Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

A fraude contra os agricultores dos EUA

Problemas da economia agrícola dos Estados Unidos derivam diretamente das políticas de Trump

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Donald Trump é impopular, mas retém a lealdade de alguns grupos importantes. Entre os mais leais estão os agricultores americanos, que representam uma pequena minoria da população mas exercem influência política desproporcional por causa do nosso sistema eleitoral, que dá aos 3,2 milhões de moradores do Iowa o mesmo número de senadores que aos 40 milhões de californianos.

De acordo com uma pesquisa recente, 71% dos agricultores apoiam o desempenho de Trump —uma queda ante a pesquisa anterior, mas nível de apoio muito superior ao que ele obtém na média nacional.

Mas os agricultores estão sofrendo financeiramente. Os investidores estão preocupados sobre uma possível recessão que afete a economia como um todo, mas a recessão agrícola já chegou, com queda de renda, alta nos níveis de inadimplência e uma disparada no número de falências. E os problemas da economia agrícola derivam diretamente das políticas de Trump.

O presidente americano Donald Trump na Casa Branca, em Washington - Yuri Gripas/Reuters

Essa aparente contradição —Trump vem causando os maiores danos às pessoas que mais o apoiam— não é acidente. O apoio passado dos agricultores a Trump era previsível. A demografia e a cultura da América rural (branca) a tornam um terreno fértil para políticos que prometem restaurar a sociedade tradicional, e especialmente a hierarquia racial tradicional.

Mas os problemas financeiros dos agricultores também deveriam ter sido previsíveis: embora a América rural possa desgostar e desconfiar da elite cosmopolita, a economia agrícola dos Estados Unidos depende pesadamente dos mercados internacionais, e se tornou vítima inevitável da guerra comercial de Trump.

As questões, pensando no futuro, são se os agricultores compreendem o que os aguarda, se eles compreendem que os problemas que enfrentam não devem acabar em breve, e se as dores econômicas que sofrem abalarão seu apoio ao homem que as está causando.

Em dado nível, não é difícil entender por que os agricultores apoiaram Trump. A hostilidade aos imigrantes não brancos era central em sua campanha, e essa hostilidade tende a ser maior em lugares nos quais na verdade não existem muitos imigrantes. Assim, a América rural, com sua população imigrante ainda minúscula, era uma audiência receptiva para as campanhas de incitação ao medo.

Em termos mais amplos, o conceito de Recuperar a Grandeza da América —ou seja, fazer com que o relógio caminhe para trás em termos raciais e culturais— era uma mensagem que funcionava bem em lugares que ainda tendem a se ver como (e a ser informados pelos políticos de que são) a Verdadeira América, em oposição às grandes áreas metropolitanas nas quais a maioria dos americanos de fato vive.

Por outro lado, embora as terras agrícolas possam ser notavelmente deficientes em diversidade étnica, e desconfiar dos globalismo, a economia rural na verdade está profundamente integrada aos, e depende muito dos, mercados mundiais, Na véspera da guerra comercial de Trump, os Estados Unidos exportavam 76% de sua produção de algodão, 55% de seu sorgo, metade de sua soja e 46% de seu trigo.

No geral, as exportações agrícolas americanas respondiam por quase 40% do valor da produção rural do país, ante apenas 15% por volta de 1970. A globalização prejudicou algumas áreas da indústria americana, com efeitos particularmente graves sobre algumas pequenas cidades fabris. Mas a ascensão da China e o crescimento do comércio internacional foram só boas notícias para os agricultores.

E eis o ponto: não deveria ter sido difícil prever que as ideias econômicas de Trump seriam ruins para os agricultores. O desejo de Trump por uma guerra comercial era claro desde o começo: protecionismo é um de seus principais valores, em companhia do racismo e do antiambientalismo. E uma guerra comercial decerto prejudicaria as exportações agrícolas.

Alguém realmente imaginava que a China, uma superpotência econômica com sua vertente de nacionalismo feroz, não retaliaria contra as tarifas americanas?

O que os agricultores estavam pensando, assim? Meu palpite é que permitiram que a vontade de acreditar se sobrepusesse ao seu julgamento. Trump parecia ser o tipo de cara que eles aprovam. Parecia compartilhar de seu desapreço pela elite urbana, que na imaginação dos agricultores os encara com desprezo. Por isso, eles se convenceram de que sabiam o que estavam fazendo, de que o presidente venceria a guerra comercial, e que eles estariam entre os vencedores que compartilhariam dos espólios.

Mesmo agora, muitos agricultores parecem acreditar em que os problemas um dia desses acabarão e Trump em breve anunciará um acordo que restaurará os velhos mercados.

Em resumo, o apoio dos agricultores a Trump pode ser visto como uma forma de fraude por afinidade, na qual as pessoas se deixam enganar por um trapaceiro a quem veem como parecido com elas.

E como costuma acontecer no caso dessas fraudes, o trapaceiro e seus associados na verdade desdenham as pessoas que tomam por alvo.

Recentemente, o secretário federal da Agricultura, Sonny Perdue, deixou a máscara cair durante uma reunião com agricultores que se queixavam de seus problemas. "O que acontece quando dois agricultores se juntam?", ele ironizou. "Eles resmungam".

As declarações de Trump sobre o comércio com o Japão foram ainda mais reveladoras. De acordo com uma transcrição fornecida pela Casa Branca, Trump se queixou de que enquanto o Japão nos envia milhões de carros, "nós lhes enviamos trigo. Trigo. (Riso.)" Os agricultores sabem que seu presidente considera que a maneira pela qual ganham a vida é uma piada?

Assim, o que vai acontecer, com a continuação da guerra comercial? Não espere que os agricultores de repente exclamem em uníssono que "ei, fomos enganados". A vida real não funciona assim. Mas eles foram de fato enganados, e podem enfim estar começando a perceber.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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