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Descrição de chapéu Auxílio Brasil

Tirar Brasil do Mapa da Fome será agenda central de Lula, diz ex-ministra petista

Economista Tereza Campello afirma que Bolsonaro criou 'auxílio segundo turno' com novo programa

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São Paulo

Ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello diz ao Painel que tirar o Brasil do Mapa da Fome será agenda central de um eventual novo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O PT tem debatido internamente a recriação do Bolsa Família e as políticas de combate à fome e à insegurança alimentar, e Campello é a principal referência no partido na discussão. Ela destaca contudo, que o debate ainda deve evoluir e passar por diversas instâncias partidárias antes de ganhar contornos definitivos.

A economista diz que a situação atual é mais difícil do que quando o programa foi criado, em 2003.

A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, em entrevista à Folha
A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, em entrevista à Folha - Alan Marques-18.dez.2015/Folhapress

"Quando o Lula disse que ia nos tirar da situação da fome em 2003, muita gente disse que era panfletário. E nós fizemos. Foi possível sair do Mapa da Fome. Todo mundo dizia que era demagogia. Fizemos. E vamos fazer de novo. Agora é mais difícil, a situação está mais deteriorada, tem menos meios no Estado, mas temos conhecimento e institucionalidade. É possível sair novamente do Mapa da Fome. Essa vai ser a agenda central", afirma.

O país voltou ao Mapa da Fome em 2018 e, em 2021, registrou 55,2% da população convivendo com a insegurança alimentar, segundo pesquisa da Rede Penssan. Campello lembra que, quando Lula assumiu a Presidência, em 2003, a taxa era de 35%.

A ex-ministra se refere ao Auxílio Brasil, criado pelo governo Jair Bolsonaro com o propósito anunciado de substituir o Bolsa Família, como "auxílio segundo turno", um benefício para ajudar o presidente em seus objetivos eleitorais, mas sem efetividade no combate à pobreza.

"O objetivo é maquiar a pobreza no período. Chamo de auxílio segundo turno. Uma forcinha para chegar lá e reduzir a rejeição, mas não tem impacto estrutural na pobreza", diz.

A ex-ministra afirma que um auxílio do tipo não pode se restringir à transferência de renda, e, nesse sentido, a reconstrução do Bolsa Família faria parte de um pacote que envolveria também a retomada do investimento público, a criação de empregos, a revisão da reforma trabalhista e a implementação de políticas sociais combinadas, como, por exemplo, ações na área da segurança alimentar.

"Não é um projeto de curto prazo, não é pirotecnia eleitoral", afirma. "Você tem uma grande desorganização do mercado de trabalho que responde pela pobreza. Não é só quem está desempregado que é pobre. Hoje quem está trabalhando é pobre também. Você tem que olhar para isso de forma conjunta, e com isso construir uma linha para saída da situação", acrescenta.

Ela cita como exemplos da precariedade os trabalhadores de aplicativo, "sem direitos, comendo mal, sem garantia de dignidade às famílias". Como mostrou o Painel, o PT tem dedicado atenção especial ao debate sobre essa categoria.

"Tem que existir uma vinculação desse conjunto de medidas a políticas sociais. Ações na área de segurança alimentar, por exemplo, como o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], da merenda infantil", ilustra a ex-ministra.

"‘Ah, vamos centrar em transferência de renda’, dizem. O PNAE alimenta 43 milhões de crianças no Brasil cinco dias por semana. Se você reconstruir o PNAE, com fiscalização, associado ao programa de transferência de renda, você vai ter impacto imediato na desnutrição infantil no Brasil", complementa.

Para além de encarar as atuais falhas de articulação com as redes assistenciais e municipais e a falta de fundamentação técnica e de embasamento na definição do público-alvo, a ex-ministra diz que o "novo Bolsa Família" precisa passar por uma ressurreição conceitual.

"O conceito que organiza o Auxílio Brasil é o de que a pessoa é pobre porque ela é vagabunda. É a única coisa que pode explicar eles terem feito um programa baseado no estímulo. Eu construo todo um programa onde o conceito de eu te passar um recurso é te estimular a procurar um emprego. O que eu estou dizendo com isso? Que você não está procurando emprego", critica.

"O conceito de desempregado não é o de quem está em casa, deitado. As pessoas, em sua maioria, não estão trabalhando e gostariam de trabalhar. Está embebido no preconceito contra os pobres", completa.

Ela afirma que o conceito defendido pelo PT é o de que os programas não substituem nem desestimulam o trabalho, mas são um elemento protetivo, "que garante alívio da pobreza, complemento de renda e uma porta de entrada para acessar o Estado e outras políticas".

Para a ex-ministra, um novo programa de transferência deverá contar com salvaguardas legais para proteger os beneficiários da defasagem, como tem acontecido nos últimos anos.

"A gente não tinha estabelecido uma atualização automática da linha de pobreza e de atualização dos benefícios porque a gente vinha fazendo atualizações estruturais", explica.

Outro aperfeiçoamento possível que tem sido debatido, diz a ex-ministra, é a atenção para públicos mais frágeis do que outros, que passam por desproteções específicas, como indígenas e mulheres negras.

"A severidade da pobreza para alguns públicos é muito maior do que outros. Mulheres negras. Tem olhares que a gente deveria trilhar para além de ter um programa com desenho universal", afirma.

A reativação e ampliação do Bolsa Verde, programa de transferência de renda que remunerava famílias em situação de extrema pobreza por serviços ambientais, como ribeirinhos, quebradores de coco, extrativistas, também deve fazer parte do escopo de aprimoramentos da rede de proteção, defende a ex-ministra.

Campelo prevê ainda um desafio adicional, pensado para um cenário em que o pacote de iniciativas do PT tenha as consequências esperadas.

"Retoma o investimento público, gera emprego, entra com programa robusto de transferência de renda, entra com outras ações protetivas. Nesse cenário, vai faltar comida. Temos que ficar preocupados com isso", diz.

Em artigo publicado na Folha com os pesquisadores Ana Chamma e Gerd Sparovek , a ex-ministra destacou que a disponibilidade per capita de arroz feijão e mandioca despencou 35% de 1988 a 2020. Dessa forma, uma retomada do crescimento pode esbarrar em uma oferta insuficiente de alimentos.

"Há que se recuperar o crédito para a agricultura familiar. É um perigo privatizar a Embrapa, não ter investido em Ceasas, privatizar a gestão de armazéns da Conab. Temos que criar um conjunto de políticas para janeiro de 2023 para permitir a retomada da produção de alimentos", conclui.

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