Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Pablo Acosta

Quatro lições sobre a pobreza no Brasil

Baixa renda brasileira é multidimensional, pode ser agravada pelas mudanças climáticas e se concentra em grupos minoritários

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Um relatório publicado recentemente pelo Banco Mundial avalia, em profundidade, a situação da pobreza e da desigualdade no Brasil. Uma vez que diversas políticas de recuperação pós-pandemia continuam a tomar forma, vale a pena compartilhar algumas conclusões do relatório.

A pobreza não é apenas uma questão monetária

As taxas de pobreza no Brasil variaram significativamente nos últimos dois anos. Em 2020, o país vivenciou a pior recessão de sua história. Apesar disso e do fato de os pobres e vulneráveis terem perdido mais renda que o restante da população durante a pandemia, o Brasil também observou —paradoxalmente— uma queda em seus índices de pobreza, principalmente graças ao auxílio emergencial. O Brasil foi o único país da região da América Latina e do Caribe a observar tal fenômeno. No entanto, as estimativas para 2021 indicam um novo aumento da pobreza, que, segundo projeções, deve atingir níveis superiores àqueles observados antes da pandemia devido à eliminação progressiva do auxílio, à inflação mais alta e à lenta recuperação do mercado de trabalho.

Pobreza subiu para quase 20 milhões nas metrópoles em 2021; na foto, ocupação em São Paulo - Bruno Santos - 5 ago.2021/ Folhapress

Isso não é uma surpresa, pois os determinantes fundamentais da pobreza não sofreram grandes alterações nos últimos anos. Além disso, como destacam recentes debates sobre insegurança alimentar, devem ser considerados outros fatores além da pobreza monetária. A evolução dos indicadores não monetários de privação das famílias conta uma história mais robusta e preocupante. É amplamente reconhecido o fato de a capacidade das famílias de sair da pobreza depender de vários fatores, entre os quais os bens de que dispõe, inclusive o capital humano; e sua capacidade de usá-los, o que se traduz na acessibilidade a serviços públicos e a mercados como o de trabalho, de crédito e outros.

Ao ampliar essa visão sobre privações, o relatório demonstra que cerca de 20% dos brasileiros sofrem de pobreza crônica: eles não apenas ganham menos que o mínimo necessário para cobrir suas despesas básicas, mas também passam por privações em outras dimensões. Suas moradias são construídas com materiais de baixa qualidade e costumam ser superlotadas; o chefe de família tem baixa escolaridade ou um emprego sem licença médica remunerada; ou lhes falta acesso a serviços básicos. Devido ao fato de essas famílias sofrerem privações em múltiplas dimensões, o apoio por meio de transferências de renda não é suficiente para que elas alcancem um desenvolvimento econômico sustentável.

A desigualdade de oportunidades afeta mais os negros e os povos indígenas

Os brasileiros pretos e pardos têm acesso a menos oportunidades que o restante da população. Além disso, eles sempre foram (e ainda são) sobrerrepresentados entre as famílias de renda mais baixa. A limitada mobilidade social no Brasil é um dos fatores por trás desse problema histórico persistente. Os adultos negros pobres do país atingem, em média, 7 anos de escolaridade; os afro-brasileiros não pobres, 8,9 anos; e os brasileiros não pobres, 9,6 anos.

Houve avanços, mas eles foram desiguais. Uma comparação intergeracional revela que cerca de 15% dos jovens negros brasileiros concluíram uma graduação ou pós-graduação —mais que o dobro da taxa de 6% de seus pais. Para a população brasileira como um todo, no entanto, essas médias são de 22% e 10%, respectivamente. Ao longo das próximas três gerações, 40% dos brasileiros provavelmente terão concluído o ensino superior, em comparação com uma estimativa de 29,5% para os afro-brasileiros.

Outras lacunas também são preocupantes. Trabalhadores negros parecem receber um salário menor quando comparadas situações semelhantes. Além disso, 49% dos afro-brasileiros pobres possuem um imóvel escriturado e 72% têm acesso à internet, ao passo que, entre a população geral, essas porcentagens são de 61% e 84%, respectivamente.

O bem-estar dos povos indígenas continua a ser considerado um ponto cego estatístico, mas os registros administrativos do Cadastro Único evidenciam suas profundas fragilidades. Além das altas taxas estimadas de pobreza, cerca de 28% dos indígenas e 8% dos quilombolas não têm acesso à eletricidade; cerca de 51% dos domicílios indígenas e 42% dos domicílios quilombolas não têm abastecimento de água; e uma parcela significativa de suas moradias é construída com materiais inadequados. Apesar das melhorias alcançadas nas últimas décadas, 42% e 49% das famílias indígenas e quilombolas, respectivamente, inscritas no Cadastro Único não concluíram o ensino fundamental.

Vulnerabilidades socioeconômicas podem ser agravadas pela crise do clima

Há muitas evidências de que os desastres naturais estão afetando os meios de subsistência dos brasileiros. No ano passado, houve enchentes na região amazônica, no sul da Bahia e no norte de Minas Gerais, ao passo que os reservatórios que abastecem as hidrelétricas do Centro-Oeste e do Sudeste ficaram abaixo de 20% de sua capacidade.

As vulnerabilidades ambientais —definidas, em sua maioria, pelo perigo das manifestações relacionadas às mudanças climáticas e pela exposição a elas— são uma realidade para todos: não são exclusividade das regiões mais pobres do país, sendo também observadas com frequência nos grandes centros urbanos. Entre os municípios com mais de 250 mil habitantes, 22 são ambientalmente vulneráveis, inclusive São Paulo. Ao todo, cerca de 45,4 milhões de brasileiros podem ser classificados como habitantes de municípios de alto risco ambiental. Por fim, cerca de 9% da população vive em municípios vulneráveis tanto do ponto de vista socioeconômico quanto ambiental.

Políticas públicas devem dar atenção à superação das disparidades históricas

O relatório conclui que é necessária uma visão ampla e renovada para garantir aos grupos populacionais mais vulneráveis uma vida decente no futuro. No curto prazo, as prioridades das políticas públicas devem se concentrar na proteção dessas populações contra a erosão (ou esgotamento) de ativos. As políticas devem se concentrar nos impactos diretos da pandemia: proteger o capital humano das crianças e ajudar a população a retornar ao trabalho.

No longo prazo, devem ser envidados esforços para desenvolver e promover a acumulação de ativos para a base mais ampla possível. Para solucionar o problema da vulnerabilidade dos afro-brasileiros e das comunidades tradicionais, é necessária uma ênfase maior nas lacunas de acesso a serviços e oportunidades. São necessários investimentos em capital humano para aumentar a produtividade da força de trabalho –tanto no presente quanto no futuro. Nesse sentido, o Brasil tem, certamente, muito a comemorar no décimo aniversário da Lei de Cotas. Contudo, o país precisa acelerar o ritmo da convergência e oferecer apoio complementar para que esses grupos também se beneficiem de uma educação de qualidade antes de chegarem ao ensino superior. É necessário um forte impulso para apoiar a transformação econômica estrutural que está ocorrendo no Brasil.

Além disso, são necessários investimentos em infraestrutura e acesso a ativos produtivos para melhor conectar e proteger as populações vulneráveis, de forma a permitir que o Brasil possa progredir rumo a um crescimento inclusivo e resiliente.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Gabriel Lara Ibarra, economista sênior do Banco Mundial.

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