Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Notícias falsas desafiam equilíbrio entre direito eleitoral e liberdade de expressão

Na maioria dos casos relevantes, a determinação da veracidade ou falsidade do que é relatado é difícil e polêmica

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O Facebook acaba de repassar à justiça eleitoral os dados de identificação do autor da página que publicou notícias consideradas falsas acusando a pré-candidata à presidência Marina Silva de ter recebido propina, de ter feito caixa 2 e de estar sendo investigada pela operação Lava Jato. A medida, que atende a determinação judicial, é controversa e mostrou os desafios de equilibrar direito eleitoral e liberdade de expressão.

Na decisão, o juiz Sérgio Banhos, atendendo pedido da Rede Sustentabilidade, determinou a remoção da publicação de quatro notícias pela página "Partido Anti-PT" e o fornecimento dos dados de identificação do operador da página. 

Ao apresentar seus motivos, o juiz disse que as críticas e notícias foram publicadas de maneira anônima e que as acusações contra Marina Silva não tinham comprovação. Além disso, ressaltou que a página tem muitos seguidores e que, portanto, a publicação poderia causar "graves prejuízos" e também que as notícias do site compartilhado pela página apresentam padrões estilísticos associados à difusão de notícias falsas.

 Marina Silva gesticulando durante palestra
A pré-candidata Marina Silva (Rede) durante palestra para o setor industrial em São Paulo - Miguel Schincariol - 18.jun.2018/AFP

A decisão é bastante controversa porque retira do Facebook matéria de natureza noticiosa, o que poderia ser entendido como restrição à liberdade de imprensa e censura. 

Há pelo menos três questões sensíveis envolvendo a decisão: o apelo ao anonimato como justificativa para a retirada da publicação; a dificuldade e os riscos da justiça eleitoral determinar a verdade ou falsidade de uma notícia; e, finalmente, a ascensão da notícia falsa enquanto forma, substituindo, em parte, a forma boato.

Embora a resolução do TSE que regulamenta a propaganda eleitoral diga explicitamente que "a ausência de identificação imediata do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção de conteúdo da internet", o anonimato, casado com a aparente inverdade das alegações e o alcance da publicação fundamentou a medida liminar de retirar o conteúdo.

Mas o que torna uma publicação anônima? As matérias em questão foram publicadas por um site de notícias antipetista chamado "imprensa viva" que é um dos sites noticiosos com maior alcance no Facebook. Suas matérias são semeadas (ou seja, lançadas para depois serem compartilhadas) por um conjunto de páginas de Facebook superengajadas como a "Partido Anti-PT" e a "Lula no Xadrez" que se dedicam praticamente apenas a publicar as matérias do site (esse padrão mudou depois da decisão judicial de 7 de junho, no que parece um esforço para esconder essa relação). 

As páginas do Facebook não tem declaração de autoria e o site não tem expediente. Mas isso é suficiente para declarar uma publicação anônima? De fato, o site e as páginas em questão fazem o possível para permanecer nas sombras, já que inúmeros jornalistas investigando o universo dos chamados "sites de notícias falsas" tentaram contatar seus operadores, sem sucesso. Mas o juiz, aparentemente, não tinha ciência deste fato. 

Será que qualquer site que não tenha matérias assinadas ou liste o expediente deve ser considerado automaticamente anônimo? A própria resolução do TSE, no artigo 33, não diz que só pode ser considerada anônima a publicação cuja autoria não puder ser determinada após pedido de identificação do usuário, tal como o que foi feito ao Facebook? 

Também controversa é a suposição de que cabe a justiça eleitoral determinar a veracidade de matérias noticiosas. 

Embora existam vários casos nos quais a veracidade ou falsidade do que é relatado é facilmente comprovável, na maioria dos casos relevantes, a determinação é difícil e polêmica. 

Como mostrou Ricardo Balthazar, em artigo na Folha, várias das informações mencionadas nas matérias do "imprensa viva", compartilhadas pela "Partido Anti-PT", foram noticiadas antes pela Folha e pelo Globo. Se havia algo de flagrantemente falso nelas não era exatamente o conteúdo da matéria, mas a manchete que insinuava coisas que não eram respaldadas pelo texto –caixa dois, propina e investigação pela Lava Jato. 

Por um lado, é preciso lembrar que, na dinâmica do jogo político nas mídias sociais, é a manchete que conta e não o texto. É a manchete que é a mensagem compartilhada, já que apenas uma pequena parcela dos usuários clica no link e sai do Facebook. Isso faz com que uma proporção grande da informação jornalística que é consumida por meio das mídias sociais seja apenas a manchete e as primeiras palavras do texto que aparecem como sumário. Apesar disso, será que cabe mesmo à justiça suspender uma matéria porque a manchete está em desacordo com o texto ou porque é exagerada ou imprecisa?

É exatamente porque censurar notícias tem enormes implicações para a liberdade de imprensa e para a liberdade de expressão que o jogo sujo político está migrando da forma boato para a forma notícia falsa. 

Nos dois casos se trata de informação falsa ou não verificada, apresentada como se fosse verdadeira. A diferença é que enquanto no boato a credibilidade é respaldada por um testemunho (alguém que tem acesso a uma informação reservada e a revela ao mundo), na notícia falsa o que confere credibilidade à informação é que ela supostamente passou por uma apuração jornalística –é por isso que, na chamada "notícia falsa", mesmo a mais alucinada inverdade tem manchete, lide e aspas, simulando a forma jornalística. 

Para tornar tudo ainda mais difícil, os chamados "sites de notícias falsas" não fazem predominantemente "notícias falsas", se ocupando, principalmente, de fazer uma comunicação hiperengajada –que mais enviesa, distorce e exagera do que mente.

O desafio para a justiça eleitoral é entender que impedir que boatos influam nas eleições e censurar as chamadas "notícias falsas" não são a mesma coisa. As implicações para as liberdades civis são óbvias e é, sabendo disso e contando com isso, que as principais forças políticas já constituíram seus ecossistemas de sites noticiosos para fazer o embate político no período eleitoral.

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