Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Refugiados e imigrantes venezuelanos vivem entre a indiferença e o ódio

Isolamento da fronteira e desinteresse político tem feito com que a crise não tenha visibilidade compatível com o tamanho do problema

Com uma população de 330 mil pessoas, Boa Vista (RR), foi tomada por 40 mil venezuelanos. Em apenas uma das praças da cidade, a Simon Bolívar, 1,2 mil venezuelanos estão acampados. A chegada de tantos refugiados e imigrantes gerou uma crise humanitária de grandes proporções e reações violentas, inclusive incêndios e assassinatos, com perigosos sinais de xenofobia.

No total, as Nações Unidas estimam que já existam 70 mil venezuelanos no Brasil. O país acumula 25 mil pedidos de asilo, 11 mil pedidos de residência temporária e todos os dias cerca de novos 800 venezuelanos cruzam a fronteira. Embora o Brasil tenha recebido os venezuelanos e adotado uma política de legalizar a sua permanência para que possam acessar serviços públicos, o apoio aos imigrantes ainda é insuficiente.

O isolamento geográfico da fronteira com a Venezuela e o desinteresse político, tanto da esquerda, como da direita, tem feito com que a crise não tenha uma visibilidade compatível com o tamanho do problema, o que tem impedido que a situação seja tratada com a urgência e o empenho necessários.

À direita, a questão está bloqueada pela ascensão de novos atores que estão tentando fortalecer o nacionalismo xenófobo. Foram esses novos atores da direita que fizeram a campanha contra a nova lei de migração e são eles que querem agora fechar a fronteira com a Venezuela. O segundo colocado nas intenções de voto para presidente, Jair Bolsonaro, disse, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo que "já temos problemas demais aqui", que os venezuelanos não devem se juntar "àquele exército que recebe Bolsa Família" e que a solução seria "revogar essa lei de imigração" e "fazer campo de refugiados".

Se, para uma parcela da direita, o problema dos venezuelanos não deve ser resolvido com o acolhimento dos refugiados e imigrantes, para a esquerda, o problema é outro. Discutir a crise dos refugiados implica tomar posição sobre a crise política e econômica do governo Maduro, um tema delicado que divide os progressistas.

Lula tem falado o mínimo possível sobre o tema. Quando provocado, em entrevista à Agência France Presse, o ex-presidente se limitou a dizer que "é preciso pensar na economia da Venezuela com muito carinho, porque a Venezuela precisa de abastecimento, precisa gerar muito emprego, precisa se industrializar, e o Maduro não pode permitir que ocorra o equívoco de fechar a Venezuela".

As implicações políticas da questão para a esquerda aparecem em sua plenitude numa nota da CUT (Central Única dos Trabalhadores) de fevereiro que condena o uso da expressão "refugiados" para se referir aos venezuelanos: "A CUT repudia com veemência a classificação pelas autoridades brasileiras de refugiados e refugiadas atribuída a migrantes provenientes da Venezuela. As tentativas da grande mídia internacional e de diversos governos –inclusive o ilegítimo brasileiro– de caracterizar a crise venezuelana como uma 'crise humanitária', visa tão somente desestabilizar a Venezuela, um governo legitimamente eleito, e substituí-lo por autoridades alinhadas com o programa neoliberal e com os interesses imperialistas sobre o petróleo do país."

O Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) tem, no entanto, uma abordagem mais pragmática. Um documento recente da agência afirma que "nem todos os venezuelanos que estão deixando o país o estão fazendo por razões relacionadas ao refúgio", mas que, "independente dos fatores que os levaram a sair do país, considerações de proteção internacional de acordo com os critérios para refugiados contidos no Protocolo de 1951, na Convenção de 1967 ou na Declaração de Cartagena de 1984 se tornaram claras para uma proporção muito significativa dos venezuelanos."

Quanto à ideia de se fazer campos de refugiados no Brasil, Luis Fernando Godinho, porta-voz do Acnur no Brasil esclarece, em entrevista à coluna, que "a abordagem utilizada para receber os venezuelanos é o modelo de abrigos temporários" e acrescenta que "não há discussão ou intenção de se fazer campos de refugiados no Brasil. A abordagem é de proteção e integração."

Enquanto a situação de dezenas de milhares de venezuelanos se agrava a cada dia, a urgência da crise não recebe a devida atenção da opinião pública. Parte da liderança da nova direita adota um discurso nacionalista, xenófobo e nada solidário, rejeitando o acolhimento. No outro lado do espectro, lideranças progressistas preferem não discutir a questão dos venezuelanos porque isso levaria a esquerda a se dividir sobre a natureza da crise na Venezuela e o apoio ao regime de Maduro.

Entre a indiferença e o ódio, os venezuelanos que vieram ao Brasil seguem enfrentando a fome, a doença e o desamparo.

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