Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Capacidade de recuperar e prevenir tragédia na educação depende da qualidade de dados

A pandemia e o novo Fundeb trazem novos desafios para o sistema de monitoramento brasileiro

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No início do mês, o Banco Mundial publicou um estudo que estima as perdas esperadas de aprendizagem dos estudantes brasileiros por conta da pandemia. Os resultados indicam que, apesar de todos os esforços de ensino remoto, as perdas são enormes: antes da pandemia, 50% dos estudantes possuíam um nível de proficiência abaixo do mínimo; após 13 meses de escolas fechadas, esse índice poderá chegar a 71%.

A capacidade planejar e executar ações para recuperar as perdas educacionais e prevenir esta tragédia intergeracional dependerá fundamentalmente da qualidade dos dados educacionais disponíveis.

O Brasil possui um avançado sistema de monitoramento educacional gerenciado pelo MEC (Ministério da Educação) e pelo Inep (Instituto Nacional de Educação e Pesquisa). Ele é baseado em três componentes. O primeiro deles é o Censo Escolar por aluno. Realizado anualmente, ele permite acompanhar as trajetórias de escolarização individualizadas, gerando indicadores de repetência, abandono, e atraso escolar (distorção idade-série).

Estudante recebe orientações dos professores pelo celular no Recife - Leo Caldas - 20.ago.2020/Folhapress

O segundo é o Saeb (Sistema de Avaliação de Educação Básica). Trata-se da principal ferramenta de avaliação de aprendizagem do Brasil e consiste na realização, a cada dois anos, de uma prova por todos os estudantes de escolas públicas (e uma amostra de escolas privadas) matriculados nas últimas séries de cada ciclo de ensino. A escala utilizada nessa prova permite medir mudanças no aprendizado ao longo do tempo e entre séries.

O terceiro componente é o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica); um indicador sintético construído a partir dos resultados do Censo Escolar e do Saeb. Através desse indicador, é possível monitorar o desempenho do sistema educacional, tanto em termos de escolarização quanto de aprendizado.

Esse sistema nacional de monitoramento educacional permite identificar com credibilidade estados, municípios e escolas que mais avançaram, e assim detectar casos de sucesso que devem ser replicados e áreas de atenção para política pública. Na prática, a credibilidade dessa identificação depende da transparência e acesso aos dados e metodologia promovidos e mantidos pelo MEC e Inep ao longo dos últimos 20 anos.

Nesse contexto, a escala comum do Saeb é essencial. Os resultados gerados a partir deste sistema de monitoramento indicam uma expressiva melhora no ensino fundamental no Brasil, principalmente entre 2011 e 2019, ainda que no último biênio (2017-2019) tenha havido uma desaceleração destes ganhos, indicando uma situação de alerta pré-pandemia.

A pandemia e a aprovação do novo Fundeb trazem novos desafios para o sistema de monitoramento educacional brasileiro. O novo Fundeb incluiu um componente de transferência com base no avanço de indicadores educacionais, que só poderá ser implementado com a manutenção do Censo Escolar, o Saeb com as características acima e um Ideb que pode ser aprimorado, sem perder sua simplicidade de comunicação e síntese de indicadores de progressão escolar e aprendizagem.

Já o fechamento das escolas por conta da pandemia pode gerar um retrocesso expressivo nos avanços educacionais brasileiros, tanto do ponto de vista de aprendizado como de evasão e repetência.

Em meio a este contexto desafiador, circula a proposta de cancelar o Saeb de 2021 e dissolver o Grupo de Trabalho que busca criar propostas metodológicas para o novo Ideb.

A concretização dessa proposta pode trazer consequências negativas para a capacidade dos gestores federais, estaduais e municipais dimensionarem e planejarem adequadamente suas estratégias de recuperação das perdas educacionais geradas pela pandemia.

É fundamental manter o planejamento do Saeb em 2021, e preservar a comparabilidade histórica dos seus indicadores. Ele deve ser mantido, mesmo que de forma amostral; e um Saeb censitário deve ser retomado em 2022. A atualização da escala Saeb, necessária para melhor refletir a reforma curricular, pode ser feita mas é importante preservar a capacidade de gerar resultados também na escala atual.

O debate sobre o novo Ideb precisa continuar, e deve ser norteado por princípios claros sobre os incentivos de gestão que devem ser gerados. Neste sentido, é possível identificar algumas oportunidades de aperfeiçoamento. A primeira delas seria incluir a taxa de participação dos alunos na Saeb como um componente na fórmula de cálculo do Ideb. Este componente poderia operar como um fator de ajuste da nota final, valorizando os esforços de estados e municípios que buscam ampliar a taxa de participação dos seus alunos no exame nacional.

A segunda possibilidade de melhoria seria utilizar a proporção de alunos abaixo de um patamar mínimo de proficiência como medida de aprendizado. O foco nos estudantes com pior desempenho é o primeiro passo para um maior compromisso com a equidade educacional. A terceira melhoria potencial seria ajustar o indicador pela proporção dos alunos fora da escola ou com grandes defasagens idade-série de forma a aumentar a sensibilidade do Ideb à equidade de acesso à educação

Toda mudança de indicador é delicada, e deve ser encaminhada de maneira cuidadosa e transparente para proteger sua credibilidade e, com isso, manter incentivos de gestão adequados. Para minimizar estes riscos e proteger as condições do sistema educacional brasileiro, é fundamental reagir com vigor e velocidade. Qualquer que seja a proposta final do novo Ideb, ela deve manter o cálculo e divulgação do indicador atual por pelo menos cinco anos. Isso irá garantir uma transição tranquila e evitar possíveis incertezas que podem ser geradas pela mudança metodológica.

O sistema de monitoramento educacional é parte fundamental de uma política educacional baseada em evidências. A recuperação das perdas educacionais geradas pela pandemia necessitará de informação, e para isso a comparabilidade das medidas de aprendizagem nacionais assim como a construção e definição de seus indicadores importam. E muito.

Esta coluna foi escrita em colaboração com André Loureiro, economista sênior, e João Pedro Azevedo, economista líder, do Banco Mundial

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