Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Em defesa da normatização

Reflexão sobre a cobertura de massacres pode criar bases para enfoques responsáveis

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Quarta-feira, 13 de março: dois ex-alunos entram na escola Raul Brasil, em Suzano, e assassinam sete pessoas, entre as quais cinco adolescentes. Antes, matam o tio de um deles.

Quinta-feira, 14 de março: um australiano invade mesquita em Christchurch, Nova Zelândia, atirando e mata 41 pessoas. Depois, em outro templo, mais sete assassinados.

Câmaras de segurança registraram o caso brasileiro. Na Nova Zelândia, as imagens do crime, feitas pelo próprio assassino, foram transmitidas em tempo real pelo Facebook.

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Como a imprensa deve noticiar episódios como esses? Que imagens e informações devem vir a público? Como tratar os assassinos e publicar seu perfil? Divulgar ou não fotos e imagens do massacre? Manifestos e publicações dos assassinos nas redes sociais devem ser reproduzidos para que o perfil de cada um seja traçado ou são ações propagandísticas premeditadas por eles próprios?

As Redações estiveram diante de tais questões —nenhuma delas com respostas simples e diretas— em meio à pressão de informar rapidamente e com precisão a sua audiência.

A decisão da Folha de publicar fotos dos dois assassinos de Suzano ensanguentados e mortos foi muito criticada por uma parte dos leitores.

O jornal também colocou no ar vídeo, editado, com a cena dos dois ex-alunos atirando e dando machadadas dentro da escola. Por outro lado, deixou de dar trechos do vídeo do assassino da Nova Zelândia.

Para muitos leitores, tais imagens não continham informação relevante, eram apelativas, traziam sofrimento e tinham como objetivo apenas ganhar cliques na internet. "As demandas de audiência não podem justificar, jamais, uma atitude tão cruel e sensacionalista", reclamou um deles.

O secretário de Redação, Vinicius Mota, respondeu: "As fotos dos corpos dos assassinos foram publicadas, apenas em plataformas digitais que permitem a anteposição de aviso de imagens fortes, porque informam sobre a brutalidade dos perpetradores da matança. Um vídeo editado foi publicado, com o mesmo aviso a antecipá-lo, tomando o cuidado de não expor as vítimas, as quais temos o dever de proteger, nem as cenas de tiro e de ataques a pessoas caídas".

Em relação ao vídeo da Nova Zelândia, o jornal julgou ser impossível fazer uma edição compreensível das cenas, por isso não foi publicado.

Difícil, a meu ver, encontrar justificativa para publicar a imagem dos assassinos mortos ensanguentados. É simples traçar paralelo com outras decisões jornalísticas de não publicar corpos em situações que causam repulsa e horror.

Há situações em que imagens fortes e desagradáveis se impõem e se justificam jornalisticamente —em muitos casos, entretanto, são desnecessárias.

Os EUA debatem essas questões pelo menos desde 1999, quando dois jovens assassinaram 12 alunos e um professor na Columbine High School e depois se mataram.

O massacre se tornou referência para novos assassinos. Dados de 2014 indicam que 17 atiradores (e outros 36 que tiveram ataques frustrados) citaram diretamente o tiroteio de Columbine ou seus autores como uma das motivações.

Grupos estudiosos e de apoio a vítimas de massacre defendem que se restrinja a visibilidade dos autores desses tipos de crime, dando poucos detalhes dos métodos utilizados e evitando publicidade às mensagens deixadas como espécie de testamento.

Campanhas batizadas como "Sem notoriedade" e "Não lhes dê nome" sugerem à mídia a limitar a divulgação do nome e da imagem dos autores a circunstâncias restritas e não publicar vídeos ou posts produzidos por eles.

Como exemplo, a Folha noticiou na sexta com destaque o "manifesto" homem que matou dezenas na mesquita na Nova Zelândia. Qual a importância de publicar avaliação amadorística sobre efeitos da mestiçagem no desenvolvimento?

Segundo o secretário de Redação Vinícius Mota, a Folha avalia cada caso concreto à luz dos seus princípios jornalísticos. "Como não está em questão a hipótese de não noticiar, o julgamento se baseia em que elementos noticiar", disse.

Existem recomendações restritivas para casos como suicídio e sequestro, por exemplo. Defendo direito à publicação do máximo possível de informações relevantes. Ressalte-se: relevantes. Não defendo publicar tudo a qualquer preço, em busca de audiência e espetacularização. Não se trata, claro, de não noticiar massacres.

O desafio é descobrir como equilibrar o interesse público em um tiroteio em massa com o interesse público em reduzir o crime de imitação.

É hora de a Folha debruçar-se sobre a normatização jornalística da cobertura desse tipo de episódio. Traçar uma lista de recomendações —discutidas e refletidas exaustivamente— que possam nortear a cobertura de fatos repletos de tensão, repercussão e dúvidas éticas.

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