O empresário Valdir Matteo, 60, não tem fotos dele adolescente. "Rasguei todas, era feio, não gostava."
A culpada pela autoimagem tão negativa era uma cordilheira de acne que cismava em rebentar no seu rosto púbere.
Sentia que, nos últimos dois anos, tudo nele havia mudado para pior: cabelo, voz, corpo.
"Mas o pior de tudo eram as espinhas que brotavam feito pipocas na panela. Chegava o fim de semana e acontecia um troço absurdo, saía cada vulcão na cara."
Tinha quem passasse pasta de dente para tentar debelar as erupções na pele. Ele apelava para pomadas como a acnase. Surtiam quase nenhum efeito para domar as feras cutâneas.
Enquanto isso, os hormônios em ebulição. As gêmeas Aline e Alana, de longos cabelos castanhos, tinham um talento e tanto para ativar essa manada hormonal.
O menino sofria tanto com as perebas que só conseguiu se sentir um pouco mais à vontade numa festa à fantasia. Foi de Frankenstein. A máscara que cobria as espinhas o resguardou até certo ponto. Até uma garota pedir que a retirasse, talvez atrás de umas bitocas. Valdir nunca saberá a resposta, porque ela deu no pé no segundo que ele colocou a face à mostra.
Era a década de 1970, tempos de usar calça boca de sino ou um modelo justinho na perna, harmonizado com Havaianas no pé. Tempos de misturar drinques como Coca-Cola com rum (saudosa cuba-libre) ou Fanta-Laranja com vodca (viva o Hi-Fi) enquanto os bailinhos tocavam Beatles e Jovem Guarda.
E havia, claro, as festas de debutante, "uma coisa meio breguinha", quando as aniversariantes celebravam seus 15 anos com um festão em que meninos iam de terno, e meninas, de vestido longo.
Aline e Alana marcharam até a arquibancada perto da piscina do clube para entregar convites para Carlos, Fernando e Luiz, os chapas de Valdir. Faltou só o do amigo, reparou.
"Não esquecemos, a gente não quer que ele vá!", Aline respondeu. Bom, se Valdir não fosse, não ia ninguém, rebateu o trio sem pestanejar. As gêmeas, emburradas, cederam.
Valdir não vai mentir: não guardou muitas memórias daquela noite. Encheu a cara. Uma lembrança, contudo, ficou: fez um pacto consigo mesmo de que aquilo tudo era só uma fase. Ruim, é verdade, mas que passaria.
O tempo curou o que pasta de dente alguma conseguiria. Às favas com a modéstia: aquele rapaz espinhento virou um belo exemplar de homo erectus. Seu corpo ganhou músculos e, o principal, o rosto não parecia mais um queijo suíço.
Agora Valdir pede licença poética porque, admite, seu relato tem um quê de revanchismo.
Certa vez, já na casa dos 20 anos, saiu à noite com os amigos do trabalho. Chegou no bar e a reconheceu de cara. Aline. Linda como sempre.
Uma moça do grupo dela conhecia um amigo de Valdir, e acabaram todos na mesma mesa. Ele lado a lado com a gêmea que o esnobou na adolescência. Era nítido que Aline não o havia reconhecido.
O alvo de desprezo juvenil lhe parecia, agora, o homem mais interessante do mundo. Foram para a casa dele após a bebedeira, voltaram a se encontrar, namoraram por meses. Até chegar o dia de conhecer os melhores amigos de Valdir.
Carlos, Fernando e Luiz, os mesmos que não deixaram Aline e sua irmã escantearem Valdir dez anos atrás. A ficha caiu na hora. O namorado-príncipe era o sapo que humilhou quando jovem.
Ele até achou que superaria o desdém do passado. "Mas doía como uma espinha permanente na lembrança."
Depois disso, ele casou uma vez, casou outra, e hoje está no terceiro casamento. Vive do aluguel de dois condomínios que administra no litoral paulista e de sua marca de cerveja, a Bendita.
Maldita seja a hora que Aline e Alana o olharam de cima para baixo, já se vão 45 anos. Valdir ainda lembra. E acha que quem riu por último foi ele.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.