Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

O ódio irá às urnas, na semana que vem

Fato é que um lado do espectro político promove o ódio, e o outro não

Nos Estados Unidos de 2018, o "e daí?" é o último refúgio dos canalhas, e o "ambos os lados fazem o mesmo" é o último refúgio dos covardes.

Caso você não tenha percebido, estamos em meio a uma onda de crimes de ódio. Nos últimos dias, bombas foram enviadas pelo correio a diversos líderes democratas importantes, e à rede de notícias CNN.

Depois, um atirador massacrou 11 pessoas em uma sinagoga em Pittsburgh. Outro atirador matou dois negros em um supermercado em Louisville, depois de primeiro tentar sem sucesso invadir uma igreja negra - se ele estivesse chegado lá uma hora mais cedo, é provável que tivesse acontecido mais um homicídio em massa.

Todos esses crimes de ódio parecem claramente ligados ao clima de paranoia e racismo deliberadamente fomentado por Donald Trump e seus aliados no Congresso e na mídia.

Matar pessoas negras é uma velha tradição nos Estados Unidos, mas na era Trump ela está ressurgindo.

Quando as bombas foram descobertas, muita gente na direita afirmou imediatamente que elas eram "fake news" ou uma operação realizada pelos próprios progressistas para se fazerem de vítimas. Mas o Serviço Federal de Investigações (FBI) rastreou rapidamente a fonte dos aparatos explosivos: um fanático partidário de Trump que muita gente já está chamando de "MAGABomber". [MAGA é o acrônimo em inglês para "recuperar a grandeza da América", um dos chavões do presidente]. Os alvos dele eram pessoas e uma organização noticiosa que Trump atacou em muitos discursos. (Depois dos ataques, Trump continuou a atacar a imprensa, definindo-a como "inimiga do povo".)

O homem que foi preso na sinagoga Tree of Life era crítico de Trump, aparentemente por acreditar que ele não é antissemita o bastante. Mas sua raiva parece ter sido alimentada por uma teoria de conspiração que vem sendo difundida sistematicamente pelos partidários de Trump –a de que financistas judeus estão trazendo pessoas não brancas para os Estados Unidos a fim de que tomem o lugar dos brancos.

Essa teoria de conspiração na verdade é um refrão constante dos neonazistas da Europa. Era disso que os neonazistas dos Estados Unidos –que Trump chama de "ótimas pessoas"– estavam falando em Charlottesville no ano passado ao entoar que "os judeus não vão nos substituir".

É esse também o subtexto muito mal disfarçado da histeria fabricada sobre as caravanas de aspirantes à imigração que vêm da América Central. Os propagadores do medo não estão só retratando um pequeno grupo de pessoas assustadas e famintas, que ainda estão muito longe da fronteira americana, como uma invasão iminente. Eles também dão a entender sistematicamente que os judeus estão por trás disso tudo.

Há uma conexão direta entre a cobertura da rede de notícias Fox News sobre a caravana e o massacre na sinagoga Tree of Life.

E como os defensores de Trump estão lidando com esse feio cenário? Em parte recorrem à negação, e fingem não ver qualquer conexão entre a retórica do ódio e os crimes de ódio. Mas em parte eles tentam transferir a culpa, afirmando que os democratas são igualmente ruins, se não piores. Partidários de Trump tentaram matar pessoas que os criticam? Bem, alguns oponentes de Trump gritam com políticos em restaurantes!

E essa atitude não se contenta com equiparar protestos a atos de violência. Ela recorre também a mentiras deliberadas.

Um dia depois do massacre em Pittsburgh, John Cornyn, o segundo mais importante membro republicado do Senado, tuitou: "Pelosi: se houver 'danos colaterais' para aqueles que não compartilham de nossa posição, 'que seja'". Isso é mentira, pura e simplesmente. Sei disso porque eu estava lá.

A declaração da [deputada federal democrata] Nancy Pelosi sobre danos colaterais aconteceu quando eu a estava entrevistando ao vivo. Ela não estava falando sobre punir oponentes políticos. Em lugar disso, estava falando sobre o impacto econômico de políticas de combate à mudança do clima, que ela admitiu teriam impacto adverso sobre alguns setores econômicos, e ajudariam outros. Muita gente explicou o ponto a Cornyn, mas, até o momento em que completei o texto desta coluna, ele não havia pedido desculpas por sua declaração falsa.

O problema é o seguinte: os partidários de Trump não são as únicas pessoas que fingem que ele simplesmente faz o que todos fazem, que os democratas são igualmente ruins e igualmente responsáveis pela explosão de ódio.

A falsa equivalência, apresentar os partidos como simétricos quando claramente não o são, vem há muito tempo sendo a norma entre pessoas que se dizem centristas, e entre algumas figuras influentes da mídia. É uma postura que beneficiou imensamente o Partido Republicano, à medida que este se tornava cada vez mais um partido de extremistas de direita.

Seria de esperar que os eventos horripilantes dos últimos dias tivessem enfim forçado o abandono dessa norma. Essa esperança não se realizou. A crença em que os dois lados são iguais é um culto fanático e impermeável a provas. Trump se vangloriou um dia de que seus partidários continuariam a apoiá-lo mesmo que ele matasse alguém a tiros na Quinta Avenida; o que ele não acrescentou é que os sabichões da mídia atribuiriam piamente o ataque à "incivilidade", e que os programas dominicais de entrevistas dariam espaço a pessoas que defendem o ataque a tiros na Quinta Avenida e tratariam sua posição com respeito.

Isso precisa parar, e temos de deixar claro que as pessoas que defendem a teoria de que ambos os lados fazem o mesmo, ou atribuem a violência política ao ódio cada vez maior sem identificar os responsáveis por isso, são profundamente covardes e deveriam se envergonhar do que dizem.

O fato é que um lado do espectro político promove o ódio, e o outro não. E a recusa de reconhecer o fato por medo de que isso seja visto como partidarismo na verdade beneficia e facilita a tarefa das pessoas que estão envenenando nossa política. Sim, o ódio irá às urnas na semana que vem.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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