Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Trump buscará inocentes para culpar quando efeitos da guerra comercial aparecerem

Soja e aço oferecem apenas um vislumbre das perturbações que nos aguardam

O presidente Donald Trump em evento na Casa Branca, em Washington
O presidente Donald Trump em evento na Casa Branca, em Washington - Jonathan Ernst/Reuters

O governo Trump parece estar se dirigindo a uma guerra comercial em três frentes. Pelo que se sabe, ele pretende encarar simultaneamente a China, a União Europeia e nossos parceiros no Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio). As consequências econômicas serão horríveis.

Mas é provável que a história vá além: também haverá consequências políticas horríveis, não só no exterior mas também na frente doméstica. Na verdade, prevejo que quando as consequências negativas de uma política comercial linha dura se tornarem evidentes, veremos o presidente Donald Trump e seus comparsas buscando ferozmente um bode expiatório. Essa busca na verdade já começou.

Para compreender o que está por vir, é preciso compreender dois pontos cruciais.

Primeiro, o governo não tem ideia do que está fazendo. Suas ideias sobre comércio internacional não parecem ter evoluído em nada ante as visões expressas em um documento de trabalho divulgado por Wilbur Ross, hoje secretário do Comércio, e Peter Navarro, hoje o chefe da área de comércio internacional do governo, em 2016. O documento era uma exibição de imensa ignorância que causou estupefação aos verdadeiros especialistas em comércio internacional. Isso significa que a equipe de Trump está completamente despreparada para as reações adversas que virão.

Segundo, o governo está infestado —e uso o termo deliberadamente— de pessoas que acreditam em teorias de conspiração. Na verdade, acreditar em teorias de conspiração absurdas parece ser visto pelo governo como uma boa credencial para os candidatos a emprego. Você deve estar informado sobre o caso da funcionária do Departamento de Saúde e Serviços Humanos que foi suspensa temporariamente depois que surgiram informações de que tinha trabalhado em um site que difunde teorias de conspiração.

Bem, na verdade ela tinha mencionado esse emprego em seu currículo, ao buscar emprego no governo. E foi contratada não apesar de, mas por causa de, sua conexão com paranoias políticas.

Assim, o que acontecerá quando despreparo e teorias de conspiração se encontrarem?

Quanto às reações adversas no comércio internacional: Trump declarou que "guerras comerciais são boas, e fáceis de vencer". Deixando de lado a questão do "boas", já está se tornando aparente que a parte do "fáceis de vencer" é uma completa ilusão. Os demais países não cederão rapidamente às demandas dos Estados Unidos, em parte porque elas são incoerentes —Trump está exigindo que a Europa elimine tarifas "horrendas" que ela não impõe, e os chineses nem mesmo conseguem compreender o que o governo de Trump deseja, definindo as demandas americanas como "caprichos".

Se adicionarmos a isso a enorme má vontade que Trump gerou em todo o mundo, a ideia de que os Estados Unidos obterão grandes concessões, e sem demora, se torna altamente implausível. Na verdade, para mim é difícil ver como poderemos evitar uma onda de retaliações direcionadas que nos deixarão a meio caminho de uma guerra comercial aberta.

E embora alguns setores industriais que concorrem com produtos importados possam ganhar com uma guerra comercial desse tipo, muitos americanos sairão perdendo. Para começar, muitos empregos nos Estados Unidos —mais de 10 milhões, de acordo com o Departamento do Comércio— estão associados a exportações.

A agricultura, especialmente, é um setor para o qual as exportações têm papel central; mais de 20% da produção agrícola do país é direcionada ao exterior. Uma guerra comercial eliminaria boa parte desses empregos; criaria empregos em setores que concorrem com produtos importados, mas não seriam os mesmos empregos para as mesmas pessoas, o que significa que haverá sério desordenamento.

E os danos não se limitarão aos setores exportadores. Mais de metade das importações dos Estados Unidos, e 95% dos bens chineses que estão a ponto de sofrer tarifação por ordem de Trump, são insumos intermediários ou bens de capital —ou seja, coisas que fabricantes americanos usam para se tornarem mais eficientes. A guerra comercial iminente elevará custos e prejudicará as perspectivas de muitas empresas, mesmo que elas não exportem seus produtos.

E como esse governo tão apegado às teorias de conspiração reagirá quando as vítimas nacionais de sua política comercial começarem a se queixar? Já pudemos antever.

Até o momento, passamos apenas por escaramuças comerciais pouco importantes, mas mesmo elas derrubaram o preço da soja, que exportamos à China, e causaram uma disparada no preço do aço. E os agricultores e as empresas que usam aço estão insatisfeitos.

Isso levou o governo a dizer "veja só, estamos adotando uma postura dura e isso tem seu custo"? Claro que não. Em lugar disso, Ross declarou que as mudanças de preços eram obra de especuladores "antissociais", em busca de "lucros indevidos", e pediu por uma investigação. Está vendo? Não estamos diante dos efeitos previsíveis das políticas adotadas pelo governo, e sim de uma conspiração contra Trump.

Aliás, fazer uma acusação desse tipo não é normal para um funcionário importante do governo. Acompanho esse assunto há muito tempo, e jamais vi coisa parecida.

E cabe lembrar que soja e aço oferecem apenas um vislumbre das perturbações que nos aguardam. Como o governo reagirá às reações adversas quando a guerra comercial começar de verdade? Admitirá que calculou erroneamente os efeitos de suas políticas? É claro que não.

Prevejo, em lugar disso, que o governo começará a procurar vilões embaixo de todas as camas. Atribuirá os efeitos adversos do conflito comercial não às suas ações, mas a George Soros e ao "Estado profundo". Não sei bem como eles conseguirão encaixar a [gangue salvadorenha] MS-13 nessa história, mas certamente tentarão fazê-lo.

O ponto é que o lado político da guerra comercial provavelmente terminará parecido com a política da era Trump em geral: em uma busca de pessoas inocentes para demonizar.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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