Nicolás José Isola

Filósofo, mestre em Educação, doutor em Ciências Sociais, coach executivo e consultor em storytelling.

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A farsa da diversidade negra nas companhias

Sua banalização apenas provoca uma sensação de irrelevância sobre o tema

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A situação vivida por Vinicius Junior no jogo do final de semana passado em Valência tem gerado um repúdio global. Temos de aproveitar quando essas situações conseguem ser colocadas como um assunto de relevância para as sociedades.

Certamente, é sempre mais simples falar sobre o que acontece num outro país, como a Espanha, porém tem muita coisa por ser refletida ainda no Brasil.

Vou me centrar especificamente num âmbito que eu conheço bem. Muitas companhias multinacionais no Brasil têm políticas de inclusão e diversidade. É um assunto que se tem expandido, notadamente nos últimos cinco anos. De fato, está na moda, e isso é perigoso. Perigoso porque em muitas ocasiões fica sendo abordado como um mero objeto de marketing, exposto com certa frivolidade.

Um exemplo concreto para não ficar no mundo do abstrato. No Brasil, muitas empresas multinacionais procuram uma mulher negra para a direção de diversidade e inclusão. Até aí, soa perfeito.

O assunto é que, muitas vezes, acaba ali. Cumpriram. Fazem uma boa campanha de publicidade no Linkedin com uma mulher negra e acabou. Pronto. Já têm o adesivo esnobe de companhia diversa. Podem dormir em paz.

Quando você analisa no detalhe essa companhia, aquela liderança não tem mais ninguém negro nem como colegas nas outras direções nem na hierarquia para baixo. Trata-se de uma diversidade fake. Um uso exótico da negritude.

A simulação para distrair é uma das estratégias que mais mexem com a legitimidade inerente ao assunto. A banalização da diversidade só provoca uma sensação de irrelevância sobre o tema, diminuindo a transcendência que tem para a população brasileira. Trivializar é um bom jeito de anular.

Aqueles que aderem à moda da aparente inclusão não procuram mudar o status quo que existe. Só tentam colocar uma camada de verniz para ninguém falar. Fazer de conta que muda para no fundo nada mudar.

Folha promoveu debate sobre desigualdade racial na última terça (5). Para os especialistas, brancos precisam renunciar aos seus privilégios para combater verdadeiramente a desigualdade racial no país
Freepik

Assim, as lindas praias da diversidade e da inclusão que puxaram e priorizaram a contratação de empregados negros nos últimos anos se encontram hoje com as ondas de demissões gerais que estão acontecendo, onde, pela sua desigualdade estrutural de origem, as pessoas negras tendem a sofrer mais. Adversidade e exclusão.

Colocar o tema na mesa das companhias incomoda a muitos, certamente. Muitas lideranças falam com a boca que acompanham essas políticas da organização, porém suas mãos e seus pés não praticam nada objetivo para fazer as coisas acontecerem.

O jovem Vini Jr., de só 22 anos, além de ficar triste pelos insultos, é muito inteligente. Aproveita sua visibilidade global para colocar um capítulo bem denso a ser tratado. Essa exposição não deixa de ter custos emocionais para ele. A gente conseguiu vê-lo desencaixado no gramado. O ensinamento é claro, com esse assunto temos que colocar o corpo, não só a boca. Não tem outro jeito.

Todos podemos fazer alguma coisa a respeito disso em nossa convivência diária. A gente pode fazer muito mais do que acredita no nosso dia a dia. Precisamos ter a valentia de falar, mostrar e sinalizar os comportamentos errados. Acaso não sabemos que as empregadas domésticas têm que subir pelo elevador de serviço em vez do elevador social nos condomínios nobres?

Em muitas empresas, os silêncios cúmplices são o pão nosso de cada dia. Quando administro meus workshops de storytelling e diversidade em organizações multinacionais, é incrível o quanto as pessoas ficam assombradas ao conseguir enxergar os vieses que amadureceram nelas e ainda persistem. Os prejuízos internalizados parecem às vezes invisíveis, porém são bem concretos nas ações do dia a dia. Geram marcas nos outros. E marcas que doem. São olhares de segundos, risadas por baixo, detalhes que parecem pequenos, e, contudo, são eloquentes.

É quase imperceptível o jeito que temos para enfraquecer os outros. Imperceptivelmente fatal.

A discriminação que existe não vai acabar por uma semana do assunto na mídia por causa do acontecido com o Vini. Precisamos pegar esse problema de raiz. E para isso necessitamos de coragem. Alguns para perguntar e ouvir a dor causada e outros para falar daquilo que sofrem.

As companhias têm que começar a ter uma política de diversidade ampla e profunda, onde os valores estejam para ser vividos nos corredores, não para acabar em plotagens bacanas nas paredes ou para serem postados nas redes sociais como selo de garantia de qualidade moral.

Diversidade e inclusão não são uma moda para apimentar com algumas pessoas negras o cerrado da geografia organizacional. Deixemos a purpurina cosmética exótica para o Carnaval. Diversidade e inclusão é coisa séria.

Diversidade e inclusão significa procurar mudar os cimentos da nossa sociedade. Sem dúvida, tem muita coisa a ser mudada na Espanha. Ainda assim, comecemos por arrumar a nossa casa, tem muita coisa por ser feita no nosso Brasil.

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