Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu Governo Biden

Quem é radical agora? O caso dos salários mínimos nos EUA

A evidência tem um conhecido viés liberal

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A maioria dos americanos, inclusive eu, ficará profundamente aliviada quando Joe Biden for finalmente empossado como presidente. Mas quase todo mundo tem um pressentimento ruim, não só por causa da ameaça específica de terrorismo de extrema direita, mas também porque Biden assumirá o cargo em um ambiente político poluído por mentiras.

A mais importante, é claro, é a "Grande Mentira": a afirmação, com base em absolutamente nada, de que a eleição foi roubada. Houve alguma coisa na história dos Estados Unidos como a exigência dos líderes republicanos de que Biden busque a "união", quando eles nem sequer dizem publicamente que ele venceu com justiça? E as pesquisas que mostram que a grande maioria dos republicanos comuns acredita que houve séria fraude eleitoral são profundamente assustadoras.

Mas não muito atrás em importância está o que eu vejo como a Mentira Ligeiramente Menor –a insistência quase universal da direita de que os líderes moderadamente de centro-esquerda do próximo governo e do Congresso são socialistas radicais, ou pelo menos são controlados por eles. Essa afirmação foi quase toda a substância da campanha republicana durante as finais para o Senado na Geórgia.

Membros da Guarda Nacional dos EUA ficam de guarda no Capitólio dos EUA em Washington, DC - Andrew Caballero-Reynolds - 17.jan.2021/AFP

Uma resposta para essa alegação bizarra –e não é uma resposta ruim– seria uma digna de Biden: "Vamos lá, cara. Caia na real!" Mas eu gostaria de mergulhar um pouco mais fundo, concentrando-me numa questão em particular: o pedido de Biden, como parte de seu plano de recuperação econômica, de um aumento do salário mínimo para US$ 15 por hora.

Os republicanos que levantam objeções ao plano de Biden destacaram o aumento do salário mínimo como o principal motivo de sua oposição, embora todos saibamos que eles teriam encontrado alguma desculpa para objetar a qualquer coisa que ele propusesse. O que é notável nessa luta –não vamos dignificá-la chamando-a de debate, como se os dois lados estivessem apresentando argumentos reais– é que ela nos mostra quem são os verdadeiros radicais.

Pois o que significa uma proposta econômica radical? Uma resposta possível seria uma proposta totalmente contrária à opinião pública.

Por esse critério, entretanto, os políticos republicanos são claramente os radicais nisso. Aumentar o salário mínimo é imensamente popular; é apoiado por 70% dos eleitores, incluindo uma maioria substancial de autodeclarados republicanos. Ou, se você não acredita em pesquisas, veja o que aconteceu na Flórida em novembro passado: apesar de Trump ter levado o estado, um referendo sobre aumentar o salário mínimo para US$ 15 ganhou de forma arrasadora.

Por isso, o Partido Republicano está muito fora do ritmo com o público nessa questão –ele defende uma posição quase marginal. Ah, e é uma posição completamente discordante da afirmação de muitos republicanos de que são o verdadeiro partido da classe trabalhadora.

E se definirmos o radicalismo não como oposição à opinião pública, mas como uma recusa a aceitar as conclusões da economia da corrente dominante? Aqui também os democratas são os moderados e os republicanos, os radicais.

É verdade que um dia existiu um quase consenso entre os economistas de que os salários mínimos reduziam substancialmente o emprego. Mas isso faz muito tempo. Hoje, só uma minoria de economistas acredita que aumentar o mínimo para US$ 15 teria grandes custos econômicos, e uma forte pluralidade acredita que um aumento significativo –embora talvez não chegando a US$ 15– seria uma boa ideia.

Por que os economistas mudaram seu modo de pensar? Não, a profissão não foi infiltrada pelos antifa; ela foi movida pela evidência, especificamente os resultados de "experimentos naturais" que ocorrem quando um estado individual aumenta seu salário mínimo e os estados vizinhos, não. A lição dessa evidência é que, a menos que os salários mínimos sejam aumentados para níveis mais altos que qualquer coisa proposta atualmente, subir o mínimo não terá grandes efeitos negativos no emprego –mas terá benefícios significativos em termos de ganhos maiores e redução da pobreza.

Mas a evidência tem um conhecido viés liberal. Eu mencionei que na sexta-feira (15), dias antes de sua expulsão, autoridades de Trump divulgaram um relatório que afirma que o corte de impostos de 2017 se pagou?

A economia vodu talvez seja a doutrina mais completamente derrubada na história do pensamento econômico, refutada por décadas de experiência –e os eleitores dizem constantemente que as corporações e os ricos pagam muito pouco, e não demais, em impostos. Mas cortes fiscais para os privilegiados são centrais na agenda republicana, mesmo sob um presidente supostamente populista.

Em política econômica, portanto, os democratas –embora tenham se movido um pouco à esquerda nos últimos anos-- são moderados por todos os critérios, enquanto os republicanos são radicais enlouquecidos. Então por que o Partido Republicano pensa que pode se safar afirmando o contrário?

Parte da resposta é o poder da máquina de desinformação da direita, que pinta incansavelmente qualquer pessoa à esquerda do centro como a segunda encarnação de Pol Pot. Outra parte da resposta é que os republicanos claramente esperam que os eleitores julguem alguns democratas pela cor da pele, e não pelo conteúdo de suas propostas políticas.

Em todo caso, sejamos claros: realmente há um partido radical nos EUA, um que, além de odiar a democracia, tem ideias malucas sobre como o mundo funciona e discorda das opiniões da maioria dos eleitores. E não são os democratas.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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