Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Acendeu-se o sinal laranja

Investigação irretocável e solitária da Folha leva à iminente queda de ministro

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Uma sequência de reportagens publicadas desde o início de fevereiro exclusivamente pela Folha provocou a maior crise do governo Bolsonaro e culminou com a iminente queda do ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), homem forte da campanha presidencial de 2018.

Investigação detalhada e persistente revelou que o PSL, partido de Bolsonaro, adotou práticas irregulares na destinação de verbas do fundo partidário e eleitoral, utilizando candidatas-laranjas e empresas-fantasmas. Presidente da legenda durante a campanha, Bebianno era o responsável formal pelos repasses.

ilustração para coluna Ombudsman
Carvall

A primeira das reportagens (publicada no dia 4) envolvia o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em um esquema de quatro candidatas-laranjas que receberam R$ 279 mil da verba pública da legenda e, juntas, receberam cerca de 2.000 votos. Pelo menos R$ 85 mil foram destinados a quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro.

Outras reportagens relevantes em sequência ampliaram a crise, como a que mostrou que o grupo do atual presidente do partido, Luciano Bivar, destinou R$ 400 mil para uma candidata fantasma, a apenas quatro dias da eleição, tendo esta recebido 274 votos, com o dinheiro sendo desviado para uma gráfica-fantasma.

A Polícia Federal e o Ministério Público abriram investigações e a situação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência começou a se complicar.

A Folha apurou que Bolsonaro teria se recusado a atender um telefonema dele. Bebianno contestou, dizendo ao "Globo" que havia falado três vezes com o presidente. Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, desmentiu o ministro e postou nas redes sociais áudio em que o pai se negava a ter conversas naquele momento. Bolsonaro também disse à Record que Bebianno mentira.

Na guerra de áudios, o então ministro vazou para a revista Veja e para o site Antagonista conversas com o presidente, o que teria sido, enfim, a gota d´água para sua saída.

Depois de conversas, encontros e desencontros, Bebianno amanheceu no sábado (16) praticamente fora do governo. Ponto para a Folha, que iniciou a investigação e a manteve no noticiário sem que os concorrentes se envolvessem nela.

Até que a acusação de Carlos contra Bebianno implodisse o governo, O Estado de S. Paulo e O Globo noticiaram o uso de laranjas na campanha apenas discretamente em suas versões digitais. Quando a crise saiu do campo ético para se tornar crise de governo, os dois principais concorrentes dedicaram espaço em suas versões impressas ao caso, que por fim chegou até o Jornal Nacional, principal noticiário da Rede Globo.

Como já escrevi aqui, o objetivo dos jornalistas não deve ser derrubar ministros, mas sua obrigação é investigar o poder, cobrar e desnudar aqueles que ocupam cargos públicos. No caso em questão, a Folha teve comportamento irretocável. O jornal levou adiante investigação própria, com rigor técnico e equilíbrio.

Parece bastante significativo que a família Bolsonaro não tenha reagido nas redes sociais às revelações sobre as candidatas-laranjas e os desvios de verba pública. Da mesma forma, leitores simpáticos ao presidente Bolsonaro que me escrevem com frequência silenciaram. Sinal de que o jornal fez trabalho de qualidade.

Houve quem comparasse os milhares de reais envolvidos com os milhões investigados pela Operação Lava Jato em desvios de políticos de diversas legendas, do PT ao PSDB, passando por MDB, PP, PR e outros menos cotados. Um argumento é suficiente para derrubar tal queixa: ética e comportamento legal não têm limite mínimo de valores.

Um leitor cobrou do jornal que mostrasse se as candidaturas de laranjas do PSL não poderiam ser o "modus operandi" também de outros partidos.

Na sexta (15), a Folha publicou reportagem, feita a partir do cruzamento de dados da Justiça Eleitoral, que indicava que a prática de criar candidatos-laranjas não é exclusiva do PSL.

Segundo a apuração, 53 candidatos (49 mulheres) de 14 partidos diferentes receberam mais de R$ 100 mil e tiveram menos de mil votos.

Há casos como o de uma candidata estadual do DEM no Acre que recebeu R$ 279, 6 mil e teve 6 votos ou o de outra do PR da Paraíba que teve R$ 1 milhão e conseguiu 491 votos.

A determinação da Justiça Eleitoral de que 30% da verba seja destinada a candidaturas de mulheres faz com elas sejam a maioria dos fantasmas.

No mesmo dia, o Jornal Nacional também divulgaria levantamento muito semelhante.

A maioria dos brasileiros levou ao poder um candidato e um grupo político que prometia ser diferente de tudo o que está aí. A investigação da Folha dá elementos que indicam que não é bem assim.

Isso não exime o jornal de continuar a cobrir e discutir as propostas do novo governo de forma crítica e equilibrada.

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