Nosso estranho amor

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Rafael sai do Tinder e vai pra vida real

Faz quase duas semanas que ele está livre de ferramentas virtuais para encontrar amor e sexo

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São Paulo

Rafael Lima se sentiu dez quilos mais leve quando deletou do seu celular o Tinder e o Happn, por mais que os programas ocupassem, somados, menos de 10 megabytes do seu iPhone 7, modelo que ainda tem um botão na parte de baixo da tela.

Fazia quatro anos que o futuro antropólogo de 21 anos usava esses aplicativos de encontros para tentar achar um amor em São Paulo, para onde se mudou na mesma época em que instalou os apps. "É um experimento social", diz ele, mas que não sabe ainda se a empreitada vai render uma iniciação científica ou um trabalho para alguma matéria obrigatória da faculdade. "Mas também é uma vontade pessoal."

Ícone do aplicativo de relacionamentos Tinder na tela de smartphone - Denis Charlet - 9.mar.22/AFP

Rafael tomou a decisão de apagar suas redes sociais afetivas quando se deu conta que fazia meses que não sorria para uma mulher com quem nunca havia conversado, para depois sentir a descarga de adrenalina antes de ela corresponder (ou não) às suas intenções. "As pessoas não sabem mais flertar fora da internet", diz ele, antes de fazer um mea culpa: "Eu mesmo percebi que não sabia interagir com uma mulher que me atraísse no mundo real".

Faz quase duas semanas que ele está livre de ferramentas virtuais para encontrar amor e sexo. "Eu li um artigo inglês, acho, que mostrava como escolher as pessoas num cardápio leva a um recorte viciado. Você vai escolher alguém com quem pensa que vai ter afinidade, física ou de papo, e não se arrisca a conhecer pessoas novas que, no papel, nunca seriam um bom par. Mas podem ser um bom par."

Não que ele demonize o uso de tecnologia para encontrar afeto. "Minha última namorada eu conheci no Instagram. Não era um aplicativo de namoro, mas eu fui lá curtir as fotos antigas dela nessa intenção, então meio que serviu como um aplicativo de namoro." O amor dos dois desembocou numa amizade próxima. Próxima a ponto de ela querer apresentar amigas para o ex.

Mas ele está empenhado em caçar solo. Passou a olhar duas vezes para uma mulher que o atraia na fila do cinema ou no ônibus para a faculdade. Mas não tem conseguido muitos olhares de volta. "É estranho. Parece que o olhar perdeu o traquejo, esse músculo que tem no olhar bem-intencionado."

Nos primeiros dez dias, ele não conseguiu trocar ideia com nenhuma desconhecida. "Eu sou preto e tenho cabelo trançado, então levo isso em conta também, que navego num mundo que é racista e que esses aplicativos só maquiavam isso, porque eu só falava com pessoas que já tinham visto uma foto minha e aprovado. É um fator que não dá para medir."

Mas, na semana do dia 8, Rafael conheceu uma moça, estudante da USP como ele, numa festa de um colega de faculdade. Os dois já saíram duas vezes "e meia". "É que o primeiro encontro foi na cervejada, então não foi bem um encontro, mas ao mesmo tempo foi, porque a gente conversou por mais de uma hora, então conto como meio."

Ele não sabe onde o namorico de mundo real vai dar. Não sabe muita coisa da peguete: quais seus hobbies ou banda predileta. Nem tem pressa para descobrir, quer fazer como no samba e deixar acontecer naturalmente. "E o mistério é bom. É tipo viajar a pé em vez de viajar de jato."

Para ele, descobrir quem uma companheira é de verdade, sem usar redes sociais para isso, é como fazer uma arqueologia cuidadosa. "Eu brinco que esses aplicativos já vêm com uma ‘lista de compras’ dos interesses e desinteresses das pessoas. Você vai encontrar alguém pela primeira vez já sabendo muito dela, ou pelo menos achando que sabe. E eu acho que descobrir com o passar do tempo, e de experiências, é também construir uma história."

Rafael tanto quer conhecer sua parceira na vida real que não a procurou no Instagram ou no TikTok. Não sabe nada dela, a não ser o que os dois compartilharam em conversas em 3D. Se a moça estiver lendo isso, Rafael pede para avisar que ele não é um maluco, só um sujeito tentando achar um namoro à moda antiga.

Rafael está firme e forte no seu experimento. Mas admite que, se não conseguir engatar um namoro no ano que começa, talvez tenha uma recaída. "Eu quero ver qual é, mas não quero ser a pessoa que se recusa a ter um computador e passa o resto da vida fazendo texto numa máquina de escrever".

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