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Conhecimento a serviço da transformação social

Experiências com agricultores e lideranças comunitárias no sertão nordestino mostram que é preciso prudência com as palavras

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José Dias

Formado em ciências econômicas, é coordenador e captador de recursos do Centro de Educação Popular e Formação Social (Cepfs). É empreendedor social da Ashoka e da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.

Na década de 1980, quando surgiu o CEPFS, então chamado Centro de Educação Popular e Formação Sindical, um dos sócios fundadores programou e desenvolveu cursos sobre economia, com a participação de agricultores e lideranças comunitárias.

Na época, vivenciava-se um período forte de inflação e indexação. Por essa razão, estas duas palavras foram muito pronunciadas nos cursos. Depois, passei a ouvi-las em conversas com pessoas que não haviam participado da formação.

"O que o senhor compreende por indexação?", questionei à época a um senhor, que respondeu no linguajar popular da região: "Não é que tu me pegaste?".

Mulheres do município de Teixeira, na Paraíba, fazem parte de projeto do CEPFS para fortalecer agricultura familiar
Mulheres do município de Teixeira, na Paraíba, fazem parte de projeto do CEPFS para fortalecer agricultura familiar - Renato Stockler/Na Lata

Ele apenas repetia o que tanto escutou no curso, que pode ter avaliado como bonito, mas não compreendia o que significava. As palavras não eram referências para atitudes de mudança com outras pessoas.

A partir desse contexto, entendi a importância do cuidado com falas e expressões nos diálogos, nas reuniões, rodas de conversas e palestras nas comunidades em que atuamos.

Uma palavra pode ser bonita, mas seu real significado para quem escuta pode ser como a letra de uma música em inglês ou espanhol, uma grande parte dos que escutam não compreende seu sentido. A melodia é bonita, mas o significado da letra não se constitui como referência, não inspira possibilidades de novos conteúdos, inovações.

Isso vale também para termos atuais. Agroecologia, por exemplo. Didaticamente, nas rodas de conversa, nas atividades de formação de base e nas palestras é prudente que, ao se falar determinada palavra —por exemplo, cultivos agroecológicos—, se faça a indagação: o que se compreende sobre isso?

Essa atitude pode facilitar o diálogo na construção coletiva do conhecimento, como fruto da comunicação falada. E o entendimento do sentido da fala pode potencializar a comunicação como canal para transformações sociais.

Por meio da fala há possibilidades de aprendizados, mas para isso é fundamental que a mensagem possa ser compreendida, que possa servir como evidência e orientação, gerando novas atitudes na vida de cidadãos e cidadãs.

No passado, em missas católicas, o celebrante se colocava de costas para a assembleia e falava em latim. Nesse caso, o que a maioria dos fiéis compreendia? Costuma-se dizer: "fulano tem o dom da palavra, fala bem", embora não haja compreensão real do sentido do que foi dito ou falado.

Nem sempre é de interesse de quem fala ou escreve bonitas palavras que os receptores compreendam o real sentido da mensagem. Às vezes, a preocupação é causar boa impressão, arrancar aplausos.

Nem sempre é de interesse de quem fala ou escreve bonitas palavras que os receptores compreendam o real sentido da mensagem

José Dias

Coordenador do Centro de Educação Popular e Formação Social

É preciso ainda um cuidado especial para transmitir ideias, pensamentos e experiências. Por exemplo: uma pesquisa é feita na comunidade e, na apresentação dos resultados, usa-se termologias não conhecidas das famílias. Nessas circunstâncias, não serve como referencial para mudanças e novos comportamentos.

É evidente que nem sempre é proposital, mas é importante exercitar a capacidade de escuta para formulação de bons conteúdos por meio de linguajar adequado, buscando a eficácia no processo de comunicação.

Assim, o conhecimento estará a serviço de referenciar novos conhecimentos, inovações e reaplicações.

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