Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Lições e legados do auxílio emergencial para o fortalecimento da proteção social brasileira

No auge de sua cobertura, o AE chegou a beneficiar 56% da população brasileira

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A pandemia da Covid-19 tem sido um verdadeiro teste de estresse para os sistemas de proteção social no mundo. As medidas de redução de circulação, necessárias para conter a disseminação do vírus, trouxeram consequências econômicas e sociais sem precedentes. Coube aos mecanismos de proteção social reduzir os impactos negativos da paralisação abrupta das atividades, especialmente para os mais pobres e vulneráveis.

Um levantamento do Banco Mundial demonstrou que a principal forma de reação dos países durante a crise foi ampliar a cobertura e a generosidade de programas de transferência monetária. Foram catalogadas 734 medidas dessa natureza, em 186 países ao redor do globo. Nesta constelação, a resposta brasileira, capitaneada pelo auxílio emergencial (AE), destaca-se pela celeridade de sua implementação, por sua longa duração, ampla cobertura e pelo generoso valor dos benefícios oferecidos.

A um custo de quase 5% do PIB de 2020, o AE pode ser financiado graças a medidas extraordinárias de flexibilização do regimento fiscal brasileiro que, por exemplo, eximiu seus gastos de entrarem no cômputo do teto de gastos. Implementado apenas duas semanas após sua aprovação no Congresso, e inicialmente previsto para durar três meses, o AE foi estendido por um total de 16 meses, entre abril de 2020 e outubro de 2021. Mesmo com gradual redução de sua cobertura e valor do benefício ao longo de suas três fases, o programa ostenta resultados impressionantes.

Beneficiários aguardam para receber primeira parcela do auxílio emergencial em agência da Caixa na Avenida Sapopemba, em São Paulo - Jardiel Carvalho - 30.abr.2021/Folhapress

Em relatório recente sobre lições institucionais do AE, o Banco Mundial notou que, no auge de sua cobertura, o AE chegou a beneficiar 56% da população brasileira entre beneficiários diretos e indiretos. O benefício do AE foi bastante generoso em relação a referenciais nacionais. O valor de R$ 600 pago nas primeiras rodadas, por exemplo, foi cerca de três vezes maior que o valor médio pago pelo Bolsa Família e equivalente a 2/3 da renda média mensal do trabalho auferida em anos anteriores. Este valor representava, ainda, cerca de 50% do salário-mínimo nacional e aproximadamente metade do valor médio recebido pelos beneficiários do Seguro-Desemprego.

Embora os dados disponíveis até o momento não sejam suficientes para uma estimativa categórica dos impactos do programa, a literatura (incluindo um relatório regional do Banco Mundial) converge na avaliação de que houve impacto na melhoria da renda e na redução da taxa de pobreza tomando por base os parâmetros do imediato pré-pandemia.

O êxito do programa pode ser atribuído tanto à sua robustez quanto à arquitetura complexa e marcada por inovações. A experiência consolidada na gestão do Programa Bolsa Família e na estruturação do Cadastro Único para programas sociais foram fundamentais para o sucesso do AE, tendo sido via de entrada para quase metade dos beneficiários mais pobres e vulneráveis do programa emergencial. No entanto, há que se destacar também as inovações próprias do AE.

Como forma de evitar a paralisia da gestão diante do contexto sui generis em que o AE operou, por exemplo, estabeleceu-se um Comitê Gestor entre órgãos de gestão e controle. Para cadastrar quem não estivesse previamente registrado no Cadastro Único, o programa estabeleceu parceria com a Caixa para desenvolvimento de aplicativo de requerimento que não cobrasse sequer tarifação de dados móveis.

Conforme destacado em artigo do Banco Mundial para analisar o sistema de pagamento do AE, a Caixa desenvolveu ainda uma nova modalidade de conta bancária, a Poupança Social Digital, inicialmente voltada para beneficiários do AE e outros programas emergenciais, mas que logo expandiu-se cobrindo mais de 100 milhões de clientes. Além do incentivo à poupança, esta modalidade de conta bancária disponibilizou um cartão virtual, incentivando a realização de operações digitais e, consequentemente, reduzindo riscos de aglomerações em agências e pontos de saque.

O AE inovou também a forma de seleção dos beneficiários. O tema é analisado em outro relatório do Banco Mundial, que destaca como o processo de seleção ocorreu inteiramente por meio de análise de 40 registros administrativos. Embora o AE tenha se beneficiado da qualidade dos dados do Cadastro Único, não houve contraparte do programa estimulando a atualização cadastral das pessoas já inscritas neste registro. Destacam-se ainda novos recursos como mecanismos de informação, reclamação e contestação, pouco desenvolvidos na experiência do Bolsa Família.

Dos legados institucionais do AE, também merece destaque a forma pioneira como a experiência introduziu o uso de TICs em diversas etapas operacionais de um programa social, com potencial de expandir o alcance do estado e, ao mesmo tempo, desburocratizar e modernizar o setor. Conforme destacado em análise do Banco Mundial sobre descentralização no contexto do AE, tais medidas tendem a fortalecer ainda mais o sistema de proteção social caso sua integração busque maior alinhamento com processos e atores tradicionais, como os governos subnacionais que não foram envolvidos formalmente por conta da urgência com que se operacionalizou o programa.

As lições aprendidas durante o período de crise devem nortear as propostas de aperfeiçoamento do Sistema de Proteção Social brasileiro. O fato de o AE ter passado com sucesso pelo teste de estresse deve ser comemorado. No entanto, o desafio de superar a pobreza e construir um país menos desigual permanecem vivos. As lições e legados do AE devem ser incorporadas no novo AuxÍlio Brasil e, de forma mais ampla, fortalecer a adaptabilidade do Sistema brasileiro diante de novas crises que podem ocorrer no futuro.

Esta coluna foi escrita em colaboração com os consultores sênior do Banco Mundial Tiago Falcão Silva e Pedro Lara de Arruda.

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