Pacotes-bomba trazem de volta espectro do terrorista doméstico

Para especialista, divisão política no país pode encorajar atos como os desta semana

Washington

Ataques terroristas perpetrados por estrangeiros, membros de redes como Al Qaeda e Estado Islâmico, têm preocupado os americanos há anos, especialmente após o 11 de Setembro. Mas o caso dos pacotes-bomba enviados para críticos do presidente Donald Trump lança luz sobre outro problema, que ganha força em meio a um ambiente político polarizado: o terrorismo doméstico. 

Entre segunda (22) e sexta (26), autoridades interceptaram 14 pacotes contendo potenciais materiais explosivos enviados para democratas como o ex-presidente Barack Obama e a ex-secretária de Estado Hillary Clinton. Nenhum dos artefatos explodiu. 

O acusado pelos crimes é o americano Cesar Altieri Sayoc, 56, ex-entregador de pizzas e grande apoiador de Trump. Detido na Flórida na sexta, foi indiciado por cinco crimes federais e pode pegar até 48 anos de prisão. 

Na definição do FBI (polícia federal americana), terrorismo doméstico é aquele promovido por “indivíduos ou grupos inspirados por ou associados principalmente a movimentos americanos que defendem ideologias extremistas de natureza política, religiosa, social, racial ou ambiental.” 

Para especialistas consultados pela Folha, o caso se encaixa na categoria por envolver motivações políticas. 

Segundo dados do Start, consórcio nacional para o estudo de terrorismo da Universidade de Maryland, houve 59 incidentes envolvendo pacotes-bomba nos EUA entre 1970 e 2017. Destes, sete foram letais. Em 30% dos casos, os alvos foram entidades governamentais não diplomáticas.

Ações de terrorismo doméstico por integrantes da direita têm sido mais comum nos últimos tempos do que as cometidas por integrantes do outro lado do espectro político. 

Levantamento do consórcio mostra que, na década de 1970, movimentos extremistas de esquerda foram responsáveis por 68% dos incidentes de terrorismo e por 58% das mortes, motivados pelo sentimento anticapitalista, pela oposição à Guerra do Vietnã e por questões de justiça social, entre outras razões. 

A frequência e a letalidade de ataques de extremistas da direita começou a aumentar na década de 1990. Quase 90% das mortes foram causadas por conservadores radicais. 

Um dos exemplos é o atentado de Oklahoma City, que matou 168 pessoas e feriu ao menos 650 após a explosão de um prédio do governo federal em abril de 1995, um dos episódios de terrorismo doméstico mais letais da história dos EUA. 

Os autores, Timothy McVeigh e Terry Nichols, eram ligados a um movimento de direita que contestava a legitimidade do governo. O primeiro foi executado em 2001 e o segundo, condenado à prisão perpétua. 

A proporção dos atentados orquestrados por extremistas conservadores aumentou de 2010 a 2017, em comparação com os anos 2000: foi de 6% para 35% do total. O levantamento do Start mostra que a maioria foi realizada por indivíduos ligados a movimentos ideológicos. 

“Historicamente, atos de terrorismo praticados pela direita têm sido um tanto amadores”, diz Lorenzo Vidino, diretor do programa de extremismo na Universidade George Washington. “Os autores dos ataques podem pertencer ideologicamente a um grupo, mas tendem a agir de forma independente.” 

Os ataques a tiros em um templo religioso em Wisconsin (2012), no qual um homem ligado a um movimento racista matou seis pessoas, e em uma igreja na cidade de Charleston (2015), em que nove negros foram mortos, são alguns exemplos. 

Isso torna o combate ao crime ainda mais difícil, diz Daniel Chirot, professor de estudos internacionais da Universidade de Washington e especialista em extremismo. “Sempre haverá pessoas desequilibradas que podem representar um risco, mas ele não pode ser totalmente eliminado.” 

Para ele, a atmosfera de divisão política pode encorajar atos como os desta semana. 

“O indivíduo pode ter se sentido empoderado pela linguagem violenta de líderes políticos conservadores, particularmente do presidente”, diz. 

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