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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Denúncia de assédio na Capes expõe suposto favorecimento a grupos de educação

OUTRO LADO: Instituição nega acusações e diz que Corregedoria não viu materialidade no caso; diretor não respondeu

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Brasília

Presidida por Mercedes Bustamente, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), tornou-se um ambiente de assédio moral contra mulheres que, há três meses, denunciaram não só os abusos como supostas impropriedades na avaliação de cursos de pós-graduação, um negócio extremamente rentável para os principais grupos educacionais do país.

A Corregedoria da instituição, no entanto, não viu materialidade para tomar providências.

Mercedes Bustamante toma posse como presidente da Capes
Mercedes Bustamante, presidente da Capes; diretor da instituição é alvo de denúncia de assédio contra mulheres - 20.mar.2023-Divulgação/Capes

O Painel S.A. teve acesso à denúncia, assinada pela Liga das Amigas da Capes, um coletivo que não se identifica individualmente por temer mais represálias. Elas dizem depender do cargo, porque são arrimos de família. A coluna também ouviu algumas das mulheres, reservadamente.

Boa parte do grupo é formada por profissionais com doutorado em suas áreas de atuação.

A carta foi entregue à presidente da instituição, Mercedes Bustamante, com cópia enviada ao ministro da Educação, Camilo Santana, e ao ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Carvalho.

Semanas após o recebimento, Bustamante anunciou um programa de prevenção ao assédio na Capes, sem fazer qualquer relação com o caso.

Mas isso não adiantou, porque os abusos, segundo relatos ouvidos pela coluna, persistem.

Amigo da presidenta

A Liga conta somente por mulheres e, em boa parte, integrantes do corpo administrativo ou de comissões da Capes.

Os relatos da Liga criticam a atuação do diretor do Diretor de Avaliação, Paulo Parreira dos Santos, amigo de longa data da presidente da Capes [Bustamante gosta de ser chamada de presidenta] e companheiro de comissões na área de Biodiversidade, protagonista dos ataques e, ainda segundo os relatos, um bolsonarista que interfere na governança estabelecida no processo de avaliação para favorecer grupos de seu interesse.

A Diretoria de Avaliação é o coração da Capes, porque decide quais universidades podem e quais não podem ter cursos de pós-graduação, especialmente à distância —hoje o negócio mais rentável do ramo da educação.

Uma delas relatou sofrer tanta intimidação nas reuniões que cogita deixar o órgão e ir para o setor privado.

Na semana passada, uma representante da sociedade civil que é conselheira do Conselho Técnico Científico da Educação Superior (CTC-ES), colegiado responsável pela aprovação de cursos e pela avaliação na Capes, abandonou a reunião desse órgão aos prantos, algo comum na rotina dessas mulheres.

Na denúncia, a Liga acusa Parreira dos Santos de interrompê-las em suas falas durante reuniões, em intimidá-las publicamente como se fossem burras, de coagi-las para que votassem seguindo seu interesse.

"Íntimo colaborador com a gestão Bolsonaro, com perfil bolsonarista (ele apagou as postagens das redes sociais, mas nós temos os prints), ele tem dado todas as bandeiras de sua postura machista, assediadora moral e de gênero, com práticas recorrentes de manterrupting [quando um homem interrompe a fala de uma mulher antes de ela terminar], broprianting [quando um homem se apropria da ideia de uma mulher sem dar crédito a ela], gaslighting [abuso psicológico em que informações são manipuladas, distorcidas ou omitidas] e mansplaining [quando um homem explica algo que é óbvio para uma mulher]. Somos recorrentemente agredidas com linguagem verbal, interrompidas, cortadas em nossas falas, sujeitas a explicações de coisas óbvias como se fôssemos ignorantes ou ingênuas", escrevem na carta.

Canetadas

Além do assédio, elas acusam Parreira dos Santos de ter convencido a presidente da Capes a recriar um comitê de assessoramento, algo que nem na gestão de Jair Bolsonaro foi levado adiante.

Esse comitê, ainda segundo o relato, é formado por duas pessoas "nada a ver", segundo a Liga, chamados de "ad hoc", que, "com uma canetada", anulam o trabalho de meses dos comitês, que analisam os recursos das universidades.

"Todos os recursos da Capes passam para o Conselho Superior da Capes por uma comissão assessora. Os consultores de cada área (comissões de 20 a 50 pessoas) elaboram pareceres que são votados nas comissões da área. Esse trabalho é depois submetido aos colégios e ao CTC-ES. As discussões levam semanas", relatam.

"Isso foi posto por terra porque os recursos são analisados por 2 "ad hoc", muitas vezes sem experiência na área ou ligados a interesses econômicos e políticos. Esses 2 "ad hocs" elaboram um parecer e com base nele o conselho Superior destrói tudo que as áreas, o CTC-ES fizeram de uma canetada só."

As acusações não param aí. A Liga levanta ainda suspeitas de conflitos de interesse na escolha dos integrantes dessa Comissão Assessora. Uma portaria da Capes criou barreiras para impedir, por exemplo, que um ex-reitor pudesse fazer parte da comissão. Tudo para evitar favorecimentos.

A Liga nomeia seis membros da comissão assessora que integraram ou integram o grupo e que votaram em casos envolvendo as instituições onde tinham atuado. "Se for passado um pente fino em todos os nomes vão aparecer mais conflitos de interesses ou exercício de atividades de funções incompatíveis ou interesse em recursos que estão na comissão assessora de sua própria IES".

Por fim, acusam Parreira dos Santos de pressionar os dirigentes da Capes a mudarem seus pareceres, mesmo contrariando posições da área, dos colégios e do CTC-ES. "Quando a parecerista era mulher a pressão era maior", afirmam. "Temos áudio dessa reunião."

O Painel S.A. confirmou a existência da gravação em que o diretor interrompe diversas vezes uma das integrantes de uma reunião, além de desqualificar seus argumentos em uma tomada de decisão sobre cursos.

Outro lado

Por meio de sua assessoria, a Capes afirmou ter recebido a carta de forma anônima e encaminhada à sua Ouvidoria e Corregedoria.

"Em outubro, o documento foi devidamente analisado e arquivado no âmbito da Corregedoria com informação à Ouvidoria", disse a instituição em nota. "Segundo avaliação da Corregedoria, as suposições expostas na mensagem, por serem genéricas e não apontarem vítimas e fatos específicos relativamente à suposta prática de assédio denunciada, não apresentam indícios mínimos para a materialidade e autoria de atitude ilícita da administração para que fosse, naquele momento, instaurado qualquer procedimento investigatório contra os agentes públicos."

No entanto, a Capes informa que a Corregedoria deixou aberta a possibilidade de nova análise, caso surjam novas informações ou evidências.

Sobre a Comissão Assessora, a Capes nega que ela faça a avaliação de decisões do Conselho Superior e informa que ela é formada por docentes com formação e experiência nas áreas de avaliação.

"A relação dos seus integrantes consta da Portaria 80, de 2 de maio de 2023. Seus currículos e experiências são públicos e podem ser consultados por meio da Plataforma Lattes", diz. "A competência para decidir sobre recursos das decisões do CTC-ES é da Presidente da Capes. Não procede a informação de que a Comissão Assessora tenha competência para decidir sobre os recursos das decisões do CTC-ES. A Comissão emite parecer para auxiliar a deliberação no Conselho Superior, que pode se manifestar de maneira contrária ao Parecer da Comissão Assessora, de forma fundamentada."

A Capes diz ainda que "os recursos, quando encaminhados para os integrantes da Comissão Assessora, não são distribuídos para os que tenham vínculos com as instituições que estejam recorrendo. Tal medida visa evitar o conflito de interesse."

Por fim, informa não possuir registro de que tenha ocorrido vazamento de pareceres da Comissão Assessora.

A coluna solicitou à Capes posicionamento do diretor Paulo Parreira dos Santos a respeito das acusações feitas pela Liga, mas não obteve resposta.

Com Diego Felix

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