Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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A agenda da reforma previdenciária brasileira ainda não foi concluída

O novo mundo do trabalho ainda precisa ser discutido à luz das mudanças demográficas

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Cobertura previdenciária, equidade e adequação —três questões amplamente discutidas no âmbito de reformas previdenciárias no passado— tornam-se ainda mais relevantes no contexto do novo mundo do trabalho.

Cerca de 1,5 milhão de trabalhadores do país estão ligados à economia gig ou ao trabalho de plataforma —um número que não para de crescer e que traz à tona várias preocupações antigas. Esses trabalhadores contribuirão para a previdência social e terão direito à aposentadoria? Serão tratados de forma justa em comparação aos outros? Estarão protegidos da pobreza e terão pelo menos uma proteção mínima contra a perda de renda na velhice?

Fachada do prédio do INSS em Brasília - Antonio Molina/Folhapress

Para responder essas perguntas, temos que entender a situação do sistema previdenciário no Brasil. Atualmente, embora a cobertura previdenciária dos idosos brasileiros seja alta (85%), a parcela da população em idade produtiva que contribui para o sistema previdenciário é de apenas 45%. Isso gera preocupações: a receita arrecadada será suficiente para cobrir os custos de um grupo cada vez maior de beneficiários à medida que a população idosa aumentar?

Além disso, embora alguns dos idosos sem cobertura sejam protegidos pela família, por suas próprias economias e pelo programa não contributivo BPC (Benefício de Prestação Continuada), cerca de 4% a 5% dos idosos permanecem em situação de pobreza. Na ausência de mudanças nas políticas públicas, a urbanização, a redução das famílias, o afrouxamento dos laços familiares e a proliferação do trabalho independente com contribuições esporádicas levarão ao crescimento da pobreza entre os idosos no futuro.

Para melhorar a equidade do sistema, é preciso buscar equilíbrio justo de contribuição considerando a renda. O Brasil instituiu múltiplos mecanismos preferenciais de contribuição com o objetivo de aumentar a cobertura contributiva entre os trabalhadores de renda baixa.

Esses mecanismos oferecem a trabalhadores autônomos, pequenos empresários (Simples) e MEI (microempreendedores individuais) os mesmos benefícios previdenciários com taxas de contribuição significativamente mais baixas. No entanto, de 20% a 30% dos trabalhadores de renda alta tiram proveito desses regimes, ao passo que a aceitação nos níveis de renda mais baixos é mínima.

O regime previdenciário nacional perde 16% de sua receita potencial por meio desses mecanismos e de descontos de contribuição para trabalhadores rurais e funcionários de entidades filantrópicas. As perdas de receita provavelmente aumentarão à medida que mais pessoas optarem por modelos atípicos de trabalho, resultando em contribuições irregulares sob regimes de contribuição preferencial.

A adequação do benefício precisa ser repensada também. O valor das aposentadorias sem contribuição, ou com uma contribuição muito baixa —o BPC e a aposentadoria rural por idade— tem benefício igual à aposentadoria mínima contributiva, de modo que os incentivos para deixar de contribuir são altos. Não é à toa que, após os complicados cálculos da fórmula do benefício previdenciário, 70% das mulheres e 56% dos homens ainda se encaixem no benefício mínimo previdenciário.

Isso significa que apenas uma pequena minoria de trabalhadores de renda mais alta pode influenciar o valor de suas aposentadorias (trabalhando mais ou contribuindo mais). Naturalmente, muitas pessoas deixam de contribuir após atingir o período mínimo de contribuição de 15 anos.

O ônus administrativo dos benefícios previdenciários não contributivos também é alto. Muito tempo e energia são investidos para verificar e documentar a renda e a residência dos idosos requerentes do BPC e dos benefícios rurais. Quando os benefícios são negados, se inicia uma batalha no sistema judicial. Após análise, 20% dos pedidos de BPC negados e 34% das aposentadorias rurais negadas são restabelecidos pela justiça.

Como resultado de todo esse esforço, apenas cerca de 15% dos idosos não recebem aposentadorias: alguns, por terem contribuído para o sistema por curtos períodos de tempo; e outros, por não saberem como e onde apresentar os devidos documentos e como contestar os benefícios negados em juízo.

Os atuais descontos nas contribuições, a generosidade comparativa dos benefícios não contributivos e a arbitrariedade dos procedimentos administrativos levantam algumas questões importantes sobre como encontrar o equilíbrio ideal entre incentivar as contribuições e ajudar a população desfavorecida.

Deve a população idosa que nunca contribuiu receber o dobro (BPC = R$ 1.212 por mês) do valor concedido a famílias jovens vulneráveis (Auxílio Brasil = R$ 600 por mês)? Pessoas que contribuíram 14 anos ou menos não devem receber nenhuma compensação por seus esforços e subsidiar os benefícios previdenciários do resto da população? Não deveria haver diferença nos benefícios concedidos aos trabalhadores de salário mínimo caso eles tenham contribuído por 15 ou 25 anos?

Existe opção melhor, capaz de oferecer proteção universal e regras justas e simples, com melhores incentivos para a contribuição? Um relatório a ser divulgado em breve pelo Banco Mundial analisa uma possível alternativa: unificar e universalizar o benefício não contributivo substituindo os atuais BPC e benefícios rurais.

A elegibilidade para o programa não exigiria comprovação de renda, residência ou viuvez. O valor poderia ser inicialmente fixado no mesmo nível de benefício do BPC e, posteriormente, desvinculado do salário mínimo. Ao mesmo tempo, a exigência de um período mínimo de contribuição seria eliminada do sistema previdenciário contributivo.

Se uma pessoa contribuiu 5 dos 35 anos que constituem uma carreira completa, ela receberia 5/35 do benefício contributivo (mais alto) e 30/35 do não contributivo. Além de ser mais justo e simples e incentivar contribuições adicionais, estima-se que o sistema possa economizar 0,9% do PIB se a diferença entre a aposentadoria contributiva e a não contributiva ao longo do tempo atingir 20%.

Um valor ainda maior poderia ser economizado se houvesse um teto para os subsídios de contribuição dos trabalhadores de renda mais alta. À medida que a população idosa aumenta, esses recursos serão valiosos para que o sistema possa oferecer benefícios justos com cobertura a todos os segmentos da população idosa.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Asta Zviniene, especialista sênior de proteção social, Rovane Schwengber, especialista de proteção social, e Raquel Tsukada, consultora.

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