Ao determinar novamente o uso obrigatório de máscaras em aeroportos e aviões no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) optou por seguir o entendimento de especialistas ligados à equipe de transição e ao presidente eleito, Lula, contrariando o parecer de sua área técnica.
A decisão levou em conta posicionamentos externos, levados ao órgão em reunião na véspera do julgamento, cujo placar foi de quatro votos a favor da medida, contra um. As novas regras entraram em vigor nesta sexta (25).
Na segunda (21), um grupo de 13 experts esteve com toda a diretoria do órgão para discutir o cenário epidemiológico no país. Nessa reunião, conforme o voto do diretor Alex Machado, que conduziu o julgamento, todos concordaram em que "a obrigatoriedade da máscara nesse momento é uma medida de saúde pública de importância coletiva e que pode significar, assim, a minimização dos riscos de contaminação".
A Fiocruz, que participa da transição, se fez representada pelo seu vice-presidente, Marco Aurelio Krieger. A presidente da fundação, Nísia Trindade Lima, é uma das integrantes da equipe nomeada pelo governo eleito, na área da saúde.
A entidade foi citada no voto de Machado por reforçar a necessidade de uso de máscaras em locais fechados, aglomerados e com pouca ventilação.
Também esteve presente na reunião a epidemiologista Ethel Maciel. Embora não integre a equipe de transição, ela declarou voto em Lula e também foi citada por Machado.
"No Brasil, entidades médicas e especialistas voltaram a recomendar o uso de máscaras, principalmente em locais fechados e para pessoas com comorbidades, além de idosos. Cito, por exemplo, a doutora em epidemiologia Ethel Maciel, que destaca ser importante a volta do uso de máscaras em locais fechados", afirmou o diretor.
A resolução da Anvisa foi decidida a despeito de um longo relatório, com posição contrária, assinado pelo gerente-geral de Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados, Bruno Gonçalves Rios, além da gerente de Gestão da Qualidade e Risco Sanitário em PAF, Camila Rediguieri, e duas especialistas em Regulação e Vigilância Sanitária.
O argumento do grupo, chancelado pelo diretor responsável pela relatoria do caso, Daniel Pereira, envolveu menções, entre outras, à posição do Centers for Disease Control and Prevention, do governo dos Estados Unidos, que, desde abril deste ano, não obriga mais o uso de máscaras em meios de transporte, e à Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), que indica que as companhias em todo o mundo adotem a política que entenderem mais apropriada, em conjunto com seus funcionários.
O relatório também cita dados de casos de covid-19 no Brasil para mostrar que o nível de contaminação atual é menor do que o verificado quando a Anvisa, em 17 de agosto, tomou a decisão de suspender a obrigatoriedade do uso de máscaras nas aeronaves.
Em sua conclusão, a área técnica da Anvisa não sugeriu a volta da obrigatoriedade, mas apenas a "alteração dos informes sonoros para maior ênfase ao uso de máscaras faciais", a obrigatoriedade de divulgação, nos sites das companhias aéreas e de empresas de turismo, da recomendação de uso de máscaras, e a recomendação para que o setor de comunicação da Anvisa reforce a recomendação do uso das máscaras.
No julgamento, apenas o diretor Daniel Pereira, relator do processo, encampou o parecer da área técnica e foi contra a obrigatoriedade. Ele está no carro desde agosto, após exercer o cargo de secretário-executivo do Ministério da Saúde não governo Jair Bolsonaro. Machado abriu divergência e foi acompanhado em seu voto pelos demais diretores.
A decisão se deu em meio a acenos do diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, à equipe de transição do novo governo e um histórico conturbado com o governo Bolsonaro.
Na manhã seguinte à aprovação da resolução, a diretoria da Anvisa esteve reunida com a equipe de transição no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) "para as primeiras exposições e conversas a respeito do trabalho da nossa agência", como disse o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, ao finalizar a reunião da agência na última terça-feira.
Após o encontro, em entrevista, Barra Torres afirmou que espera ter uma "ótima relação" com o novo governo. "As minhas expectativas são as melhores possíveis", disse. O coordenador do grupo de trabalho da saúde, senador Humberto Costa (PT-PE), já afirmou que o governo eleito priorizará a realização de concurso público para a Anvisa.
Empresas ficam ‘no ar’
As companhias aéreas afirmam que irão cumprir a decisão, mas, sem uma resolução "mais forte" da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) ficam numa situação de incerteza sobre diversos procedimentos operacionais.
Os executivos das empresas querem distância da politização do assunto, mas afirmam, reservadamente, que a resolução da Anvisa não lhes dá poder para barrar um passageiro que, por exemplo, embarcar sem máscara. Outra dúvida é o que fazer com estrangeiros, que voam por companhias onde as regras são diferentes. Para isso, ainda segundo esses empresários, seria preciso que a Anac retornasse com os protocolos da pandemia, por exemplo. Ou seja, a volta da obrigatoriedade trouxe um impasse.
Julio Wiziack (interino) com Paulo Ricardo Martins e Diego Felix
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