Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu Governo Biden

Como os democratas aprenderam a aproveitar as oportunidades

Partido deixou de acreditar no fantasma da dívida e na fadinha da confiança do corte de gastos

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Uma dúzia de anos atrás, pouco antes da posse de Barack Obama como presidente e em meio à Grande Recessão, escrevi uma coluna desconsolada, com o título “A Lacuna de Obama”. Em um momento no qual muita gente via o presidente eleito como figura transformadora, eu lamentei a cautela de sua política econômica. O estímulo que ele havia proposto, argumentei, ficaria bem aquém do necessário.

Infelizmente, eu estava certo. E como também alertei naquele momento, Obama não teve uma segunda chance; a percepção de fracasso em sua política econômica, que apesar de mitigar a desaceleração não pôs fim a ela, eliminou a possibilidade de qualquer ação futura.

A boa notícia –e é uma notícia realmente muito boa– é que os democratas parecem ter aprendido a lição. Joe Biden talvez não pareça o segundo advento de Franklin Roosevelt; Chuck Schumer, no comando da mais ínfima maioria no Senado, parece ainda menos uma figura transformadora, mas todas as indicações são de que, juntos, eles estão a ponto de colocar em ação um plano de resgate econômico que, diferentemente do estímulo de Obama, está verdadeiramente à altura da ocasião.

O presidente norte-americano Joe Biden delivers durante pronunciamento na Casa Branca - Jim Watson 25.jan.2021/AFP

Na verdade, o plano é agressivo o bastante para que alguns economistas de inclinações democratas se preocupem com a possibilidade de que seja grande demais, acarretando o risco de inflação. Mas já argumentei extensamente no sentido de que eles estão errados – ou, mais precisamente, como diz a secretária do Tesouro Janet Yellen, o risco de fazer de menos supera o risco de fazer demais, superaquecendo a economia. De fato, um plano insuficiente para causar alguma preocupação quanto ao superaquecimento provavelmente teria sido pequeno demais.

Mas de que modo os democratas se tornaram ousados assim? A resposta é que aprenderam algumas coisas importantes, sobre economia e sobre política, de 2009 para cá.

Do lado econômico, os democratas enfim deixaram de acreditar no fantasma da dívida e na fadinha da confiança, que tornará tudo melhor se o governo cortar seus gastos.

Houve uma época em que muitos democratas –entre os quais Obama– aceitavam a proposição de que a dívida pública era um enorme problema. Eles chegaram a levar a sério os alertas de pessoas como o deputado federal [republicano] Paul Ryan, de que a dívida era uma “ameaça à existência” do país. Mas as previsões de uma catástrofe fiscal iminente continuaram a se provar falsas, e a esta altura os economistas convencionais se preocupam muito menos com a dívida do que costumava ser o caso no passado.

Alguns democratas também costumavam se preocupar com a possibilidade de que grandes programas de gastos prejudicassem a economia ao solapar a confiança das empresas e dos investidores e, por outro lado, acreditavam que a cautela seria recompensada com um aumento no investimento privado. Mas essa doutrina também foi negada pela experiência; a austeridade não gera confiança; só gera sofrimento.

Mas se os democratas aprenderam muito sobre a realidade econômica de 2009 para cá, eles aprenderam ainda mais sobre a realidade política.

Obama chegou ao poder acreditando sinceramente que era possível se aproximar da oposição, e que os republicanos o ajudariam a enfrentar a crise econômica. A despeito de a oposição ter recorrido a táticas de terra arrasada contra ele, o presidente continuou a procurar um “grande acordo” sobre a questão da dívida. Viu a ascensão do Tea Party como uma “febre”, que passaria durante seu segundo mandato. Em resumo, Obama foi ingênuo.

Muitos progressistas se preocupavam com a possibilidade de que o presidente Biden, que serviu no Senado em uma era menos polarizada, e que fala muito sobre unidade, viesse a repetir os erros de Obama.

Mas até agora ele e seus companheiros no Congresso parecem dispostos a pensar grande, mesmo que isso signifique trabalhar sem os votos dos republicanos.

Uma coisa que pode estar encorajando os democratas, aliás, é o fato de que as políticas de Biden são na verdade unificadoras, se você considerar a opinião pública, e não as ações dos políticos. O plano de combate à Covid-19 de Biden conta com forte aprovação pública –muito superior à aprovação ao plano de estímulo de Obama em 2009. Se, como parece provável, nenhum republicano votar em favor do plano no Congresso, isso será prova do extremismo dos republicanos e não de uma falha de Biden em buscar a adesão deles.

Além disso, Biden e companhia parecem ter aprendido que agir com cautela inicialmente não permite acumular o capital político para realizar mais coisas posteriormente. Em lugar disso, um governo que não consiga produzir benefícios tangíveis para os eleitores em seus primeiros meses terá desperdiçado sua vantagem e não terá a oportunidade de corrigir seus erros. Agir ousadamente no combate à Covid-19 agora oferece a melhor esperança quanto a encarar os desafios de infraestrutura, de mudança do clima e outros, mais tarde.

Oh, e os democratas enfim parecem ter aprendido que os eleitores não estão interessados em processos. Muito poucos americanos sabem que o corte de impostos de Trump teve sua aprovação forçada, depois de uma votação em linhas partidárias, usando as regras de conciliação [entre as versões do Senado e Câmara para um projeto de lei], a mesma manobra que os democratas estão realizando agora, e quase ninguém se incomoda.

Por fim, suspeito que os democratas tenham percebido que escolher as políticas certas é mais importante em 2021 do que era em 2009 –e não só por causa da situação econômica. Quando boa parte do partido oposicionista não reconhece resultados eleitorais, acata insurreições e aceita defensores de teorias de conspiração em suas fileiras, não faz sentido propor políticas que podem ficar aquém do necessário, e com isso dar força aos oposicionistas nos anos seguintes.

O melhor resumo é: a dívida não é e nem nunca foi uma ameaça ao futuro de nossa nação. A verdadeira ameaça é o Partido Republicano iliberal, que se parece cada vez mais com um partido europeu de extrema direita e cada vez menos com um partido político normal. Propor políticas mais fracas, de maneiras que poderiam beneficiar as perspectivas de rivais como esses, é uma ideia péssima –e espero que os democratas saibam disso.

Assim, desta vez os democratas estão prontos para aproveitar a oportunidade. Vamos esperar que o que propõem seja suficiente.

Tradução de Paulo Migliacci

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