Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor
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A entomóloga

Por puro tédio, comecei a criar uma lista dos estilos sexuais dos indivíduos

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Pedro Mairal

Alguma coisa aconteceu quando tingi meus cabelos de vermelho. Comecei a ser chamada de A Vermelha. Não sou ruiva natural, mas, com a cor, algo se ressaltou em mim. A afirmação de uma aura sexual, talvez. De repente os homens começaram a se entusiasmar e a falar comigo; nos barzinhos cool, nos bares abarrotados de barbichas trintões em plena happy hour, de cineastas melancólicos, publicitários ex-músicos, universitários com bolsas de estudos misteriosas. Por um ano, investi em ter todo o sexo que quis ou que pude, e à medida que passava o tempo, por puro tédio, comecei a criar uma lista dos estilos sexuais dos indivíduos. Estas são algumas categorias:

O DJ. É um clássico. Não pula na cama antes de ter encontrado a trilha sonora da sua performance. O DJ crônico é capaz de sincronizar os movimentos pélvicos com o ritmo da música. Conheci um que se gabava de resistir por um disco inteiro do Nirvana. Nunca comprovei o fato. Alguns se distraem quando o Spotify muda o tom, então precisam interromper tudo para voltar ao mesmo gênero. Têm playlists de sexo preparadas. Se você subir em cima deles e se balançar no compasso certo, poderá ficar gravada a ferro e fogo em seu coração melômano.

Mulher ruiva olhando para a câmera através de flores brancas
Alguma coisa aconteceu quando tingi meus cabelos de vermelho - Pixabay

O pornstar. É extenuante. Por alguma razão, ele demora em finalizar e, nesse longo ínterim, quer fazer todas as poses em todos os ambientes. Dourando as gradações da confiança, assume posições de quarterback de futebol americano, pisando sem cuidado no colchão que você acabou de comprar. Um papelão. Pode ser bom para uma noite de fome acumulada, mas no dia a dia você vai acabar pedindo pelo amor de Deus para alguém lhe disparar um dardo tranquilizante.

O matutino. Esse é madrugador. Na noite anterior começou a babar no travesseiro às 22h30, bem quando você estava se sentindo maravilhosa e conectada com todas as constelações do prazer. E agora, quando você acorda atropelada pela noite ruim, quando já está atrasada e tem vontade de uivar feito um vampiro no sol, o camarada desperta entusiasmado, bem-disposto, cheio de propostas.

O martelo pneumático. Também chamado coelhinho Duracell. Tem uma só velocidade. É como um motor que trabalha sempre a todo vapor. Não conhece os matizes, a intensificação, os platôs, os paroxismos, a calma que precede a tormenta. É veloz e eficaz. Alguém o convenceu de que é bom na cama e não há maneira de fazê-lo abandonar essa pressa que lhe dá tanto orgulho.

O incomodado. É um pouco diretor de cinema. Sempre está propondo os mínimos ajustes. "Ajeita um pouquinho mais... Aí, perfeito." Ou "Espera, que tem alguma coisa pinicando as minhas costas". É muito visual. Não consegue começar até que não tenha acertado bem o assunto das luzes: a do quarto apagada, mas a da sala acesa e com a porta entreaberta. Conhece os teus melhores ângulos e pede por eles; em pleno ato, diz: "Vamos lá, olhe pra mim". Não gosta do coito de abraços cegos, e sim das posições que permitem os planos abertos. É um freak com os barulhos. Um rangido na cama, e ele diz "corta". Um celular que atrapalha o deixa de mau humor por uma semana.

Esses são apenas alguns dos estilos sexuais masculinos que observei até agora. Não é preciso esclarecer que existem homens que se enquadram em várias categorias, ou que alternam de categoria numa mesma noite ou ao longo dos anos. Desde que comecei a classificá-los, passei a me divertir mais. Eles não suspeitam que esta ruiva tem arquivos minuciosos e que, mal se despede na porta, os põe num catálogo como uma entomóloga que crava um inseto no isopor.

Tradução de Livia Deorsola

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