Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Paula Cesarino Costa

Conversa é entrevista?

Formato de perguntas e respostas não deve ser banalizado; é exigida perícia do repórter

ilustração com caneta em cima de papel
Crédito - Carvall/Folhapress
Paula Cesarino Costa
São Paulo

Na apresentação de uma coletânea da revista Paris Review, o jornalista Philip Gourevitch, antigo editor da publicação, disse que a entrevista em perguntas e respostas —no jargão, chamada de pingue-pongue— é a forma original do jornalismo, da literatura e, provavelmente, de todo o conhecimento.

São o eixo dos "Diálogos de Platão", escritos há mais de 2.400 anos, exemplificou. "A transcrição de conversas parece ser o mais natural tipo de escrita, ainda que a entrevista como gênero seja um fenômeno moderno, avolumando-se a partir da metade do século 20", escreveu.

Repetem-se os depoimentos a jornalistas que entraram para a história. Em 1949, Getúlio Vargas anunciou ao O Jornal seu retorno à política. Em 1969, a atriz Leila Diniz disse ao Pasquim o que pensava a nova mulher brasileira. Em 1978, o presidente João Baptista Figueiredo apresentou na Folha seu conceito de "democracia diferenciada". Em 1992, entrevista de Pedro Collor à Veja desencadeou o impeachment de Fernando Collor, sacramentado com a entrevista do motorista Eriberto França à IstoÉ.

Os exemplos mostram que a entrevista tem temperatura e características jornalísticas próprias. Sem querer fazer comparações descabidas ou anacrônicas, duas entrevistas da Folha neste mês geraram correspondência de leitores.

Em 1º de março, a manchete era entrevista feita pela colunista Mônica Bergamo: "'Eu vou brigar até ganhar', diz Lula sobre candidatura". Em 7 de março, foi publicada entrevista de Fernando Henrique Cardoso ao cineasta Fernando Grostein Andrade, colunista da Folha: "Se pudesse reviver a história, tentaria me aproximar do Lula".

O novo "Manual da Redação" traz recomendações específicas sobre a entrevista pingue-pongue: "Formato que reproduz perguntas e respostas em discurso direto. É reservado a circunstâncias excepcionais, em geral quando o entrevistado —ou o assunto de que trata— está em evidência inequívoca. A transcrição deve ser fiel, mas não necessariamente completa".

É incontestável que as entrevistas de Lula e FHC se encaixam na categoria de personagens de "evidência inequívoca". Tanto a do petista, feita por jornalista profissional, que dá uma aula de como deve ser feita uma entrevista, como a do tucano, levada por um cineasta próximo ao entrevistado, buscavam tirar os políticos da zona de conforto. O leitor é recompensado com declarações incisivas, algumas inesperadas, em diálogo vibrante.

A edição de pingue-pongues, entretanto, tem escapado das condições previstas pelo "Manual". Nas Redações, são vistos como preguiça de editores e repórteres, já que são o caminho mais rápido entre a apuração e a publicação do texto.

Desde o último domingo (4), o jornal publicou 17 entrevistas, 11 delas editadas nesse formato. Difícil encontrar tanta excepcionalidade. Em 8 de março, havia dois pingue-pongues em páginas contíguas. Na A8, Rodrigo Maia, pré-candidato do DEM, dizia: "Serei candidato até o fim mesmo contra Temer". Na A9, foi a vez do novo presidente do mesmo partido, Antonio Carlos Magalhães Neto: "Candidatura de Maia não será do governo".

As entrevistas tinham tópicos semelhantes para os dois entrevistados: frágil intenção de votos do concorrente, aliança com Geraldo Alckmin, apoio ou oposição ao governo Temer. Publicadas lado a lado, nada mais fizeram do que entediar duplamente os leitores.

Entrevistas não podem ter clima de colaboração. Um grau civilizado de confrontação faz-se necessário. As perguntas têm de ser elaboradas de forma a procurar revelar pontos obscuros, ideias mal explicadas, comportamentos questionáveis.

Não se trata de agredir o entrevistado, mas de entabular conversação que resulte em algo novo, além do senso comum.

Entrevistas nesse formato revelam muito do entrevistador. Daí a importância do preparo e da atitude do jornalista. O relato das condições da entrevista, do ambiente em que foi feita e do comportamento do entrevistado enriquece o material. É preciso bom senso para decidir quando há interesse e relevância em contá-lo ao leitor.

A jornalista norte-americana Janet Malcom usa termo de difícil tradução para definir entrevistas ruins: "tape-recorderese". Uma síndrome de transcrição literal de falas gravadas em que o jornalista troca as ideias pela "sintaxe bizarra, as hesitações, os circunlóquios, as repetições, as contradições, as lacunas" de não sentenças. É a literalidade perniciosa.

O "Manual" propõe que a entrevista seja fiel ao entrevistado e suas ideias, mas não precisa ser disléxica, titubeante, desconexa.

Com graça, um ex-ministro dizia que conceder entrevista à Folha costumava ser como andar de bicicleta: por mais seguro que o entrevistado estivesse, volta e meia se desequilibrava e tomava um tombo.

O problema é que entrevistar não é como andar de bicicleta ("depois que aprendeu nunca mais esquece"). Exige preparo e perícia de ciclista profissional. É preciso estar sempre em forma.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do afirmado na primeira versão do texto, o retorno de Getúlio Vargas à politica foi anunciado no O Jornal e não na Última Hora.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.