Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Os republicanos não acreditam em democracia

Eleições supostamente têm consequências, e transferem o poder a quem as vence

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Os democratas sabem o que estão enfrentando?

Exemplo: na semana passada, os republicanos da assembleia estadual da Carolina do Norte usaram o aniversário dos ataques de 11 de setembro para convocar uma votação não planejada e aprovar um projeto de orçamento pela maioria necessária a derrubar o veto do governador democrata do estado.

Eles só puderam fazê-lo porque a maioria dos legisladores democrata estava ausente, alguns deles participando de eventos relativos à data; o líder dos democratas havia informado aos membros de sua bancada que eles não precisavam participar da sessão porque lhe haviam assegurado que nada seria votado naquela manhã.

Exemplo: também na semana passada, o deputado Adam Schiff, democrata, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, intimou o diretor interino de inteligência nacional a entregar ao comitê a queixa de um denunciante que o inspetor geral dos serviços de inteligência considerou crível e "urgente". Não sabemos sobre o que o denunciante estava alertando, mas sabemos que a lei é clara: essas queixas devem ser encaminhadas ao Congresso, sem exceções.

US President Donald Trump speaks during a meeting with Korean President Moon Jae-in on the sidelines of the UN General Assembly in New York, September 23, 2019. (Photo by SAUL LOEB / AFP) - Saul Loeb/AFP

Na superfície, essas histórias podem parecer muito diferentes. A disputa na Carolina do Norte gira basicamente em torno da determinação republicana de negar serviços de saúde aos americanos de baixa renda; o governador havia ameaçado vetar qualquer proposta orçamentária que não expandisse o programa de saúde Medicaid. O caso da denúncia provavelmente envolve delitos de altos funcionários do governo, possivelmente do presidente Donald Trump, que podem de alguma maneira afetar a segurança nacional.

O que as histórias têm em comum, no entanto, é que ilustram o desprezo pela democracia e pelo governo constitucional. Eleições supostamente têm consequências, e transferem o poder a quem as vence. Mas quando os democratas vencem uma eleição, o Partido Republicano moderno faz o que pode para negar seus resultados, contrariando as regras e, se necessário, a lei a fim de continuar agindo como se os eleitores não tivessem se pronunciado.

Assim, em 2016 os eleitores da Carolina do Norte escolheram um democrata como governador; a resposta republicana imediata foi tentar retirar a maior parte dos poderes do governador. No ano passado, os democratas obtiveram a maioria dos votos para o legislativo estadual, igualmente, embora os republicanos tenham mantido o controle da assembleia graças a uma distorção absurda na configuração dos distritos eleitorais. Mas a maioria que lhes resta não os protege mais contra vetos —e daí a jogada suja da semana passada.

Da mesma forma, no ano passado os eleitores dos Estados Unidos escolheram dar aos democratas o controle da Câmara dos Deputados. Isso ainda deixa o Partido Democrata impossibilitado de criar leis, porque os republicanos controlam o Senado e a Casa Branca. Mas a Câmara, por lei, tem poderes adicionais importantes - o direito de ser informada sobre o que está acontecendo no Executivo, como queixas de denunciantes, e o direito de usar intimações para obter informações relevantes para o processo de governo.

O governo Trump, no entanto, claramente decidiu que nada disso importa. Que importa se os democratas exigirem informações que têm o direito legal de obter? Que importa que ele emitam intimações? Afinal, a lei tem de ser imposta pelo Departamento da Justiça —e, sob Wiliam Barr, a Justiça se tornou simplesmente um braço adicional do Partido Republicano.

É esse o contexto em que se deve pensar sobre as mais recentes revelações quanto a Brett Kavanaugh.

Primeiro, agora sabemos que o Serviço Federal de Investigações (FBI, na sigla em inglês), essencialmente por ordem dos republicanos, limitou severamente sua investigação do passado de Kavanaugh. E com isso ele terminou apontado para um posto poderoso e vitalício sem investigação real de seus antecedentes.

Segundo, tanto os antecedentes de Kavanaugh quanto as circunstâncias de sua indicação indicam que o senador Mitch McConnell foi acima e além do dever para criar um bloco republicano na Suprema Corte que bloqueará toda e qualquer coisa que os democratas tentem realizar, mesmo que eles consigam tomar o controle do Congresso e da Casa Branca. Como apontou Greg Sargent, do The Washington Post, parece extremamente provável que os juízes atuais da corte bloqueiem qualquer ação significativa sobre a mudança do clima, especialmente.

O que os democratas podem fazer sobre essa situação? Eles precisam vencer eleições, mas em muitos casos isso será insuficiente, porque estão diante de um Partido Republicano que essencialmente não aceita o direito de governar do rival, não importa o que digam os eleitores. Assim, vencer não basta; eles também têm de estar preparados para o confronto.

E o primeiro passo é certamente reconhecer que o problema existe.

O que me conduz à disputa nas primárias democratas pela indicação presidencial. Os principais candidatos à indicação democrata diferem tanto em suas personalidades quanto em suas propostas de políticas públicas, mas isso empalidece diante da diferença entre eles e Trump e seu partido.

Todos os pré-candidatos democratas são seres humanos decentes; todos, se tivessem a chance, conduziriam os Estados Unidos por um caminho notavelmente mais progressista.

A verdadeira diferença entre os pré-candidatos, está em lugar disso, na sua compreensão do problema - ou seja, do que há de errado com o moderno Partido Republicano.

O grande senão com relação a Joe Biden, que ainda lidera as primárias, é que ele obviamente não compreende o que há de errado. Deixou claro em muitas ocasiões que considera Trump uma aberração e acredita que seria capaz de manter um relacionamento produtivo e amigável com os republicanos quando Trump se for.

O que traz a questão: mesmo que Biden consiga vencer, será que ele é sonso demais para governar efetivamente?

Tradução de Paulo Migliacci

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