalação de equipamentos de última geração, atendendo 19 distritos da cidade, anteriormente desprovidos.

A programação proposta era variada, incluindo tanto filmes nacionais ou estrangeiros de produção independente, como blockbusters, pois um dos objetivos da proposta era possibilitar a formação de público e propiciar o direito à tela para os excluídos dos circuitos comerciais.

Em pouco mais de três anos (descontando o período da pandemia), mais 1,7 milhão de expectadores, que não tinham acesso à tela grande, frequentaram o Circuito SPCine.

Uma grande conquista, pois a experiência de ir ao cinema em sala escura, sem interferências, com tela grande e som perfeito é muito importante do ponto de vista cultural, político, educacional e de sociabilidade. Gera uma vivência e um debate coletivo incomparável com o isolamento e o caráter privado e individual do streaming em casa.

A ideia original era o circuito crescer e universalizar esse direito para todos os paulistanos. O Plano Municipal de Cultura (PMC), elaborado em nossa gestão (2015/6), estabeleceu metas para a expansão das salas de cinema: 24 distritos em 2017 e 48 em 2021, alcançando todos em 2025.

Mesmo com as dez novas salas anunciadas, que indicam uma positiva ação da atual gestão de continuidade do programa, ainda estamos longe de cumprir essa meta, pois entre 2017 e 2020 nenhuma nova sala foi implantada.

Para avançar no atendimento da meta do PMC, é essencial que os 12 novos CEUs, projetados na gestão Haddad com a previsão de instalação de cinemas, sejam incluídos na presente proposta de ampliação do Circuito SPCine. Eles estão prontos, mas a prefeitura nem sequer os colocou em funcionamento.
Se isso for feito, a cidade de São Paulo passará a ter uma das maiores redes de salas públicas de cinema do mundo, formando público e garantindo tela para a produção nacional.

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