Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor
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O que o Roupa Nova tem a dizer para Sandra e Luis

Ele superou tumores e sequelas médicas, e ela continuou ao seu lado desde o dia 1

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São Paulo

Sandra Sales Carrozzo estava uma arara. Não tinha computador no curso técnico de processamento de dados, o que não fazia sentido. Meteu o pau na escola. Um rapaz se sentou ao seu lado na escada, e ela não parou. "Só descobri depois que ele era filho do dono."

A crocheteira e assistente social de 56 anos, então uma menina de 17, ainda demoraria uns anos para sacar que o filho do dono viraria dono do seu coração.

A paquera engatou em 1988. Um dia, na beira do lago de Bragança Paulista (SP), alguma rádio próxima tocou Roupa Nova. "Força do Amor", aquela que fala que "o amor nos dá asa, mas volta pra casa". Os amigos começaram a dançar, o rosto foi colando, o beijo aconteceu.

Eram tempos de beber St. Remy, um aperitivo alcoólico de maçã e ervas, e requebrar na danceteria Atenas com "Livin’ on a Prayer" (Bon Jovi), "Banho de Espuma" (Rita Lee) ou "Deixa Eu Te Amar" (Agepê).

No primeiro Ano-Novo juntos que pintou, Luis Alberto Carrozzo a convidou para passar com os pais dele. Uma hora a puxou de canto, mostrou a aliança. Sandra "tremendo feito vara verde". Quer namorar comigo?

Estavam os dois entrando na casa dos 20 anos. Luis já vinha tendo convulsões, na época diagnosticadas como epilepsia. Não eram. O namorado de Sandra tinha um tumor no cérebro. Descobriu-o com uma ressonância magnética na capital paulista. Ela ficou duplamente arrasada: com a notícia da doença e com o término.

Na véspera da operação para remover a massa estranha, o rapaz disse a Sandra que queria dar um tempo no relacionamento. Não sabia se sairia desta e queria poupá-la da via crúcis médica que o aguardava.

Sandra Sales Carrozzo, 56, assistente social e crocheteira, e Luis Alberto Carrozzo, aposentado - Arquivo pessoal

"Mas sou muito insistente", ela conta. Foi visitá-lo no hospital em São Paulo. Luis levou um susto e ficou bravo. Reincidiu e viajou para vê-lo de novo, agora com ele se recuperando na casa de uma tia.

A reabilitação foi ótima. Ele não teve que passar nem por quimioterapia nem por radioterapia. Só precisou mesmo de um pouco de semancol. Um belo dia apareceu na casa da ex. Começaram a sair de novo.

No ano seguinte, o câncer pegou o pai de Luis. Primeiro na próstata até se espraiar pelos ossos. Uma tia sugeriu que eles se casassem logo, porque era o sonho de Nelson vê-los no altar.

Eles até queriam o enlace, mas não para já. Talvez em 1996, uns três anos à frente. Sandra protestou: nem tinha um enxoval! A tal tia bateu à porta dias depois, com um kit de roupa de cama novinho. Pronto, o primeiro item já estava garantido, acabou a desculpa. Bora marcar com o padre.

O casal acabou cedendo e não se arrependeu. Fez os votos de casamento em 1993, nove meses antes de Nelson morrer. Nove meses depois disso, nasceu o primeiro dos dois filhos deles, batizado com o nome do sogro de Sandra.

Passaram 16 anos entre o casório e a volta do tumor do Luis. Ele veio mais agressivo na nova encarnação, um grau 4. Sandra cursava o último ano da faculdade de serviço social quando o médico deu quatro meses de vida ao marido.

Foi um ano e meio só de quimio, e 33 sessões de radioterapia na sequência. Na última delas, o doutor admitiu: "Jamais achei que você chegaria até aqui".

O professor e advogado era uma fortaleza, e a fé católica, um cimento para ela. Pediu à Nossa Senhora Desatadora de Nós para entrar na causa, e mais uma vez a cura veio. Com sequelas, contudo.

Luis ficou desmemoriado. Esquecia de comer, não fixava conversas. O pisca-alerta acendeu quando, certo dia, precisou voltar para casa e se perdeu no trajeto. Algo não ia bem.

Só uma década depois que a saúde saiu de vez do prumo. Luis, já aposentado, teve um edema cerebral e complicações pós-cirurgia. Ficou 30 dias em coma no primeiro ano da pandemia de Covid-19. A equipe dos jalecos preparou Sandra para o pior.

"Mais uma vez ele venceu", ela diz. Hoje, aos 55 anos, ele está acamado. Não fala, não anda. Os filhos Nelson e Victor ajudam nos cuidados do pai. Luis adora assistir a novelas turcas e gargalha se o filho caçula chega perto e solta um pum porque sabe que ele vai rir.

"Seu sorriso", garante Sandra, "é o mesmo que me fez apaixonar". Está ouvindo "Força do Amor" mais uma vez.

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