Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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A missão de miséria de Mitch McConnell

McConnell e companhia também são a principal razão para falta de um acordo para o enfrentar os efeitos econômicos da pandemia

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Continuo a ver reportagens que afirmam que o governo Trump está “mudando de direção” quanto a medidas de estímulo econômico. Mas Donald Trump inverte suas posições com tanta frequência que a sensação é menos a de uma mudança de direção e mais a de uma queda em parafuso.

No curso de apenas uma semana, ele começou exigindo um grande pacote de estímulo, em seguida pediu o cancelamento das negociações, e mais adiante voltou a exigir grandes medidas de estímulo, para depois apelar por um acordo de pequena escala utilizando fundos já alocados.

Seria engraçado, caso as consequências humanas não fossem tão terríveis. A esta altura, o melhor palpite é que, pelos próximos três e poucos meses —ou seja, até que o presidente Joe Biden assuma (o que é altamente provável mas de maneira alguma garantido), com o Senado sob controle dos democratas (o que também é provável mas não está de maneira alguma garantido)—, haverá pouca ou nenhuma assistência para os milhões de famílias, milhares de empresas e muitos governos locais que estão à beira de um desastre.

O presidente americano Donald Trump retira máscara durante primeiro discurso na Casa Branca depois de ser infectado por Covid-19
O presidente americano Donald Trump retira máscara durante primeiro discurso na Casa Branca depois de ser infectado por Covid-19 - Tom Brenner/Reuters

Mas por que os Estados Unidos não estão recebendo o alívio de que tão obviamente necessitam para os problemas da pandemia?

E fácil culpar Trump, que conseguiu passar quatro anos no posto sem aprender coisa alguma sobre políticas públicas e se cercou de subordinados escolhidos por lealdade pessoal ferrenha e não por seus conhecimentos. Como um artigo recente no site Politico afirma, “não vamos nem falar do primeiro time. A esta altura, mesmo o segundo time representaria uma melhora significativa”.

Mas mesmo que Trump tivesse alguma ideia do que está fazendo, ele se veria paralisado pela oposição de muitos, se não da maioria, dos senadores republicanos a qualquer acordo sério. Eles estão dispostos a acobertar a corrupção sem precedentes do governo Trump; aparentemente não se abalam pela devoção que o presidente demonstra por ditadores estrangeiros. Mas gastar dinheiro a fim de ajudar os americanos que enfrentam dificuldade? Isso eles não admitem.

Essa atitude já era óbvia antes que o coronavírus surgisse. Você se lembra de como Trump prometeu gastar trilhões de dólares com infraestrutura e depois descumpriu a promessa? “Semana da infraestrutura” acabou por se tornar uma piada pronta. Mas embora as propostas de Trump para a infraestrutura jamais tenham feito qualquer sentido, no começo de 2019 parecia que ele poderia de fato ter chegado a um acordo com os democratas para um plano sério de investimento.

Mas o acordo não avançou graças à oposição dos republicanos do Senado, entre os quais o líder da maioria, Mitch McConnell.

McConnell e companhia também são a principal razão para que não tenhamos um acordo para ajudar os americanos a sobreviver aos efeitos econômicos da pandemia.

Deveríamos ter chegado a um acordo algumas semanas atrás, quando já estava evidente que o pacote de resgate aprovado em março expiraria cedo demais. Mas os republicanos do Senado se opuseram resolutamente a oferecer a assistência necessária.

Lindsey Graham declarou que a assistência de emergência aos desempregados só seria estendida “se passarem por cima de nossos cadáveres” (na verdade sobre os cadáveres de 215 mil outras pessoas, mas quem está contando as vítimas?) E McConnell –cujo estado se beneficia de muito mais gastos federais do que recolhe em impostos– zombou das propostas de socorro aos estados definindo-as como “socorro aos estados democratas”.

O fato é que as chances de reeleição de Trump e a chance de McConnell de reter seu assento no Senado seriam quase certamente maiores se tivesse acontecido um acordo sobre infraestrutura no ano passado e um pacote de assistência nos últimos meses. Por que os republicanos prefeririam rejeitar esses acordos?

O que quer que eles possam dizer, o que os preocupava não era o custo. Os republicanos não se incomodaram com déficits orçamentários ao forçarem a aprovação de um corte de imposto de US$ 2 trilhões em benefício das grandes empresas e dos ricos. Eles só posam como parte da linha dura sobre o déficit quando tentam bloquear gastos que poderiam ajudar os americanos comuns.

Não, o que está em ação nesse caso é a agenda plutocrática do Partido Republicano moderno. McConnell e, até onde sei, todos os demais membros de sua bancada têm o compromisso inabalável de cortar os impostos dos ricos e a ajuda aos pobres e à classe média. Excetuada a Lei CARES, de março, que os republicanos só aprovaram porque estavam entrando em pânico com a queda do mercado de ações, é difícil recordar qualquer outra grande legislação fiscal aprovada pelos republicanos nas duas últimas décadas que não resultasse em redistribuir renda dos pobres para os ricos.

Seria de imaginar que os republicanos deixariam de lado o imperativo plutocrático quando os argumentos em favor de um aumento nos gastos do governo são convincentes, quer para reparar a infraestrutura deteriorada, quer para oferecer ajuda durante a pandemia. Mas todas as indicações são de que eles acreditam –provavelmente com razão– em que programas governamentais bem sucedidos tornam o público mais receptivo a propostas de novos programas.

E por isso que o Partido Republicano tentou freneticamente derrubar a Lei de Acesso à Saúde; a esta altura, fica claro que o sucesso do Obamacare na redução do número de americanos desprovidos de planos de saúde criou apetite por novas reformas do sistema de saúde.

E é por isso que os republicanos não estão dispostos a oferecer assistência econômica desesperadamente necessária às vítimas econômicas da pandemia. Eles não estão preocupados com a possibilidade de que o pacote de assistência fracasse. A preocupação é de que ele seja um sucesso, e demonstre que às vezes gastos maiores por parte do governo são uma boa coisa. De fato, um pacote de assistência bem sucedido poderia abrir caminho para propostas democratas que, entre outras coisas, trariam redução drástica no número de crianças pobres.

Assim, embora Trump seja responsável pela miséria que muitos milhões de americanos estão encarando, McConnell provavelmente arca com responsabilidade igual. Eles pagarão o preço político por isso? Descobriremos dentro de três semanas.

Tradução de Paulo Migliacci

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