Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Paul Krugman
Descrição de chapéu Governo Biden

O complô para salvar as crianças dos EUA

Enquanto democratas parecem prontos a aprovar um grande projeto de socorro à economia, maioria dos conservadores parece se opor à ideia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Os democratas parecem prontos a aprovar um grande projeto de socorro à economia. Será um pacote grande, com custo próximo ao US$ 1,9 trilhão proposto pelo governo Biden. Mas o grosso desses dispêndios terá natureza temporária. Os americanos não receberão US$ 1.400 em assistência do governo a cada ano, os benefícios-desemprego não serão sempre tão generosos, e não estaremos nos mobilizando constantemente para programas de vacinação de emergência (ou pelo menos esperamos que não).

Existe, no entanto, um aspecto do pacote que muitos progressistas esperam se torne permanente: uma ampliação na assistência a famílias que incluam crianças. De fato, existem argumentos econômicos e sociais esmagadores para a prestação desse tipo de assistência, isso sem mencionar os argumentos morais.

No entanto, a maioria dos conservadores parece se opor à ideia, embora eles estejam enfrentando enormes dificuldades para explicar o motivo dessa oposição. E o fato de que sejam contra ajudar crianças a despeito da falta de bons argumentos para tanto nos diz muito sobre o verdadeiro motivo para que se oponham a auxiliar aqueles que precisam.

O presidente dos EUA, Joe Biden, assina ordem executiva referente à imigração
O presidente dos EUA, Joe Biden, assina ordem executiva referente à imigração - Saul Loeb - 2.fev.21/AFP

Um breve retrospecto: o sistema tributário vigente nos Estados Unidos já concede aos pais uma dedução de até US$ 2.000 por filho menor de idade. Mas uma família só tem direito a obter a dedução plena caso sua renda tributável seja suficiente. Essa é uma grande limitação. A estimativa é de que 27 milhões de crianças sejam integrantes de famílias cuja renda é baixa demais para que possam desfrutar da dedução plena de US$ 2.000.

O processo de lei que está tramitando parece encaminhado a elevar o limite de dedução para US$ 3.000, e a US$ 3.600 para as crianças com menos de seis anos de idade. A medida também beneficiaria os pais cuja renda é insuficiente para que desfrutem da quantia completa como dedução. (Eles receberiam em dinheiro o valor do excedente) O resultado seria uma grande melhora na situação financeira de muitos pais que enfrentam dificuldades, e com isso nas vidas de milhões de crianças.

Seria de imaginar, portanto, que a simples compaixão poderia ser razão suficiente para um grande aumento na assistência às famílias que incluem crianças –assistência que muitos outros países ricos já oferecem e que é uma das razões para que eles registrem pobreza infantil muito inferior à dos Estados Unidos.

Mas os conservadores, e até mesmo alguns centristas, argumentam há muito tempo que a compaixão pode ser contraproducente –que tentativas de ajudar as pessoas menos prósperas podem criar incentivos perversos que solapam a autossuficiência e aprisionam as pessoas na pobreza. Assim, é importante compreender por que esses argumentos não se aplicam ao crédito fiscal para as famílias proposto no atual pacote –e por que a medida, longe de criar uma armadilha, na realidade ofereceria uma rota de escape.

O argumento usual contra os programas de combate à pobreza é que qualquer forma de assistência vinculada a renda reduz o incentivo para que o beneficiário busque melhorar sua situação, porque domicílios que consigam obter uma renda maior perderiam o direito a parte da assistência que recebem.

Por exemplo, o programa de saúde Medicaid só está disponível para famílias com renda inferior a um dado piso, e por isso encontrar um emprego que eleve a renda familiar acima desse limite conduziria à perda de benefícios de saúde.

Quando os republicanos da Câmara dos Deputados divulgaram um relatório sobre o 50º aniversário da Guerra Contra a Pobreza, eles argumentaram, essencialmente, que esses incentivos perversos são o principal motivo para que não tenhamos realizado mais progresso na redução da pobreza, e que programas de combate à pobreza “penalizam as famílias por progredirem”.

Existem bons motivos para encarar esses argumentos com ceticismo, em termos gerais. Relativamente pouca gente se depara com os desincentivos extremos ao trabalho que os republicanos gostam de enfatizar. De qualquer forma, porém, esses argumentos não se aplicam a benefícios tributários para famílias que incluam crianças, pois estes não seriam retirados à medida que a renda da família cresça.

Com algum sarcasmo: será que deveríamos reduzir os incentivos das crianças a escolher pais mais afluentes?

Além disso, existem provas consideráveis de que a verdadeira fonte da “armadilha da pobreza” não é a falta de incentivos, e sim a falta de recursos em grau adequado para nutrição, serviços de saúde, habitação e outras necessidades. Como resultado, ajudar as crianças pobres não só melhora suas vidas em curto prazo como as ajuda a escapar da pobreza.

Como um apanhado recente de pesquisas informa, existem “benefícios positivos de longo prazo em ter acesso a programas de seguridade na infância, que conduzem a melhoras tanto na saúde quanto na produtividade econômica, na idade adulta”.

Assim, existe um caso convincente em defesa da expansão de benefícios para as crianças –convincente a ponto de Mitt Romney ter oferecido um plano semelhante, embora ele deseje custeá-lo por meio da redução de outros programas de seguridade social.

Mas nisso como em outras coisas, Romney parece contar com pouco apoio dentro de seu partido.
Não deve causar surpresa que o cada vez mais encolhido Marco Rubio, que no passado pediu por mais assistência às crianças, agora tenha saído ao ataque contra a proposta de Romney, definindo-a como “um plano de bem-estar social”.

Mais surpreendente, talvez, seja a oposição de muitos (se bem que não todos) os intelectuais de direita que pesquisam sobre políticas públicas. Por exemplo, o diretor de estudos sobre a pobreza do American Enterprise Institute advertiu que oferecer renda adicional às famílias “nos levaria de volta aos velhos dias do passado”, ao permitir que alguns adultos trabalhem menos. Desconsiderando o fato de que esse efeito provavelmente seria minúsculo, por que permitir que pais passem mais tempo com seus filhos seria uma coisa incontestavelmente ruim?

O que parece claro é que o verdadeiro motivo para que muita gente da direita se oponha a ajudar as crianças é que eles temem que essa ajuda reduza a desesperança das famílias pobres. E a razão para que odeiem a proposta é exatamente o motivo por que os demais de nós devemos amá-la.

Tradução de Paulo Migliacci

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.