'Práticas regenerativas', espécie de novo ESG, miram turismo de luxo brasileiro

Propósito, responsabilidade e transparência são algumas das estratégias que podem impactar ambiente; temas marcam encontro em Ibitipoca (MG)

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Lima Duarte (MG)

Cachoeiras emblemáticas, praias paradisíacas e a maior floresta tropical do mundo compõem aquele cenário "bonito por natureza", imortalizado na voz de Jorge Ben Jor, mas ainda falta ao Brasil lidar melhor com as questões ambientais para ingressar no seleto time que tem como primazia aliar turismo de luxo à preservação do planeta.

Esse foi o mote que pautou as discussões do encontro com representantes de hotelaria, numa área ligada ao parque estadual do Ibitipoca, em Lima Duarte (MG), no fim de março. O amplo espaço de mata atlântica do Ibiti Projeto, ambiente que engloba hotelaria, gastronomia e preservação ambiental, serviu como palco para fomentar essas e outras discussões.

Cerca de trinta participantes do encontro se reúnem em frente à escultura de ferro com nove metros de altura, posicionada no alto da serra. Ao fundo, demais montanhas da Mata Atlântica mineira compõem o cenário.
Encontro sobre práticas mais sustentáveis reuniu representantes do turismo de luxo brasileiro no Ibiti Projeto, em Minas Gerais - Reprodução/Vanessa Dantas

Vale lembrar que o Brasil ocupa a 54ª posição entre os países que mais investem em turismo sustentável no mundo, de acordo com a Sustainable Travel Index, da Euromonitor, referência nesse quesito global.

"O turismo regenerativo vem como uma espécie de evolução e ressignificação do turismo sustentável", afirmou Martin Frankenberg, conselheiro da Associação Brasileira de Turismo de Luxo (em inglês a sigla é chamada de BLTA) e empreendedor do ramo.

Do alto de uma área verde colada ao parque e com esculturas de ferro de 9 metros de altura, Frankenberg foi um dos 35 diretores, executivos e representantes de grupos hoteleiros de luxo, como Belmond, Emiliano e demais membros da BLTA, que participou das discussões.

Foi na melhor ocasião possível, no equinócio de outono visto do alto da serra mineira, que o termo "regenerativo" ganhou protagonismo.

Preservar já não é mais o suficiente, explicam os participantes do encontro. Algo precisa ser feito para recuperar aquilo que foi destruído, concluíram.

Hoje, a indústria do turismo global é responsável por 8% das emissões de gases de efeito estufa. Portanto, o propósito de todos ali era um só: fazer com que o país avance no turismo "regenerativo’’, novo nome para práticas mais sustentáveis a serem aplicadas no segmento de viagens sofisticadas.

"O termo regenerativo visa melhorar um destino, não sustentá-lo apenas como ele é", complementa Frankenberg.

Assim como outras palavras vão se modelando e ganhando alterações devido a fatos recentes, outros termos e adjetivos relacionados ao turismo também recebem novas adequações.

"Falávamos em turismo ecológico, depois ecoturismo, que era uma prática de turismo na natureza, e aí veio a questão da sustentabilidade", explicou Simone Scorsato, CEO da BLTA.

As conversas sobre esse "turismo do futuro" também aconteceram dentro de uma oca criada por indígenas do Xingu. O encontro pretende expandir a discussão sobre sustentabilidade para outros setores que trabalham com o turismo de luxo no Brasil.

"É a primeira vez que nos reunimos para trabalhar a questão de ESG de forma mais estratégica, abrangente. A partir da evolução desse encontro, pretendemos impactar e aspirar outros empresários, mesmo dentro da BLTA, para que a gente amplie esse processo de discussão e aumente as ações positivas em cada empreendimento", disse Scorsato.

A BLTA reconhece que dentre os três pilares do ESG (ambiental, social e governança corporativa) o que mais causa dificuldade é o social. Por exemplo, como lidar com a comunidade ao entorno das construções turísticas.

Para ter uma ideia, essa questão foi apontada por 42% dos associados em pesquisa interna realizada pela entidade.

"Trabalhar com a comunidade local não costuma ser fácil. Saber ouvir os moradores é fundamental", afirmou Mariana Madureira, diretora do Raízes Desenvolvimento Sustentável, organização que atua na criação de projetos socioambientais, palestrante do evento.

Apenas três hotéis no Brasil, entre eles o Ibiti Projeto, ostentam o selo de sustentabilidade.

Especialista em gestão ambiental e conselheiro emérito do Sistema B, mecanismo que promete fiscalizar se determinada empresa consegue equilibrar propósito socioambiental, João Bernardo Casali também esteve no encontro de Ibipoca.

Para ele, existe uma maneira de reinventar os negócios. "É isso que o Sistema B se promove a fazer. Os elementos que qualificam uma empresa de impacto socioambiental são o propósito, a responsabilidade e o compromisso com a transparência."

Conseguir o selo B, por exemplo, representa que a empresa está atingindo padrões de desempenho social e ambiental. No caso do Ibiti Projeto, o que colaborou para essa conquista foram as práticas de reflorestamento e refaunação, com a reintrodução de espécies nativas da mata atlântica.

Com espaço para abrigar uma área do tamanho aproximado de 38 parques Ibirapuera, o Ibiti Projeto conserva também a cultura regional mineira, como a de uma comunidade que hoje mantém ali 22 moradores, a Vila Mogol.

Ao todo, Ibiti gera cerca de 330 empregos de moradores da região de Lima Duarte. O município onde situa-se o projeto tem hoje 16 mil habitantes, segundo o IBGE.

"Não somente clientes devem ser considerados", disse Mariana Madureira. "Pensar na comunidade, no poder público, nas unidades de conservação, nos atores envolvidos no projeto, é fundamental para discutir e aplicar as melhores práticas", complementou.

Não resta dúvida de que dedicar-se às práticas ambientais, sociais e de governança é fundamental para que o projeto tenha êxito, concluíram os participantes.

Citaram como exemplo o hotel canadense Fogo Island Inn, considerado um dos exemplos mais importantes nesse segmento regenerativo. Lá, os recursos financeiros gerados pelo empreendimento são distribuídos para a ilha onde ele fica.

Ainda se falou a respeito do Visit Flanders, iniciativa turística implementada pelo governo belga para impulsionar o turismo local que se destaca na cultura flamenca. O propósito é tornar a região um destino inovador e de alta qualidade, favorecendo moradores, empresários regionais e, é claro, turistas.

Na América Latina, Peru e Costa Rica se destacam nas boas ações regenerativas.

"A Costa Rica tem parques organizados de maneira sustentável que atraem turistas do mundo inteiro", contou Simone Scorsato. No Brasil, segundo ela, ainda falta uma estratégia que proporcione uma junção entre excelência no atendimento e qualidade de infraestrutura.

Dados do Ministério do Turismo mostram que 18,6% dos estrangeiros optam por vir ao Brasil devido à diversidade ambiental e cultural. Os participantes do encontro, contudo, disseram que só isso não é o suficiente.

Governos, tanto em âmbito federal quanto estadual e municipal, precisam valorizar o setor como uma atividade econômica com potencial de transformação social também, indispensável para o desenvolvimento do país.

O Brasil caiu do primeiro para o terceiro lugar em recursos naturais no ranking de competitividade de destinos do Fórum Econômico Mundial.

Uma coisa é certa: o turista preocupado com a preservação do planeta está, sim, disposto a pagar mais pelas tais práticas regenerativas, e o Brasil tem capacidade para isso.

O clima de despedida de Ibitipoca, porém, foi o de esperança e otimismo em relação à inclusão do país nesse mapa regenerativo que está em plena expansão.

O arquipélago de Fernando de Noronha, vale lembrar, foi um dos primeiros destinos brasileiros a entrar na lista de casos de sucesso em práticas mais regenerativas, em 2018.

Se Noronha, um dos destinos ecológicos mais fascinantes do planeta, com praias entre as mais lindas do mundo, inclusão e entrosamento social e controle ambiental rigoroso conseguiu, lugares como Amazônia, Rio e Foz do Iguaçu, entre tantos outros, também podem chegar lá.

A jornalista viajou a convite da BLTA (entidade que reúne turismo de luxo) e do Ibiti Projeto.

Erramos: o texto foi alterado

Na primeira versão publicada, o texto chamava de "solstício de outono" o fim do verão e início da nova estação. O correto é equinócio de outono.

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