Não é a primeira vez que o Brasil sedia um grande evento, inclusive ambiental. Também não será a primeira vez que a região amazônica é palco de um deles. Mas talvez possamos ressaltar o ineditismo da escolha da capital paraense e a importância de uma COP no cenário de crescente apreensão com as questões climáticas.
Como profissionais de turismo que já atuam no local, a notícia de Belém como sede nos animou por entendê-la como um espaço propulsor da cultura amazônica, com sua rica gastronomia, música, dança e hospitalidade.
Ao mesmo tempo, sabemos da importância de aproveitar a COP para a estruturação do turismo e evitar que lacunas da oferta turística venham a ser preenchidas por demandas fugazes da conferência, sem consideração às necessidades para além dela.
É necessário enfatizar que os impactos de grandes eventos nas localidades que os sediam podem ser muito diversos. Extremamente positivos, quando, por exemplo, geram trabalho, renda e legados estruturais. Ou altamente negativos, deixando prejuízos, obras inacabadas ou mesmo contas a pagar ao final. Obviamente, o planejamento na fase prévia ao evento é fundamental para seu sucesso.
Temos exemplos recentes de megaeventos esportivos no país (Copa 2014 e Olimpíadas 2016), cuja avaliação é positiva para entrega e negativa para o legado. Nós brasileiros sabemos encantar os convidados com nossas festas, mas os bastidores escondem falhas a corrigir. Estes eventos deixaram estruturas mal dimensionadas, hoje abandonadas ou mal geridas, setores que foram estimulados a crescer sem demanda pós-evento.
Belém é um município composto por cerca de 40 ilhas, onde encontram-se dezenas de comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas.
Segundo nossa parceira local, a turismóloga e operadora de turismo Ana Gabriela Fontoura, da Estação Gabiraba, "o turismo de base comunitária no Pará tem um enorme potencial de fortalecer a bioeconomia".
"Isso pode ser observado nos resultados das iniciativas que, historicamente, prosperaram por persistência de comunitários e pequenos empreendedores, apoiados na maioria das vezes por ONGs. Mas para este trabalho ecoar de forma ampla, ainda carece de investimentos e políticas públicas que acompanhem o caráter inovador da atividade".
Essa situação acende o alerta para uma preparação adequada para a próxima COP. Queremos que a Amazônia seja vivenciada a partir do seu melhor, que são as tradições e culturas das suas comunidades. É preciso que elas sejam protagonistas dessa visitação para que se apresentem segundo seus próprios parâmetros, escolhas e linguagem. Isto é, não sejam objetificadas à luz de operações externas, descoladas da realidade e sabedoria local, ou visitas sem a organização e o cuidado da mediação.
Falamos em mediação porque no caso de comunidades é interessante que a ponte entre elas e os visitantes seja feita por operadores receptivos locais. O papel desses agentes é preparar o visitante para o tipo de experiência que encontrarão.
Preparação não apenas prática —vestimenta, alimentação e controle de riscos—, mas abordando questões subjetivas de como se portar respeitosamente na interação. Eles também preparam a outra ponta, a comunidade, gerando agendamentos com antecedência e restringindo o número de turistas. São eles que garantem que o encontro entre visitantes e visitados ocorra de forma proveitosa e segura para ambos.
Em Belém hoje há poucas operadoras de turismo local e a maior parte não comercializa turismo em comunidades. O aumento do fluxo de visitantes sem uma melhora qualitativa na governança local e na gestão do turismo como potencializador da sociobiodiversidade pode ter efeito oposto.
Nestes casos, o turismo gera conflitos e disputas internas, concorrência predatória entre operadores e comunidades, gourmetização e espetacularização das tradições com perdas irreparáveis para a cultura.
Pensando nisso, a RaízesDS e a Diaspora.black desenharam um processo para o fortalecimento das operadoras de receptivo locais (pequenos empreendedores) e acompanhamento das comunidades que já operam ou desejam operar o turismo no entorno de Belém. O projeto ainda se encontra aberto para adesão de outros parceiros, pois entendemos que esse jogo precisa de um grande time.
A única aproximação que esperamos entre COP e Copa é marcar dois gols.
O primeiro é garantir que os benefícios do turismo impulsionados pela COP fiquem com os empreendedores locais que já atuam e que seguirão atuando pós-evento —afinal, sustentabilidade é sobre legado.
O segundo é que as comunidades sejam protagonistas do jogo. É preciso que eles sejam mais que uma bela e exótica bola rolando ao bel-prazer dos espectadores, e figurem como os craques de seu próprio espetáculo.
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